Jantando com a Rainha
Não é novidade e nem segredo que eu sou um grande fã e entusiasta da realeza britânica. Dois anos atrás, eu publiquei um ensaio sobre a Rainha Elizabeth II (minha rainha viva favorita, depois da Ivete Sangalo), comentando dos poderes reais e outras curiosidades. Na ocasião, foi com um peso enorme no coração que eu cortei alguns parágrafos gigantescos que detalhavam as boas maneiras a serem seguidas caso um incauto leitor fosse convidado pra ir jantar qualquer noite dessas lá no Palácio de Buckingham.
Como por vezes acontece, revisitei algumas anotações antigas, e imaginei que informações de caráter tão útil e importante como essas não poderiam terminar no limbo da bagunça organizada de meu Google Drive, então resgatei esse arquivo e afundei minha fuça em tablóides ingleses e documentários obscuros de Youtube, destrinchando as regras de etiqueta, conduta e até os hábitos alimentares ridiculamente saudáveis seguidos pela Rainha. Não é surpresa que ela não seja lá muito adepta de hambúrgueres do Bob’s, catuaba e salgadinhos fofura de cebola, mas sua alimentação é bem mais restrita do que seria a minha, se fosse rei. E é ela que escolhe seu menu de refeições – não só o dela, mas o de qualquer convidado que venha a se sentar à mesa com a Rainha em algum de seus pomposos eventos.
E quem não quer dividir um PF com a Beth? Visitar o Palácio de Buckingham, comer feito um rei (literalmente) e depois sair contando vantagem pelo resto da vida. Este pequeno artigo visa ajudar o pobre leitor a atingir esse objetivo com maestria, pra ninguém fazer feio na frente daquele pessoal todo de sangue azul. É só ler essas dicas, treinar seu inglês, comprar sua passagem e aproveitar o rango real.
Entrando no Palácio
Talvez a parte mais difícil de jantar com a Rainha seja mesmo ser convidado para jantar com a Rainha. Não deve ser fácil dar match no Tinder e ela dificilmente vai ficar amiga de qualquer pessoa que esteja lendo este texto. Então, para quem deseja ir comer de graça no Palácio de Buckingham, sobram poucas opções:
1. Seja um chefe de estado: E mesmo assim, não é tão fácil ser convidado. A dica dentro da dica é virar presidente da França: 5 já foram jantar com a Rainha[1]https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_state_visits_received_by_Elizabeth_II. Depois vêm Alemanha, México, Itália e Arábia Saudita, com 4 convites cada. Três líderes brasileiros já foram: Ernesto Geisel, Fernando Henrique Cardoso e Lula. Geralmente há somente um ou dois jantares oficiais por ano. A única visita de 2019 foi de Donald Trump[2]Bush e Obama também já foram convidados..
2. Entrando na família: Enquanto o Príncipe Harry e sua esposa Meghan fazem ações para deixar a família real[3]os únicos membros da família real que não podem abdicar de suas tarefas monárquicas são, além da Rainha, os sucessores diretos ao trono Charles, William e George ainda há espaço para qualquer pessoa esforçada dar um jeito de se meter nessa baguncinha gostosa que é a monarquia inglesa. A árvore genealógica da família real britânica é um grande tumulto de títulos nobiliárquicos e sobrenomes pomposos[4]eu amo isso: https://www.geni.com/family-tree/index/6000000003075071669. Então pra dar uma limitada nas opções: pras meninas tem os irmãos Arthur (20 anos) e Samuel (23 anos), netos da princesa Margaret, que são novinhos e bonitinhos, vale a pena investir. Do lado mais distante, tem a família Windsor, restando solteiros alguns primos removidos da rainha por parte de pai[5]eu preciso fazer um texto completo sobre ancestralidade, mas chama-se “removido” um parente que não é da mesma geração. Edward, Marina e Amelia são primos de primeiro grau da rainha duas vezes removidos, o que significa que eles estão a duas gerações de distância (ou seja: o avô deles é primo de primeiro grau da rainha). Para quem realmente se interessar no assunto, o autor A.J. Jacobs escreveu um livro fascinante sobre o tema, chamado “It’s All Relative: Adventures Up and Down the World’s Family Tree“. Edward Windsor tem 31 anos e cara de quem frequenta os barzinhos do Itaim. Suas irmãs Lady Marina e Lady Amelia têm respectivamente 27 e 24 anos e são dois pitelzinhos, lindas que só – eu poderia recomendar vocês tentarem, mas não vou: eu também quero namorar elas e certamente vou fracassar na primeira concorrência que aparecer[6]A princesa Beatrice de York, neta da rainha, foi cortada da última versão deste texto porque recentemente ficou noiva de um magnata do setor imobiliário. Mas noiva não é casada, então até ela dizer sim, dá pra tentar trocar stickers de WhatsApp com ela, se você for do tipo cachorrão..
