No dia 06 de fevereiro de 2018, um foguete decolou de um fiapo de terra escorrendo da Flórida. A carga do foguete continha um carro esporte conversível com um boneco no banco do motorista – convenientemente apelidado de Starman – encarando com alegria a vastidão do Universo à sua frente, uma mão no volante, o braço apoiado na lateral do carro, a tela do veículo exibindo a mensagem “Don’t Panic”, eternizada dos livros de Douglas Adams, trazendo visível tranqüilidade ao Starman e um alento à toda a humanidade.
O destino do carro era nenhum outro senão Marte[1]eu sei, eu sei… o destino nunca foi Marte em si, mas a idéia era resvalar na órbita marciana (sem entrar nela, inclusive).
Como a intenção do lançamento era testar o foguete e não o movimento de um conversível pelo espaço, pouca atenção foi dada ao propulsor do carro (acionado na hora de sair da órbita terrestre), que queimou um pouco mais do que devia e vai passar um pouco mais longe de Marte do que se imaginava.
O destino do carro é incerto ainda, mas ele provavelmente seguirá até o cinturão de asteróides e seguirá viajando indefinidamente pelo espaço até ser fatalmente esmagado por um asteróide. Tal qual a Terra.. Nosso interesse por Marte não é à toa: dentre os oito planetas de nosso Sistema Solar (tá na hora de você superar o nosso relacionamento com Plutão, se você ainda não superou), temos gigantescas bolas de gelo com temperaturas abaixo de 200ºC, bolas de gás venenoso com tempestades que nunca terminam e, apenas quatro planetas rochosos: Mercúrio, Vênus, Terra e Marte.
Marte não é o planeta mais próximo da Terra. Esse posto fica com Vênus. Porém as condições lá não são muito boas: a temperatura pode chegar a 400ºC, a pressão atmosférica é 92 vezes a pressão terrestre e o ar é composto 96% por dióxido de carbono. Tudo isso torna o planeta muito parecido com o trânsito do Rio de Janeiro, então a humanidade perdeu o interesse por ele.
Mercúrio não só é ligeiramente mais distante do que Marte como também é menor e a temperatura varia entre 427ºC no sol e -173ºC na sombra. Ele também fica perto demais do Sol, o que exigiria uso de filtro solar de fator de proteção 200, encarecendo consideravelmente o custo da viagem.
Não é à toa que Marte se transformou na queridinha de todos os planos de exploração, colonização e conquista espacial: a adaptação às condições do planeta vermelho são extremamente propícias para nós, humanos: a temperatura varia entre 20ºC e -130ºC (ah, mas em Curitiba…); há sol suficiente para usarmos energia solar; ele possui uma leve atmosfera que pode proteger os colonos da radiação solar; tudo indica que é possível extrair água do solo; a gravidade é 38% da gravidade terrestre, o que significa que todo mundo em Marte perde peso, mas não tanto a ponto de ficar difícil a adaptação; e os dias possuem uma duração muito parecida com os dias na Terra, mas com 40 minutos a mais, justamente aqueles quarenta minutos que você sempre alega não ter para ir na academia.
Bora pra Marte então.
As grandes navegações
O termo “colonização” usado para se referir às atuais ambições humanas com Marte não é um exagero: a idéia por trás do Mars One[2]http://www.mars-one.com/ não é só enviar humanos para outro planeta mas também estabelecer uma comunidade por lá. É transformar a espécie humana em uma raça multi-planetária. E fazer tudo isso nesta geração.
A NASA tem planos para enviar os primeiros galegos em 2030. A SpaceX, como não é uma agência governamental e não fica empacada nas burocracias políticas, tem planos mais ousados: 2025 seria a primeira viagem. Em menos de uma década estaremos pisando em outro planeta. Isso é empolgante, é excitante. É a natureza humana de exploradores aflorando outra vez. É como estar novamente na época das Grandes Navegações, quando exploradores destemidos saíram do conforto de suas terras em busca de tempero, rumo ao desconhecido, com o risco de não mais voltar.
