A whole new world

O que aconteceria se Alladin realmente tivesse um tapete voador?

“Alladin” foi o primeiro filme que fui levado a ver no cinema. Eram meados de 1992 e minha falecida tia-avó levou a mim e a meu irmão no antigo cinema da Galeria Olido, no centro de São Paulo.

Na época eu fiquei maravilhado com o personagem do gênio. Eu não queria ter meus desejos realizados, queria só ser amigo daquela criatura azul, engraçada, cheia de poderes e piadas inapropriadas (mas eu nunca tive um amigo assim).

Com o tempo, depois de perder horas preso em engarrafamentos no caótico trânsito da cidade, é que se percebe a utilidade que seria um tapete voador. Não há um porta-malas espaçoso, não pega rádio FM, em dias de chuva é desconfortável, mas é um cacete de um tapete voador veloz e fácil de estacionar.

O tapete tem o ápice de sua participação atuando como wingman do Alladin, quando o personagem principal faz uma visita totalmente invasiva à torre da princesa. Alladin leva um fora, mas a princesa volta atrás quando ele a convida pra dar um rolê no tapete voador, ensinando aos miúdos telespectadores que fica difícil a garota te rejeitar se você tiver um veículo legal. Os dois saem voando no tapete, ao som da balada “A whole new world”, vencedora do Oscar de Melhor Canção Original, em um clipe primoroso.

Não me aborrece o fato do tapete ter capacidades levitacionais ou até mesmo uma consciência fofa. Tudo isso pode ser facilmente explicado pelo argumento “mágica”. Mas é difícil ignorar os efeitos exercidos pela atmosfera terrestre nos personagens, tais como temperatura e pressão.

Com o efeito da rápida subida do tapete da altura da cidade, há uma perceptível diminuição da pressão atmosférica. Os ouvidos do Alladin e da Jasmine fatalmente devem ter tampado. Por isso que a Jasmine canta mais alto.

Conforme eles sobem, o ar também vai ficando mais frio – era melhor a princesa ter levado um casaco. Rapidamente o tapete com os dois pombinhos começa a passar por entre as nuvens.

As nuvens pelas quais eles passam são uma mistura de cumulus humilis com stratocumulus. Essas nuvens fofas, com forma de couve-flor parecem cumulus, e o melhor seria eles voarem para longe dali, porque parece que vai chover. Com o passar da noite, a tendência é que esses cumulus que não chegam a se desenvolver vão ficando menos fofos e mais disformes (transformando-se em stratocumulus). De acordo com dados de temperatura e umidade obtidos do aeroporto de Bagdá, a base das nuvens estava em cerca de 6500ft, ou 1,98km.

Nesse ponto, a turbulência deve ter sido alta, devido às correntes ascendentes do interior da nuvem, então o ideal era que os passageiros estivessem com os cintos afivelados. Em outra imprecisão científica, se tentássemos pegar um pedaço fofo de nuvem em nossos braços como os personagens fizeram, só consegueríamos nos encharcar abraçando um gelado pedaço de nada.

Pouco depois, o tapete voa acima das nuvens. A altura das nuvens pode variar imensamente. Algumas Cumulusnimbus podem chegar até 14km de altitude. Nesse ponto, já na entrada da estratosfera terrestre, a temperatura pode chegar até -60°C. [1]NASA: https://ghrc.nsstc.nasa.gov/amsutemps/amsutemps.pl?r=005

O tapete não chegou tão alto, entretanto. Acima das nuvens eles se deparam com um bando de aves migratórias. Aparentemente são cegonhas, que consegue voar a até 5km de altitude. Mesmo abutres dificilmente passariam de 12km. Na estimativa mais pessimista, podemos assumir que os pássaros são grous comuns mal desenhados, que voam a até 10km de altitude. Tanto cegonhas quanto grous podem ser encontrados voando nos céus da arábia, então não há absurdos geográficos biológicos nas hipóteses exploradas.

Acima de 8km, porém, começa a região conhecida como zona da morte. Nessa altura, o oxigênio é insuficiente para sustentar a vida humana por muito tempo. Aqui, seria conveniente o tapete vir com um sistema automático de máscaras de oxigênio. O Monte Everest chega até 8,848km de altitude, então quando passaram pelo Himalaia (eles passaram, já chegaremos a isso), provavelmente tiveram que contornar alguns picos.

I can show you the world

Hold your breath, it gets better

Considerando a hipótese mais provável, de cegonhas voando a aproximadamente 4500m de altitude, a quantidade de oxigênio disponível já poderia chegar até à metade do que é encontrado à nível do mar, então seria melhor eles pararem de cantar pra segurar o fôlego. Também já seria frio o suficiente para o ar atingir temperaturas abaixo de zero. As partes expostas do corpo da princesa, como os ombros e, especialmente, as extremidades, com as pontas dos dedos e pés, estariam imensamente suscetíveis a queimaduras por congelamento. Jasmine talvez nem percebesse as queimaduras, afinal, inicialmente o efeito delas é dormência e escurecimento da pele na área atingida. O frio deve ser intenso não só por conta da altitude e do passeio ser de noite, mas também devido à alta velocidade do tapete.