A dica mesmo fica em estudar essa árvore genealógica com atenção. Só de ser amigo da família já dá pra ser convidado. Ser dono de cavalos de corrida também aumentará consideravelmente suas chances.
3. Ações Beneficentes: Se você não faz questão de se sentar e passar um tempo discutindo o último episódio de The Crown com a Kate Middleton, você pode ser chamado para uma das Garden Parties promovidas pela família real[7]https://www.royal.uk/garden-parties. Para esses eventos são convidadas pessoas que tiveram um grande impacto positivo na comunidade, seja por trabalhos sociais prestados, grandes feitos esportivos ou gordas doações beneficentes. Vinte anos trabalhando no exército britânico também vão te render uma medalha que será entregue em um chá[8]em um “evento” chá; a medalha não vem dentro da xícara dentro do palácio – se você der sorte, pela própria rainha.
4. Sorteio: Essa só vale se você nasceu na Nova Zelândia (ou Austrália, na regra estendida), mas é basicamente isso: você se inscreve neste site aqui e torce. A Nova Zelândia é realmente um país formidável.
5. Pule o muro: Em 9 de julho de 1982, o irlandês Michael Fagan estava bêbado[9]mas é claro que estava. Ele é irlandês…. Então ele decidiu ir dar um oi pra rainha: escalou o muro do Palácio de Buckingham e entrou. O alarme tocou, mas a segurança achou que tinha sido um defeito e simplesmente o desligou de novo. Seguindo os instintos que só os bêbados e as crianças têm, ele foi pelos corredores até o quarto da Elizabeth, entrou e sentou na cama dela. O príncipe Philip não foi um problema: é notório que eles dormem em quartos separados.
Dizem os guias de free tour londrinos que Michael e a Rainha tiveram alguns minutos de conversa e ele até pediu um cigarro para ela; mas em uma entrevista recente ao Independent[10]esta daqui: https://www.independent.co.uk/news/people/profiles/michael-fagan-her-nightie-was-one-of-those-liberty-prints-down-to-her-knees-7179547.html Fagan conta que a Rainha levantou-se imediatamente e foi atrás de ajuda, que veio na forma de um funcionário prestativo que, percebendo que o bêbado não representava ameaça, conseguiu dissuadi-lo a deixar o recinto oferecendo-o mais bebida.
Michael Fagan nem foi preso pela invasão, mas provavelmente quem quiser tentar uma aventura dessas vai encontrar não só mais dificuldade, mas uma punição mais grave em caso de sucesso: desde 2007, invadir o Palácio de Buckingham é uma ofensa grave.
Indo pro fervo
Legal, a realeza caiu nessa e você vai de alguma forma filar rango na casa da velha. A vantagem é que a parte mais difícil já passou; mas o problema é que ainda tem um monte de coisa pra você memorizar e não passar vergonha. Eu tenho uma amiga que foi num jantar na casa do Fernando Henrique Cardoso e tomou um pito porque apoiou o copo em uma obra de arte que ela achava que era uma cômoda[11]oi, Van!.