A última vez que a humanidade esteve tão empolgada com o espaço foi no final da década de 60, no auge da Corrida Espacial, quando pisamos na lua.[3]vale muito ler tudo do Tim Urban: https://waitbutwhy.com/2015/08/how-and-why-spacex-will-colonize-mars.html Por mais que o avanço científico desse feito seja evidente, é possível dizer que a motivação foi política. O que move as expedições atuais é pura ciência. O objetivo atual da comunidade espacial é algo fará a chegada do homem à lua parecer o equivalente ao que um mergulho nas águas do Tejo é para as Grandes Navegações.
Comparando com Marte, a lua é aqui do lado, seguindo ali por trás de Santana.
Marte é longe.
Quão Longe?
Calcular a distância entre Terra e Marte é que nem calcular a distância entre Bruna Marquezine e Neymar: relativamente, os dois ficam muito próximos durante um determinado período para depois se distanciar enormemente e, num ciclo de alguns meses depois, se aproximarem de novo. A janela de proximidade ocorre aproximadamente a cada 26 meses – tanto do Neymar e da Bruna quanto da Terra e Marte.
A distância média fica em torno de 225 milhões de quilômetros[4]https://www.space.com/16875-how-far-away-is-mars.html, mas como ambos os corpos possuem movimentos de translação distintos, esse valor pode chegar a mais de 400 milhões de quilômetros. Entretanto, quando a janela de proximidade se abre (a cada 26 meses mais ou menos), essa distância se reduz drasticamente, chegando a aproximadamente 55 milhões de quilômetros. Durante esse intervalo, o tempo de viagem entre Terra e Marte diminui consideravelmente, e, com a tecnologia atual, é possível chegar no planeta vermelho em cerca de três meses. Desnecessário dizer que é durante essa aproximação que a maioria das viagens para Marte são e continuarão sendo lançadas.
2018 é um desses anos. Marte está próxima e a NASA vai aproveitar o momento para enviar mais um de seus robôs de reconhecimento no planeta: o Insight.[5]https://mars.nasa.gov/insight/ Com lançamento atualmente agendado para 5 de maio, a expectativa é que ela chegue em Marte cerca de seis meses depois, em novembro – um peido em proporções espaciais. A Juno, por exemplo, foi lançada em Agosto de 2011 e só chegou ao seu destino em Julho de 2016, quase cinco anos depois.[6]https://www.nasa.gov/mission_pages/juno/main/index.html\
Juno foi(é/está sendo) uma missão da NASA com o objetivo de estudar Júpiter.
Pra ter uma idéia de quão longe é Júpiter, segue a animação com a trajetória da spacecraft:
https://www.youtube.com/watch?v=sYp5p2oL51g
Os planos iniciais de Elon Musk para a SpaceX eram de aproveitar a janela de 2018 para enviar as primeiras Red Dragon[7]As red-dragons, apesar de serem planejadas para estarem prontas este ano, fracassaram em conceito. As dragon, entretanto, são uma realidade:
http://www.spacex.com/dragon
Para ocupar o lugar das Red dragon nas missões marcianas e em nossos corações, uma nova spacecraft, maior e mais legalzona estaria já sendo planejada., mas recentemente ele teve que admitir que, sim, tal qual minha idéia de marcar um casamento com a Fernanda Paes Leme até o meio do ano passado, os planos dele também eram ambiciosos demais e a expectativa agora é usar a janela de outubro de 2020 para mandar as primeiras cápsulas-teste para Marte. Depois de outubro de 2020, as janelas se abrem em Dezembro de 2022 e, finalmente em Janeiro de 2025. Para a janela de 2025, Musk promete que uma missão tripulada será enviada, e nessa missão estariam os primeiros homens (e mulheres) a pisar em um outro planeta.
Já meus planos para um relacionamento feliz e duradouro com a Fernanda Paes Leme foram adiados por tempo indefinido.
