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Viajar é preciso

Viajar pelo mundo é um sonho comum. Há tanto a se ver, tantos lugares para visitar, comidas para comer, montanhas a escalar, rios a nadar, praias a surfar, florestas para se perder, museus a explorar que uma vida parece pouco para se conhecer tudo. E realmente é. Mas quanto tempo exatamente seria necessário para conhecer o mundo?

Para começar, é preciso estabelecer a primeira definição: Como seria essa viagem? É possível viajar de várias formas, como já descobriram os Beatles em sua fase psicodélica. A forma mais básica e barata de viajar talvez seja simplesmente sair andando por aí.

Método 1: Saia andando por aí

O mundo é um negócio grande. São 510.072.000 km² (ou 5,1×10^8 km², se quisermos usar notações científicas aproximadas, que facilitariam nossas contas). Destes, 149 milhões de km² são de terra e 361 milhões km² de água, sem contar com os 14 milhões de km² da Antartica, que, tecnicamente, deveriam entrar na categoria “água”.

Como não podemos andar sobre as águas (salvo certas exceções[1]inri-cristohttps://nrt.paulovelho.com.br/wp-content/uploads/2016/02/inri-cristo-150x150.jpg 150w, https://nrt.paulovelho.com.br/wp-content/uploads/2016/02/inri-cristo.jpg 450w" sizes="(max-width: 300px) 100vw, 300px" />), então podemos desconsiderar a viagem por mais da metade do planeta. Mesmo porque não haveria muito o que se ver a não ser uma grande imensidão azul molhada.

Não seria preciso também andar por cada centímetro quadrado do planeta. O objetivo é ver de tudo e não pisar em cada pedaço de chão. Assim, podemos definir uma área de visão e, a partir dela, definir quanto seria necessário andar para cumprirmos o objetivo.

Em uma gigantesca planície, um homem de 1,80m consegue enxergar até 5km de distância[2]ver: http://www.livescience.com/32111-how-far-away-is-the-horizon.html e http://blogs.discovermagazine.com/badastronomy/2009/01/15/how-far-away-is-the-horizon. Parece muito pouco – e realmente é. Há outros efeitos a se levar em conta, como a refração atmosférica. No alto de uma montanha, evidentemente seria possível enxergar até centenas de quilômetros de distância, porém, em um vale a visão é reduzida. Outras variáveis, como a neblina ou um amontoado florestal também são limitantes, então, considerando todas as médias, talvez um campo de visão de 5km seja suficiente para nossas contas[3]Sabendo que, quanto mais alto, maior o campo de visão, seria possível economizar alguns dias, aumentando o campo de visão. Pode-se fazer isso andando por aí de salto ou de perna-de-pau, por exemplo..

A velocidade média de caminhada é de 5 km/h. Reservando tempo para dormir, comer e tomar um vinho e um banho e caminhando 9 horas por dia, seriam necessários mais de 900 anos para se andar pelo mundo todo. 46 anos só considerando a Austrália. A idéia básica seria seguir uma linha longitudinal indo e voltando, o que ainda ocasionaria em passar algumas vezes pelo mesmo lugar (para voltar de penínsulas, por exemplo).[4]Com uma perna de pau de dois metros, o raio de visão médio pode chegar a 7,1km e o tempo de viagem pode ser reduzido para 860 anos. Com um zepelin voando a 500m de altura, raio de visão de 80km e velocidade de 14km/h, em pouco mais de 243 anos é possível ter visto o entediante mundo todo.

saia andando…

Seguindo esse algoritmo, só para andar pelo deserto do Saara, seriam necessários mais de 50 anos. Mas também seria possível andar por toda a cidade de São Paulo, com seus 1500 km² em pouco mais de 4 dias, o que não faz muito sentido, já que esse é o tempo apenas para ir de carro de uma ponta a outra da marginal tietê.

Para percorrer áreas urbanas, o campo de visão é limitado. Dessa forma seria melhor definir “conhecer” uma cidade caso você ande por todas as ruas dela. Usando São Paulo como referência, ela possui 17200km de ruas o que, caminhando à 5km/h, nos dá 3440 horas caminhando ou equivalente a 382 dias para conhecer seus 1521km².