Pra começar, você tem que se vestir como um lorde. Tal qual lá na empresa onde eu trabalho, pega mal ir de chinelo. Se você for só ao chá da tarde, dá pra pegar mais leve na formalidade, o que ainda significa que você provavelmente vai se vestir melhor do que jamais se vestiu na vida[12]Foi bem difícil achar referências de como se vestir na presença da rainha porque o Google achava que eu queria dicas de como me vestir no navio Queen Elizabeth, então eu prevejo que vou receber propagandas de cruzeiros por algumas semanas ainda.
Para os homens, as coisas são bem mais fáceis[13]Quem diria que a vida seria mais fácil para esse monte de afortunados portadores de um gene Y, não? Quem diria?: Um morning dress, com um coletinho, gravata pra dentro e uma cartola é perfeito, mas na pior das hipóteses, um terno mais escuro também é aceitável. Pêlos faciais já são permitidos, porém convém mantê-los aparados com um esmero digno de um participante do Queer Eye.
Para as mulheres, as regras são um pouco mais exigentes[14]Finalmente um evento no qual as regras de comportamento e vestimenta para as mulheres são mais complicadas e exigentes do que para os homens!: O ideal é que as unhas tenham no máximo esmaltes em tons naturais, evitar cores fortes também para os batons. Na roupa, nada de mini-saias e o vestido deve seguir uma tonalidade mais discreta, já que a rainha normalmente escolhe para si as cores mais chamativas e ia pegar bem mal você ir no rolê com a mesma roupa que ela. As luvas são opcionais[15]Graças à Princesa Diana, que odiava usá-las e devem ser encaradas como um item de higiene: usá-las sempre ao cumprimentar pessoas e dançar, mas tirá-las sempre que for comer, mesmo que seja um canapézinho. O jeito certo de tirar as luvas é puxar levemente cada dedo e depois puxar a luva como um todo ao invés de segurar com os dentes a ponta do dedo médio e puxar a mão pra baixo num movimento sexy, como eu sempre faço ao tirar luvas de frio. Um chapéu espalhafatoso sempre cai bem, mas é bom evitar uma tiara se você não for efetivamente uma princesa.
Se você for pra tomar o chá e ficar pra janta, uma troca de roupa é indispensável, então leve sua malinha.
Modos à mesa
Mesmo que você só seja convidado para o chá (que, sim, é servido às 17h, o nome “chá das 5” não é à toa), há ainda uma porção de boas maneiras a serem lembradas: os sanduíches são sempre comidos com a mão (eles também não se chamam “finger foods” por acaso), os scones devem ser cortados com faca, não com as mãos, e jamais serem colados de volta como se fosse um sanduíche. Há uma forma correta para segurar a xícara que varia dependendo se você estiver bebendo café ou chá, e para misturar o líquido, os movimentos com a colher devem ser para frente e para trás e sem tocar as bordas da xícara, nunca mexendo a colher em círculos loucamente, como crianças tomando Nescau em frente à TV.
E, se esse monte de regrinhas estúpidas já soa um pesadelo para tomar chá, o jantar pode tomar proporções inimagináveis. Não, sério, você não compreendeu ainda o sentido desse “inimaginável” aí. No caso de um banquete completo para chefes de estado, daqueles que podem receber até 170 convidados, os planejamentos podem levar literalmente meses e é por isso que nunca há mais de dois por ano. A mesa começa a ser posta cinco dias antes do jantar[16]https://www.royal.uk/setting-state-banquet-buckingham-palace. Isso sem contar as três semanas de trabalho só para polir a prataria. São (literalmente) milhares de talheres em uma única refeição, seis copos diferentes por pessoa (um para brindar com champagne, um para vinho tinto, um para vinho branco, um para água, um para tomar champagne com a sobremesa e um para virar um shot de vinho do porto depois de comer) e os guardanapos devem ser dobrados no mesmo estilo de origami, com o monograma da rainha à mostra no mesmo lugar em todos eles[17]olha isso, bicho, que raiva: https://www.youtube.com/watch?v=WiRKJHnOvBw.