Pé na Estrada
É difícil para a mente humana, acostumada com parâmetros de distância de, no máximo, algumas centenas de quilômetros, conceber o valor de 55 milhões de quilômetros. Como parâmetro de comparação, a maior estrada do Brasil é a BR-116, que liga Fortaleza, Ceará ao Uruguai. Os moradores de São Paulo conhecem essa rodovia por outros nomes: ela chega na cidade com o nome de Rodovia Presidente Dutra e sai da cidade com o nome de Régis Bittencourt. No total, a BR-116 possui cerca de 4.516km.[8]https://pt.wikipedia.org/wiki/BR-116
Mesmo se juntarmos todas as estradas dos Estados Unidos, incluindo ruas, rodovias e trilhas não-pavimentadas, teríamos “só” 6.58 milhões de km.[9]http://www.roadtraffic-technology.com/features/featurethe-worlds-biggest-road-networks-4159235/
Para tentar passar uma ínfima idéia do que representam 55 milhões de quilômetros e do tipo de vastidão tediosa que compõem o Universo, imagine três carros:
O primeiro carro está em Pelotas, no Rio Grande do Sul. É um VW Golf verde, levando uma família tipicamente brasileira: mãe, pai e um casal de filhos. O pai é conservador, a mãe não se interessa por política, o filho (mais novo) tá entretido no iPad e a filha mais velha tem um viés esquerdista. Eles vão pra Belém.
O segundo carro está em Lisboa, Portugal. São dois casais de jovens, na casa dos 20, em uma eurotrip. Como eles não tinham dinheiro, o único carro que conseguiram alugar era um Fiat 500 branco que agora eles percebem que é minúsculo demais para quatro passageiros e seis malas. A idéia deles é passar pelo maior número de capitais européias da forma mais rápida e direta possível. Saindo de Lisboa eles seguem para Madrid, Paris, Bruxelas, Amsterdam, Berlim, Varsóvia, Minsk e terminam em Moscou, ambicionando chegar a tempo da Copa.
O terceiro carro está no Cabo Canaveral na Flórida. De alguma forma incrível, a humanidade construiu uma rodovia asfaltada ligando a Flórida à Marte. A estrada parte de um ângulo de 90 graus com a Terra e segue reta, sem pedágios, até Marte. O carro é um Tesla Roadster e, dirigindo ele, está um boneco sem sentimentos, sem necessidades biológicas e/ou fisiológicas, que só quer chegar logo em Marte para jogar pôker com o Matt Damon.
Os três carros saem ao mesmo tempo e seguem na velocidade de 100km/h.
As primeiras quatro horas.
No Rio Grande do Sul, eles chegam em Porto Alegre. As crianças estão entediadas já. O garoto começa a olhar com preocupação a bateria do seu iPad e sugere parar em algum lugar pra carregar um pouco a bateria do aparelho. A irmã reclama, diz que é uma viagem muito longa pra se fazer com a família. Eles cruzam a capital gaúcha apreciando suas atrações turísticas: o Rio Guaiba (que eles descobriram tarde demais que não possui nascente, então é um lago, mas como todo mundo já tinha chamado de “rio”, então eles tiveram que batizar o lago como “Lago Rio Guaiba”), o estádio do Internacional “Beira Rio” (que não beira um rio. beira um lago), a Gruta Azul, a Tia Carmem…
Se eles nem saíram do estado no Brasil, na Europa, eles já mudaram de país: Depois de duas horas de eurotrip eles já cruzaram a fronteira com a Espanha. As placas apontam que faltam pouco mais de 100km para chegarem em Madrid. Alguém sugere desviar para Toledo para comprar facas, mas ninguém sabe direito quem foi porque todo mundo está soterrado por malas no carro.
Já o Tesla segue indo pra cima. Com um pouco mais de 5 minutos de viagem ele está mais alto do que o Everest. Com 9 minutos de viagem pra cima, ele já está mais alto do que qualquer avião comercial consegue voar.