Seria equivalente a ter um raio de visão de apenas 44,2 metros; o que parece bastante razoável em uma metrópole onde se estivesse rodeado de prédios, a visão do horizonte ser limitada a algumas dezenas de metros até o amontoado de tijolos mas próximo.

Utilizando o raio de visão de São Paulo como parâmetro, nossa viagem se torna 200 anos mais longa.

Assim, o próprio Matusalem, homem mais velho da história do qual se tem registro (ao menos assim diz a biblia), não conseguiria andar o mundo todo ao longo dos seus 969 anos de vida.

Método 2: Pacotes de viagem

Nem todos nós, porém, temos 900 anos sobrando pra sair andando por aí.

A maioria de nós, na verdade, possui três semanas por ano e ânimo só o suficiente pra comprar um pacote daquela compania de viagens popularesca, de três letras que eu não vou dizer o nome aqui porque eles não responderam meus e-mails.

Eles oferecem um pacote que permite “conhecer” 9 países em 23 dias. Seguindo a lógica, seria possível visitar todos os 196 países do globo em pouco mais de 500 dias. Com 30 dias de férias a cada 335 dias miseráveis de trabalho, uma pessoa conseguiria visitar todos os países em cerca de 25 anos.

Método 3: Proporcional ao número de habitantes

Excursões são um saco e sair andando por aí talvez não seja a forma de viagem mais eficiente. Só para caminhar pelos mais de 9 milhões de km² do deserto do Saara, levaria mais de 57 anos. Como passar 50 anos andando pelo deserto não parece ser o tipo de turismo que agradaria muita gente, eu acabei desenvolvendo um próprio sistema estimativo de viagem.

Após alguns anos viajando por aí, acredito que conheço um pouco sobre viagens. Sei, com alguma experiência, que o tempo necessário para conhecer uma cidade como Londres, com seus 1500km² e quase 9 milhões de habitantes é muito maior do que para conhecer Dar Es Salaam, na Tanzânia, com os mesmos 1500km², mas com menos de 1,4 milhões de habitantes.

A idéia então se baseia no conceito que cidades maiores demograficamente precisam de mais tempo para serem exploradas. Quanto mais pessoas habitam uma cidade, mais coisas há para se conhecer nela. Isso pode ser verdade para Nova York, Londres, San Francisco, Tokio, São Paulo, Buenos Aires e pode não ser tanta verdade para as densamente habitadas Chongqing (China), Dhaka (Bangladesh) ou Lagos (Nigeria). Mas o contrário também pode ocorrer e cidades com pouquíssimos habitantes podem ser tão ricas que seria necessário mais tempo para desfrutá-las, como Te Anau (Nova Zelândia, 1900 habitantes, local dos dois mais lindos e fantásticos fjords do hemisfério sul) ou o Serengeti (um dos maiores parques naturais da África, com 30000km² e nenhum habitante) – sem contar, novamente a Antártida, o único continente com uma população de zero habitantes, mesmo com os governos do Chile e Argentina acusados de enviarem mulheres grávidas para terem filhos no continente nascidos com a nacionalidade antartica.

Na média, a idéia é encontrar um equilíbrio e o tempo desnecessário que seria gasto a mais em cidades populosas e entediantes pode ser usado para compensar as cidades pequenas e incríveis.

O problema básico dessa abordagem é evidente: é impossível conhecer tudo (não que seja realmente possível caminhar 900 anos por aí). Por exemplo: se comêssemos pizza todas as noites em um lugar diferente, seriam necessários 13 anos para termos ido em todas as pizzarias de São Paulo[5]Haja mozzarela: http://noticias.r7.com/economia/noticias/sao-paulo-consome-mais-da-metade-das-pizzas-produzidas-no-brasil-20100710.html.

Seis meses talvez seja um tempo razoável para se dizer que se conhece uma grande metrópole. Nas contas adotadas, qualquer cidade com mais de 5 milhões de habitantes exigiu um período de seis meses de visitação. Talvez não seja o suficiente para metrópoles como Londres e New York, mas honestamente, uma vida não é o suficiente para essas cidades.