Todos os preparativos são cuidadosamente inspecionados pela própria rainha, que acompanha o processo, desde a posição dos talheres e das cadeiras, que são milimetricamente medida (as cadeiras estarão a uma distância exata de 68 cm da mesa[18]68,58 centímetros ou 27 inches, por exemplo), até dando pitacos sobre onde cada pessoa vai se sentar.
Aliás, seu lugar já vai estar reservado. Na verdade, a realeza britânica possui uma equipe de especialistas entendidos do assunto para posicionar cada convidado no seu devido lugar. Durante um jantar, a família real só vai ter tempo para conversar com um punhado seleto de convidados, então eles precisam alocar todo mundo para que todos fiquem em sua panelinha de interesses comuns. Se você for fã de The Last Jedi, provavelmente não vão te colocar perto dos fãs de The Rise of Skywalkers, por exemplo.
Na hora do banquete, quando os convidados começarem a entrar na sala, eles sempre seguem a ordem do menos importante para o mais importante. Os convidados, aliás, nunca são treze: de acordo com a assessoria real britânica, a Rainha não é supersticiosa, mas ela quer evitar embaraços caso algum dos convidados o seja. É bem provável que você seja o primeiro a entrar, já que a entrada segue a ordem de ascensão ao trono – com os príncipes William e Charles por último. E sempre com a notável pontualidade britânica: a Rainha Mãe, quando era viva, era conhecida por sempre se atrasar para as refeições, então passaram a simplesmente mentir o horário para que ela chegasse 15 minutos mais cedo (ela não se atrasava tanto assim para os padrões brasileiros, pelo jeito).
Depois que você tomar seu lugar e se sentar (sempre depois da Rainha), é dobrar o guardanapo enquanto aguarda ser servido. Lembrando que até mesmo para dobrar os guardanapos é preciso de um bocado de esmero e asseio: eles devem ser dobrados no meio (quantas vezes for conveniente) e somente a parte interna ser usada para limpar discretamente seus lábios. Nada de assoar o nariz neles ou amarrar as pontas e fazer aqueles “chapéuzinhos portugueses” ridículos. É um jantar com a Rainha, não o casamento do seu padrinho[19]Desculpa, padrinho..
Mesmo depois de servido, não é conveniente roubar uma batatinha do prato sequer antes de atender uma das mais populares regras de etiqueta nesse tipo de evento: Você não começa a comer antes da Rainha. Assim que a Rainha terminar de comer, você também termina de comer. Acredito que esse seja, na verdade, o maior poder da realeza britânica: matar seus convidados de fome em frente a um prato de comida provavelmente deliciosa. Se eu fosse Rainha, eu ficaria meia hora ameaçando colocar o primeiro pedaço na boca e, depois da primeira garfada, simplesmente repousaria os talheres no prato e gritaria um “FINISHED!” alto o suficiente para desagradar a todo mundo.
Evidentemente, Elizabeth é muito mais careta (ou seria “educada” a palavra a se encaixar aqui?) do que eu e é também dito que ela sempre reserva o final do prato para dar tempo de seus convidados comerem também. Apesar de não ser isso o que Barbara Bush escreveu em suas memórias[20]“Barbara Bush: A Memoir”, página 428, que em sua experiência jantando com outros 63 convidados, ela ficou sentada ao lado do primeiro ministro James Callaghan, no que é conhecido como “starvation corner”, ou “o cantinho da fome”, que é o último lugar a ser servido. Quando percebeu que o Príncipe Philip já havia terminado de comer, Barbara alertou a Callaghan: “não largue seu talher, senão você não vai comer nada”. Callaghan, burro que só, largou o garfo para rir da afirmação e seu prato foi retirado sem que ele tivesse comido quase nada.