Aos 23 minutos de viagem para cima, o Tesla já percorreu 39km. Uma placa na rodovia indica que foi naquela altitude que Felix Baumgartner realizou o maior salto em direção ao chão que o homem já fez.[10]Não canso de ver: https://www.youtube.com/watch?v=FHtvDA0W34I Logo depois desse marco, o Tesla entra na “mesosfera”, uma das últimas camadas da atmosfera terrestre, aonde a temperatura pode chegar a até -90ºC.
Com 100km, o carro chega na “termosfera”, e a temperatura volta a esquentar. O carro vai passar um tempo ainda na termosfera, já que essa camada termina em uma altitude que pode variar entre 500km e 1000km de altura. Mas aqui as coisas começam a ficar mais interessantes: não há nuvens, mas se o boneco for sortudo, é na termosfera que ele vai ver a Aurora. Aos 215km fica outro ponto histórico: é a altura de órbita do Sputnik, o primeiro satélite criado pelo homem. É por volta dessa altura também que a Vostok 1 fez sua órbita, carregando o russo Yuri Gagarin, primeiro homem a ir para o espaço.[11]http://www.esa.int/About_Us/Welcome_to_ESA/ESA_history/50_years_of_humans_in_space/The_flight_of_Vostok_1 Tecnicamente então, o Tesla já está no espaço.
Entre 330km e 450km de altitude, é onde ele vai encontrar o primeiro (e último, espero) resquício de vida humana da viagem: é nessa altura que viaja a ISS, que está sempre habitada por pelo menos três tontos. A International Space Station é pouco comentada, comparada com a sua importância: logo ali na órbita terrestre, tão perto que é possível vê-la a olho nu, a humanidade estabeleceu uma moradia rotatória.[12]Uma vez, num encontro de astrônomos, me ensinaram a ver a ISS. Precisa ser logo no começo do dia ou no final, quando o sol não atrapalha, mas seus raios ainda brilham no céu. Há diversos apps para celular que monitoram o posicionamento de satélites, como por exemplo, o Starwalk. Com um pouco de sorte, luz do sol corretamente posicionada e informações desse app, você pode ver a ISS passando no céu, praticamente naquele horizonte aonde o dia termina e a noite começa ou vice-versa.
Além disso, a ISS é realmente interessantíssima…
https://www.nasa.gov/mission_pages/station/main/index.html
Posição atual da ISS: http://iss.astroviewer.net/
As primeiras 20 horas
Uma das principais atrações turísticas que nosso boneco pode visitar aqui perto é o telescópio espacial Hubble. Telescópios, quando manuseados a partir da terra, encontram um obstáculo um tanto quanto incômodo na visão do espaço: a atmosfera. A luz das estrelas é parcialmente distorcida quando passa pela atmosfera terrestre. Isso não é problema para o povo maia prever o fim do mundo, ou para o astrólogo do jornal de domingo inventar suas pataquadas, mas é para cientistas de verdade tirarem medições e pegarem imagens tão perfeitas quanto possível do espaço. Oras, se a atmosfera atrapalha, porque não colocar um telescópio no espaço? Todo mundo sabe que tudo fica mais legal quando vai pro espaço![13]Machete Kills Again. In Space! http://www.imdb.com/title/tt2002719/
Fast and Furious Director Thinks Going to Space Is Very Possible: https://screenrant.com/fast-furious-9-space-director-comments/
https://www.youtube.com/watch?v=h77gdTbqvSo (achou que não ia ter link pro Choque de Cultura? achou errado, otário)
O Hubble foi mandado pro espaço em 1990 e ainda está trabalhando loucamente. Com as novas regras de aposentadoria, ele não vai poder parar tão cedo. Ele vai seguir na labuta pelo menos até 2020, porém seu sucessor, com um nome muito menos amigável (“James Webb Space Telescope”, parece que acabaram os nomes fofos da NASA[14]James Webb Space Telescope já tem site: https://www.jwst.nasa.gov/) deve ser mandado pro espaço em 2019. A órbita do Hubble segue caindo a cada ano e, se ninguém tomar atitudes, o telescópio vai se espatifar com a Terra lá pra 2028.[15]http://hubblesite.org/ vale ver tudo que o Hubbel fotografa…
Em especial, as mais linda foto do espaço ja tirada (in my hubble opinion): The Pillars of Creation
https://www.nasa.gov/content/goddard/hubble-goes-high-definition-to-revisit-iconic-pillars-of-creation
Perto dos 600km de estrada, o Tesla vai entrando numa região conhecida como “Low Earth Orbit” (LEO), aonde a imensa maioria dos satélites de comunicação orbitam. Nessa altura, a órbita varia entre 90 e 120 minutos. Nessa altura também que podemos encontrar George Clooney flutuando pelo espaço desde o filme “Gravidade”. É nessas próximas centenas de quilômetros que é mais provável que nosso boneco veja um dos mais de 4500 satélites que orbitam a Terra.[16]…de acordo com o United Nations office for outer space affairs. Que nome legal.