Existem hoje 75 cidades com mais de 5 milhões de habitantes. Dentre elas, 18 estão na China. Estados Unidos e Índia agraciam a lista com mais 9 cidades cada um.[6]Demographia. Excelente pdf: http://www.demographia.com/db-worldua.pdf (cuidado: pdf) Considerando o prazo máximo de seis meses, seriam cerca de 40 anos para conhecer as 100 cidades mais populosas do mundo.

Mas cidades populosas são apenas uma pequena fração do que há para ser conhecido. Convenientemente tomando a Alemanha como exemplo[7]Três motivos foram escolhidos para tomar a Alemanha como parâmetro: experiência pessoal de um dos autores (que atualmente mora em Berlim), tamanho do país (por ser pequeno, mas não tanto, é mais fácil fazer as contas) e facilidade em encontrar dados disponíveis (o Brasil infelizmente não possui tantos dados disponíveis sobre suas cidades). E há um motivo extra: porque eu quero.: São 2059 cidades[8]Lista de cidades na Alemanha: https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_cities_and_towns_in_Germany (considerando aquelas que possuem uma administração independente), sendo que 16 delas possuem mais de 500 mil habitantes e apenas 3 delas possuem mais de 1 milhão de habitantes. Seguindo a distribuição de viagem por densidade demográfica, seriam quatro meses para conhecer Berlim (o que talvez não seja o suficiente), dois meses para Hamburgo e 34 dias para Cologne (o que seria talvez um exagero). Em dois anos e meio seria possível conhecer completamente todo o país. Fácil se comparado com o Brasil, que dependeria de quase 18,5 anos de turismo.

No total, o mundo todo dependeria de 692,5 anos de viagem para ser conhecido. Um resultado que não foge muito dos 900 anos de caminhada no quesito “impossibilidade”, portanto estranhamente acurado.

Método 4: Desista (ou não)

Se um homem viajasse por 700 anos para conhecer o mundo todo, ao final de sua expedição, o mundo seria diferente do que era quando ele começou. Mais do que isso: as viagens tornaram o homem diferente. Um mesmo homem não sobe a mesma montanha duas vezes, já que o homem que desce é diferente daquele que sobe, porque a montanha muda o homem.

A impossibilidade de conhecer tudo torna a aventura ainda mais empolgante. Sempre há algo novo pra aprender, um novo lugar pra visitar, uma cerveja diferente pra beber, uma experiência diferente para se ter.

Mesmo sabendo que é impossível, a diversão é tentar. Então o melhor a fazer é sair andando por aí logo.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 inri-cristohttps://nrt.paulovelho.com.br/wp-content/uploads/2016/02/inri-cristo-150x150.jpg 150w, https://nrt.paulovelho.com.br/wp-content/uploads/2016/02/inri-cristo.jpg 450w" sizes="(max-width: 300px) 100vw, 300px" />
2 ver: http://www.livescience.com/32111-how-far-away-is-the-horizon.html e http://blogs.discovermagazine.com/badastronomy/2009/01/15/how-far-away-is-the-horizon
3 Sabendo que, quanto mais alto, maior o campo de visão, seria possível economizar alguns dias, aumentando o campo de visão. Pode-se fazer isso andando por aí de salto ou de perna-de-pau, por exemplo.
4 Com uma perna de pau de dois metros, o raio de visão médio pode chegar a 7,1km e o tempo de viagem pode ser reduzido para 860 anos. Com um zepelin voando a 500m de altura, raio de visão de 80km e velocidade de 14km/h, em pouco mais de 243 anos é possível ter visto o entediante mundo todo.
5 Haja mozzarela: http://noticias.r7.com/economia/noticias/sao-paulo-consome-mais-da-metade-das-pizzas-produzidas-no-brasil-20100710.html
6 Demographia. Excelente pdf: http://www.demographia.com/db-worldua.pdf (cuidado: pdf)
7 Três motivos foram escolhidos para tomar a Alemanha como parâmetro: experiência pessoal de um dos autores (que atualmente mora em Berlim), tamanho do país (por ser pequeno, mas não tanto, é mais fácil fazer as contas) e facilidade em encontrar dados disponíveis (o Brasil infelizmente não possui tantos dados disponíveis sobre suas cidades). E há um motivo extra: porque eu quero.
8 Lista de cidades na Alemanha: https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_cities_and_towns_in_Germany