Da mesma forma, é quase um crime você se retirar da mesa antes da rainha. É de uma falta de educação equivalente a cagar na mão e atirar no papa. É preferível morrer do que sair da mesa antes do anfitrião – e foi exatamente o que aconteceu com uma das minhas figuras históricas favoritas: o astrônomo dinamarquês Tycho Brahe. Em 24 de outubro de 1601, em um jantar com o Rei da Dinamarca Christian IV, Brahe bebeu vinho demais, porém se recusou a se levantar da mesa antes do rei e sua bexiga simplesmente explodiu[21]…e isso nem é o mais curioso da vida de Tycho Brahe: ele foi sequestrado pelo tio, perdeu o nariz em um duelo, tinha um alce que vivia bêbado e todo seu trabalho de astronomia foi postumamente herdado por Kepler, que terminou a história com todos os méritos das pesquisas. É, eu estou escrevendo um livro sobre Tycho Brahe, pra quê esconder isso?.
Todos esses hábitos e tradições servem pra deixar claro quem é que manda na casa: É a Rainha e somente ela. Até mesmo dirigir a palavra à Rainha pode ser uma ofensa: a regra de bons modos diz que você não deve falar com a Rainha, mas é a Rainha que vem falar contigo – só se ela quiser, ao contrário dos Ubers que puxam assunto assim que você entra no carro. E isso vale pra qualquer coisa, desde perguntar se a Rainha gostou do último filme do Adam Sandler até pra pedir pra ela passar o sal – o que NUNCA ocorre, já que ela tem seu próprio saleiro, enquanto todos os outros convidados são forçados a dividir um entre quatro pessoas [22]https://www.telegraph.co.uk/news/uknews/queen-elizabeth-II/11757987/The-secrets-of-Buckingham-Palaces-Royal-receptions.html.
E, por fim, uma das regras mais legais de todo o rolê gastronômico real, que é: se uma pessoa acima de você na ordem de ascensão ao trono quiser trocar de prato com você, é obrigatório que você aceite. Se o Príncipe William achar que suas batatas fritas estão mais crocantes e sequinhas, e ele apontar para o seu prato e dizer “gostei mais das suas, me manda aí”, seria de uma falta de educação quase criminosa responder com “se vira aí, nego, não toca nas minhas fritas!”. Como se virar rei da Inglaterra no futuro já não fosse privilégio o suficiente.
É lógico que aquele monte de regrinhas que sua mãe sempre falou continuam valendo com a Rainha: mastiga de boca fechada, sem fazer barulho, não use as mãos para comer, não engole o bolo alimentar como se fosse uma vaca pastando, e não enche a boca tudo de uma vez. Não é porque tem um monte de regras novas que as antigas deixam de valer.
Menu
O maior erro que você pode cometer jantando no Palácio de Buckingham é levantar a mão acima da cabeça, estalar os dedos para chamar a atenção de um dos criados e gritar “Ô meu consagrado! Desce uma porção de pão de alho aqui pra mim e pra velhota!”. Primeiro porque o Palácio não é uma churrascaria; o jantar não funciona num sistema de rodízio, mas é uma coisa mais à la carte, planejada especialmente dependendo do convidado. O menu com os pratos da noite vai estar na mesa, sempre escrito em francês (uma tradição vitoriana). Mas esse seria um erro crasso também porque a Rainha DETESTA alho. Nada sendo servido levará o tempero. É dito que alho sequer entra no Palácio de Buckingham, como se aquela fosse a mansão de um vampiro.
Além do alho, dificilmente você vai comer macarrão ou molho de tomate entre os pratos servidos. A Rainha não é muito fã de pasta e jamais come algo tão pesado à noite – o cardápio real, na verdade, é extremamente saudável e balanceado, cheio de legumes e vegetais. As porções são pequenas; pela etiqueta, é melhor você se servir de um pouco mais de comida do que deixar coisa no prato (não vai ganhar sobremesa). Porém são quatro ou cinco refeições por dia, englobando café da manhã, almoço, chá das cinco e janta.