http://www.unoosa.org/oosa/en/spaceobjectregister/national-registries/index.html A região da LEO acaba depois de 2000km, ou 20 horas de viagem.
Depois de 20 horas de viagem, nossa intrépida família em seu Golf Verde já chegou em São Paulo. Eles estão parando pela terceira vez para encher o tanque, em um dos postos da marginal Tietê. O garoto já dormiu e acordou algumas vezes, a mãe segue comendo biscoitos maizena e a filha passou a criticar a alta velocidade imposta pela gestão Dória.
E, se é possível chegar de Pelotas a São Paulo, nossos viajantes europeus já estão avistando a Torre Eiffel. 20 horas é o tempo de viagem entre Lisboa e Paris, com uma parada no Museu do Jamon em Madrid. Cada um deles saca seu instagram para tirar fotos rápidas no louvre e no arco do Triunfo e a viagem continua.
As próximas 20 horas
Saindo de Paris, as próximas 20 horas seriam suficientes para passar por outras 4 capitais européias: Bruxelas, Amsterdam, Berlim e Varsóvia. É o segundo dia de viagem e dois terços do continente já foram percorridos. As pernas de todos dentro do carro já estão adormecidas, em parte por não se moverem, em parte pelo peso da mala que cada um carrega no colo.
Um pouco mais de 20 horas também é o tempo que nossa triste família leva para chegar de São Paulo a Porto Seguro, na Bahia. Eles param um pouco no Rio, aonde o garoto tem o iPad roubado. Seguem pela BR-116 até Governador Valadares, daonde eles fazem um desvio para o litoral baiano.
O Tesla segue pela estrada. Acima de 2000km, ele percorre a “Medium Earth Orbit” (MEO) (não confundir com Middle Earth Orbit, com seus satélites capazes de prever o tempo em Valinor). O boneco pode ficar entediado se quiser: a MEO segue por mais 34.000km de vastidão espacial.
Você chegou ao seu destino
Quem chega primeiro? Alguém indo de Pelotas a Fortaleza ou um grupo viajando de Lisboa a Moscou?
Perto de Salvador, o VW Golf verde volta a encontrar a BR-116. A família passou as últimas 10 horas discutindo. Os pais concluíram que o melhor é o divórcio. O filho cogita a emancipação e a filha flerta com o lesbianismo. 10 horas depois e eles chegam a Fortaleza, no final (ou no começo da BR-116). A mãe abandona o carro e vai pegar um avião. de volta pra Pelotas. A filha vai pegar um ônibus de volta pra Porto Seguro. O filho pensa em um intercâmbio no Canadá. O pai chora no carro.
Mais de cinco horas antes, o grupo chegou em Moscou. A tempo para a Copa. Eles ainda tiveram que pegar a longa fila da alfândega na entrada da Bielorússia, onde descobriram que passaportes europeus não valem nada nos países soviéticos. Passaram pela desolada Minsk, onde não conseguiram encontrar nada de interessante pra gerar um Instagram Stories e, pouco mais de 54 horas depois de terem saído de Lisboa, chegam em Moscou.