 

Altíssima velocidade, aliás.

O tapete percorre um longíssimo caminho, partindo de Agrabah, “cidade de mistério e encantamento”. Mas aonde ficaria Agrabah? Dá pra pegar algumas dicas pelo filme: é uma região desértica e, de acordo com o narrador que conta a história no começo da película, próxima ao Rio Jordão. A arquitetura é típica de um país islâmico, provavelmente Irã ou Arábia Saudita. Tendo esses pontos de referência, minha estimativa pessoal vai para algum ponto da Jordânia. Uma distância aproximada será suficiente para obtermos uma estimativa da velocidade atingida pelo tapete.

Pra começar o passeio, eles sobrevoam a Esfinge de Gizeh, no Egito, a cerca de 500km de distância do ponto de partida. Sem tempo de parar, eles mudam a rota e seguem para o que parece ser a acrópole de Atenas, a cerca de 1120km em linha reta. Por fim, eles vão assistir a uma queima de fogos no telhado do que parece ser um templo da Cidade Proibida na China, a pelo menos 7600 km de distância da Grécia, num trajeto que fatalmente deu a volta pelo Himalaia. O percurso total percorrido dificilmente foi menor do que 9300km.

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I can show you the world

O cálculo da velocidade é bem básico: Distância dividido pelo tempo.

Mas quanto tempo eles levaram nesse percurso?

Se formos considerar o tempo da música, eles levaram 2 minutos e meio – o que nos dá uma velocidade de 62km/s ou 223.200km/h. Ajuda o fato deles estarem indo na direção oeste-leste, que é oposta ao sentido de rotação da terra, assim é possível descontar a velocidade do planeta, de 1675km/h, resultando numa velocidade final de 221.525km/h.

O recorde de velocidade que um ser humano já chegou pertence ao trio de astronautas da missão Apollo 10, cuja cápsula atingiu uma velocidade de 39,897km/h em relação à terra. Alladin e Jasmine podem ter viajado em uma velocidade 5538 vezes maior. Considerando que a velocidade do som é de 1225km/h, eles chegaram na China mais de sete horas e meia antes da música que eles mesmo estavam cantando. É uma idéia totalmente inacurada.

 

Em uma aproximação mais realista, podemos considerar que o passeio todo aconteceu durante uma noite, não apenas durante uma música. Tendo em vista que o ponto mais oeste que o tapete chegou foi no Egito, podemos otimizar a viagem o máximo possível, pegando a noite mais longa da região[2]gaisma: http://www.gaisma.com/, aumentando assim o máximo possível o tempo da viagem. Em uma noite de dezembro, é plenamente plausível o sol se pôr às 17h30 e nascer às 06h30, providenciando treze horas de escuridão. Devemos considerar a viagem de ida e volta, imaginando que todo o passeio ocorreu na mesma noite. Como Egito e Jordânia compartilham o mesmo fuso-horário, a volta deve ter ocorrido ainda no período dessas treze horas.

Considerando seis horas e vinte e cinco minutos de viagem, assim eles mantém um diálogo de dez minutos no topo do templo e retornam ainda na mesma noite. Neste caso, por conta da viagem de volta, não é preciso descontarmos a velocidade de rotação da terra. A velocidade atingida pelo tapete seria de 1453 km/h. O corpo humano é capaz de suportar altas velocidades supreendentemente bem; nosso problema é com a aceleração. A maioria das pessoas costuma perder a consciência entre 4 e 5 Gs de aceleração. [3]Gizmodo: http://gizmodo.uol.com.br/por-que-o-corpo-humano-nao-consegue-suportar-aceleracoes-bruscas/ Mas mesmo se o tapete acelerasse a $$9,806 m/s^2$$ (ou 1G), ele levaria apenas 41 segundos para atingir os 1453 km/h, porém ainda mais lento que a aceleração de um carro de Fórmula 1.

Nessa velocidade, também é plausível começar a levar em consideração o atrito do ar, variável tão desprezada por vestibulandos e engenheiros. O corpo humano não é uma forma devidamente aerodinâmica, nem mesmo a Fernanda Paes Leme. Na altíssima velocidade do tapete, a resistência do ar sobre os passageiros pode significar uma força de quase 2000kg, o equivalente a oito tigres da princesa exercendo um peso contrário ao movimento exercido. Espero que eles tenham segurado firmemente no tapete

Pela altitude atingida, é seguro dizer que o tapete atingiu a velocidade de 1.25 mach; enorme velocidade, mas muito mais coerente, plausível até mesmo para alguns aviões de passageiros supersônicos, como os da companhia Aerion[4]aerion supersonic – http://www.aerionsupersonic.com/, que não patrocina este post, mas devia ter como slogan “Conquiste sua própria Jasmine”.

…ou então podemos levar em consideração aquela teoria de que toda vez que um casal canta um dueto em um desenho da Disney, eles estão fazendo sexo. Aí a balada e o passeio seriam só uma figura de linguagem para representar que Alladin levou a princesa às nuvens. Mas essa seria uma leitura muito resumida. Melhor reservá-la ao pessoal de humanas.