Quando fora de eventos, as refeições costumam ser bem ordinárias: o desjejum é feito de cereais, frutas e chá; o Príncipe Charles é mais fresco: mesmo em viagens internacionais, ele tem sempre à disposição seis tipos diferentes de mel. Já o jantar pode até mesmo ser servido em uma bandeja em frente à televisão[23]https://www.thesun.co.uk/fabulous/10006164/the-queen-eats-dinner-tray-tv-lady-colin-campbell/, como se a rainha fosse um pai de família americano que perdeu na vida.
As refeições incluem muitas frutas da época, principalmente manga, que é a fruta favorita de Elizabeth. E, se houver caça, o animal caçado também deve ser consumido. Porém, um outro item que quase nunca está presente no cardápio real são os frutos do mar. Mas não porque a realeza não goste, o motivo aqui é para evitar uma possível intoxicação alimentar. A monarquia é composta de pessoas supostamente muito ocupadas, com uma agenda cheia, que não têm tempo pra perder com frivolidades como ficar doente ou ter um piriri sentado no trono (trono metafórico dessa vez, assim espero). Por isso também que eles nunca tomam água da torneira – apenas engarrafada mineral -, consomem leite e iogurte provenientes da leitaria real – sim, a monarquia britânica possui sua própria royal dairy[24]https://www.royal.uk/bbc-countryfile-visits-royal-dairy-windsor-castle -, e quase todo o abastecimento é proveniente de fornecedores cadastrados como de confiança. A exceção vem novamente dela, a Princesa Diana, que costumeiramente levava William e Harry para comer McDonald’s num sábado à noite[25]https://www.dailymail.co.uk/news/article-7467249/Diana-watch-trash-TV-eat-McDonalds-William-Harry.html. Mais recentemente também isso começou a mudar por conta de um corte de custos: a monarquia acabou trocando o champagne mais consumido por um que é comprado diretamente do Tesco[26]Tesco é um grande mercado do Reino Unido, o equivalente britânico ao Sonda..
Esse cuidado todo com a procedência alimentar extinguiu o cargo de provadores de comida muitas décadas atrás. A família real é proibida até mesmo de consumir comida dada como presente por estranhos – apesar de que eles são obrigados a aceitar recebê-la, assim como flores, livros que não envolvam temas polêmicos e lembrancinhas de, no máximo, 150£. Com isso, praticamente toda a alimentação fica centralizada no Palácio, sob a vista exigente da Rainha – porém, quando ela entra na cozinha, os funcionários são obrigados a interromper tudo o que estão fazendo e não podem trabalhar enquanto ela estiver lá.
Por isso que ela deve até evitar essas vistorias, já que tudo tem que funcionar no tempo exato. Os jantares normalmente levam cerca de uma hora e 20 minutos. Eles terminam assim que a Rainha coloca sua bolsa em cima da mesa, seguido de tocadores de gaita de foles passando pela sala (tradição iniciada pela Rainha Vitória) e levando todo mundo para outra sala onde será servido café e petit fours.
Depois do jantar os pratos, talheres e copos podem levar mais de uma hora para serem recolhidos. E eles são preciosos demais pra meter na máquina de lavar. Então uma equipe de oito pessoas pode levar até três semanas para lavar, secar e polir à mão os 8000 itens do conjunto de prataria real[27]Eu ainda acho que não é possível… mas tá aqui: https://www.tripsavvy.com/windsor-castle-state-banquet-details-1662154 – sério? OITO PESSOAS POR TRÊS SEMANAS? Não é possível..
É o suficiente para eu nunca mais reclamar de lavar a louça da ceia de natal.