Enquanto um carro andou por 60 horas na mesma direção sem sair do Brasil, os viajantes passaram em menos tempo por Lisboa, Madrid, Paris, Bruxelas, Amsterdam, Berlim, Varsóvia, Minsk e Moscou: 9 capitais em pouco mais de dois dias. Quase uma viagem CVC.
E pra Marte?
Já o nosso boneco precisaria de muito mais tempo: só para sair da Medium Earth Orbit, são mais 300 horas de viagem (12 dias). Na fronteira com a High Earth Orbit, ele passa por outro marco: uma placa aponta os 35.786km de estrada. Esse valor aparentemente randômico tem uma importância especial: satélites que ficam nessa região possuem um tempo de órbita de 24 horas. Sendo assim, eles estão constantemente apontados para a mesma região do planeta. Por isso eles são chamados de satélites geoestacionários. Há cerca de 600 deles na região, sendo o ponto mais povoado do espaço.[17]isso é legal demais:
http://stuffin.space/
este infográfico também:
https://qz.com/296941/interactive-graphic-every-active-satellite-orbiting-earth/
Acima desse ponto, começa a High Earth Orbit, e os satélites vão ficando mais e mais escassos. A viagem segue uma vastidão de imenso nada pelos próximos 145 dias, quando o boneco finalmente chegaria… na lua! Isso equivale a 0,7% da viagem.
Se imaginarmos um Faustão de 55 milhões de quilômetros de altura indo dos estúdios do Projac até Marte, depois de 160 dias de viagem, o Tesla ainda não teria saído da sola do sapato de Fausto Silva.[Fausto <3] Se seguisse na velocidade de 100km/h, o Tesla levaria quase 63 anos de viagem para chegar em Marte.
Por sorte, o Tesla de Elon Musk lançado no espaço no começo do mês de fevereiro seguia uma velocidade muito maior: mais de 11.000km/h. Mantendo essa velocidade, o Roadster com o Starman levaria quase sete meses para percorrer os 55 milhões de quilômetros.
Por isso, as perspectivas realistas de três meses para chegar em Marte são extremamente animadoras. O tempo é tão curto que não nos faz perceber o quanto o planeta vermelho está longe de nós.
Acelera, Marte!
E, se as perspectivas atuais já são satisfatórias, o futuro parece extremamente promissor. Se os experimentos com o misterioso motor EmDrive seguirem dando resultados positivos, o tempo de viagem poderia ser diminuído para 70 dias! Pouco mais de 10 semanas de viagem nos separariam de nossa colônia extra-terrestre. Os europeus tinha piores viagens na época das grandes navegações.
As viagens espaciais atuais envolvem uma imensa aceleração inicial e nenhuma aceleração artificial no resto do caminho. As trajetórias fazem uso da gravidade de planetas e estrelas para acelerar as espaçonaves. É como se nosso carro tivesse uma aceleração inicial enorme e seguisse na banguela pelo resto da viagem. Como não há resistência do ar, ele não desacelera.
Já o motor EmDrive não precisa de combustível e, tal qual o Faustão, pode continuar acelerando durante todo o caminho daqui até o planeta vermelho. A NASA e a agência espacial chinesa já fizeram testes com o motor no espaço e os resultados foram positivos.
O único problema que o motor EmDrive enfrenta atualmente é: ele não faz sentido. Ele viola completamente as leis da física newtoniana e não deveria funcionar. Mas funciona. E a comunidade científica não sabe explicar o porquê.[18]http://emdrive.com/
A atual era da conquista espacial pode acabar levando a uma completa revisão de toda a física atualmente conhecida. Os resultados disso podem ser uma revolução na forma como produzimos e consumimos energia. Atingiríamos a tão sonhada energia limpa, barata e infinita. Parece estarmos no caminho pra isso.
Até chegarmos lá, porém, vamos ter que continuar ouvindo muita gente dizer que não temos que nos preocupar com exploração espacial ou que os governos e entidades privadas precisam parar de mandar “lixo” pro espaço e gastar dinheiro com soluções para os problemas aqui na Terra.
Mas Marte nos espera. O planeta é logo ali.
Fontes e referências
↑1 | eu sei, eu sei… o destino nunca foi Marte em si, mas a idéia era resvalar na órbita marciana (sem entrar nela, inclusive). Como a intenção do lançamento era testar o foguete e não o movimento de um conversível pelo espaço, pouca atenção foi dada ao propulsor do carro (acionado na hora de sair da órbita terrestre), que queimou um pouco mais do que devia e vai passar um pouco mais longe de Marte do que se imaginava. O destino do carro é incerto ainda, mas ele provavelmente seguirá até o cinturão de asteróides e seguirá viajando indefinidamente pelo espaço até ser fatalmente esmagado por um asteróide. Tal qual a Terra. |
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↑2 | http://www.mars-one.com/ |
↑3 | vale muito ler tudo do Tim Urban: https://waitbutwhy.com/2015/08/how-and-why-spacex-will-colonize-mars.html |
↑4 | https://www.space.com/16875-how-far-away-is-mars.html |
↑5 | https://mars.nasa.gov/insight/ |
↑6 | https://www.nasa.gov/mission_pages/juno/main/index.html\ Juno foi(é/está sendo) uma missão da NASA com o objetivo de estudar Júpiter. Pra ter uma idéia de quão longe é Júpiter, segue a animação com a trajetória da spacecraft: https://www.youtube.com/watch?v=sYp5p2oL51g |
↑7 | As red-dragons, apesar de serem planejadas para estarem prontas este ano, fracassaram em conceito. As dragon, entretanto, são uma realidade: http://www.spacex.com/dragon Para ocupar o lugar das Red dragon nas missões marcianas e em nossos corações, uma nova spacecraft, maior e mais legalzona estaria já sendo planejada. |
↑8 | https://pt.wikipedia.org/wiki/BR-116 |
↑9 | http://www.roadtraffic-technology.com/features/featurethe-worlds-biggest-road-networks-4159235/ |
↑10 | Não canso de ver: https://www.youtube.com/watch?v=FHtvDA0W34I |
↑11 | http://www.esa.int/About_Us/Welcome_to_ESA/ESA_history/50_years_of_humans_in_space/The_flight_of_Vostok_1 |
↑12 | Uma vez, num encontro de astrônomos, me ensinaram a ver a ISS. Precisa ser logo no começo do dia ou no final, quando o sol não atrapalha, mas seus raios ainda brilham no céu. Há diversos apps para celular que monitoram o posicionamento de satélites, como por exemplo, o Starwalk. Com um pouco de sorte, luz do sol corretamente posicionada e informações desse app, você pode ver a ISS passando no céu, praticamente naquele horizonte aonde o dia termina e a noite começa ou vice-versa. Além disso, a ISS é realmente interessantíssima… https://www.nasa.gov/mission_pages/station/main/index.html Posição atual da ISS: http://iss.astroviewer.net/ |
↑13 | Machete Kills Again. In Space! http://www.imdb.com/title/tt2002719/ Fast and Furious Director Thinks Going to Space Is Very Possible: https://screenrant.com/fast-furious-9-space-director-comments/ https://www.youtube.com/watch?v=h77gdTbqvSo (achou que não ia ter link pro Choque de Cultura? achou errado, otário) |
↑14 | James Webb Space Telescope já tem site: https://www.jwst.nasa.gov/ |
↑15 | http://hubblesite.org/ vale ver tudo que o Hubbel fotografa… Em especial, as mais linda foto do espaço ja tirada (in my hubble opinion): The Pillars of Creation https://www.nasa.gov/content/goddard/hubble-goes-high-definition-to-revisit-iconic-pillars-of-creation |
↑16 | …de acordo com o United Nations office for outer space affairs. Que nome legal. http://www.unoosa.org/oosa/en/spaceobjectregister/national-registries/index.html |
↑17 | isso é legal demais: http://stuffin.space/ este infográfico também: https://qz.com/296941/interactive-graphic-every-active-satellite-orbiting-earth/ |
↑18 | http://emdrive.com/ |