Notas
God Save the Queen
Agradecimentos
Achismos
Fontes
Fontes e referências
↑1 | https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_state_visits_received_by_Elizabeth_II |
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↑2 | Bush e Obama também já foram convidados. |
↑3 | os únicos membros da família real que não podem abdicar de suas tarefas monárquicas são, além da Rainha, os sucessores diretos ao trono Charles, William e George |
↑4 | eu amo isso: https://www.geni.com/family-tree/index/6000000003075071669 |
↑5 | eu preciso fazer um texto completo sobre ancestralidade, mas chama-se “removido” um parente que não é da mesma geração. Edward, Marina e Amelia são primos de primeiro grau da rainha duas vezes removidos, o que significa que eles estão a duas gerações de distância (ou seja: o avô deles é primo de primeiro grau da rainha). Para quem realmente se interessar no assunto, o autor A.J. Jacobs escreveu um livro fascinante sobre o tema, chamado “It’s All Relative: Adventures Up and Down the World’s Family Tree“ |
↑6 | A princesa Beatrice de York, neta da rainha, foi cortada da última versão deste texto porque recentemente ficou noiva de um magnata do setor imobiliário. Mas noiva não é casada, então até ela dizer sim, dá pra tentar trocar stickers de WhatsApp com ela, se você for do tipo cachorrão. |
↑7 | https://www.royal.uk/garden-parties |
↑8 | em um “evento” chá; a medalha não vem dentro da xícara |
↑9 | mas é claro que estava. Ele é irlandês… |
↑10 | esta daqui: https://www.independent.co.uk/news/people/profiles/michael-fagan-her-nightie-was-one-of-those-liberty-prints-down-to-her-knees-7179547.html |
↑11 | oi, Van! |
↑12 | Foi bem difícil achar referências de como se vestir na presença da rainha porque o Google achava que eu queria dicas de como me vestir no navio Queen Elizabeth, então eu prevejo que vou receber propagandas de cruzeiros por algumas semanas ainda |
↑13 | Quem diria que a vida seria mais fácil para esse monte de afortunados portadores de um gene Y, não? Quem diria? |
↑14 | Finalmente um evento no qual as regras de comportamento e vestimenta para as mulheres são mais complicadas e exigentes do que para os homens! |
↑15 | Graças à Princesa Diana, que odiava usá-las |
↑16 | https://www.royal.uk/setting-state-banquet-buckingham-palace |
↑17 | olha isso, bicho, que raiva: https://www.youtube.com/watch?v=WiRKJHnOvBw |
↑18 | 68,58 centímetros ou 27 inches |
↑19 | Desculpa, padrinho. |
↑20 | “Barbara Bush: A Memoir”, página 428 |
↑21 | …e isso nem é o mais curioso da vida de Tycho Brahe: ele foi sequestrado pelo tio, perdeu o nariz em um duelo, tinha um alce que vivia bêbado e todo seu trabalho de astronomia foi postumamente herdado por Kepler, que terminou a história com todos os méritos das pesquisas. É, eu estou escrevendo um livro sobre Tycho Brahe, pra quê esconder isso? |
↑22 | https://www.telegraph.co.uk/news/uknews/queen-elizabeth-II/11757987/The-secrets-of-Buckingham-Palaces-Royal-receptions.html |
↑23 | https://www.thesun.co.uk/fabulous/10006164/the-queen-eats-dinner-tray-tv-lady-colin-campbell/ |
↑24 | https://www.royal.uk/bbc-countryfile-visits-royal-dairy-windsor-castle |
↑25 | https://www.dailymail.co.uk/news/article-7467249/Diana-watch-trash-TV-eat-McDonalds-William-Harry.html |
↑26 | Tesco é um grande mercado do Reino Unido, o equivalente britânico ao Sonda. |
↑27 | Eu ainda acho que não é possível… mas tá aqui: https://www.tripsavvy.com/windsor-castle-state-banquet-details-1662154 – sério? OITO PESSOAS POR TRÊS SEMANAS? Não é possível. |