Velocidade Máxima Mínima
Uma recente decisão da prefeitura de São Paulo desencadeou uma discussão mais política do que científica. A diminuição da velocidade das marginais fez muitos defensores políticos do prefeito tranqüilão irem em busca de justificativas para comprovar a eficácia da medida, em uma atitude extremamente contra-científica, aonde se tem um resultado final e busca-se os experimentos para chegar até ele.
Alguns anos atrás, Doug McDonald, secretário de transporte da cidade de Washington, saiu em uma empreitada parecida, usando arroz e um funil para demonstrar que a diminuição de velocidade faz sentido, num experimento que foi bastante compartilhado. Nele, Doug usa um funil para representar a rodovia e um punhado de arroz como os carros.
Doug McDonald, porém, é formado em direito. É evidente para engenheiros e a turma de exatas que arroz só serve para comer, secar aparelhos eletrônicos e para os formandos em ciências sociais escreverem nomes em grãos nas praias. Doug não está diminuindo a velocidade da via – todos os grãos são movidos pela mesma força de aceleração – mas sim diminuindo o fluxo de entrada. Evidentemente, um fluxo controlado e constante apresenta melhores resultados em situação de gargalo, como qualquer pessoa que já tentou virar uma garrafa de cerveja pode concluir.
Diminuir a velocidade dos carros aumenta a densidade da via. Isso porque um carro a 90km/h precisa de 37m para frear a zero. Levando em conta o tempo de reação do motorista – um ser humano médio que não está acessando nudes no Snapchat – a distância média necessária para o carro da frente passa a ser, no mínimo, 62m. Caso a velocidade seja de 60km/h, essa distância diminui para 42m. Com menor distância entre os carros, maior a quantidade deles na via. Mais carros na via, porém, não significa necessariamente uma melhor fluidez.
Para tirar a prova, decidi construir meu próprio simulador de trânsito, com prostitutas e blackjack:
http://nrt.paulovelho.com.br/play/transito/
Cada pixel na tela representa 1,25m. De forma a facilitar o desenvolvimento, apenas três velocidades são calculadas: 30km/h, 60km/h e 90km/h. A distância entre os carros também foi calculada de acordo com a velocidade, sendo de 25m, 50m e 75m respectivamente
O primeiro teste foi feito em condições ideais de trânsito: todos os carros circulando na velocidade máxima permitida da via, respeitando as distâncias, cada um em sua respectiva faixa, com o respectivo amor da vida de cada motorista ocupando o banco do passageiro, em uma quinta-feira, véspera de feriado, saindo do trabalho. Com um fluxo de 80% e a 90km/h, passaram pela via 139 carros. A 60km/h, foram 142 carros. Repetindo o teste, os resultados foram muito parecidos. Primeira surpresa.
A explicação é a forma como o fluxo foi calculado: 100% seriam todos os carros na pista, respeitando a distância ideal entre eles, de acordo com a velocidade. Assim o mesmo fluxo representa uma quantidade maior de carros em menor velocidade. Mesmo com uma mesma quantidade de carros passando na via, cada carro, individualmente, demora mais para fazer o percurso com uma velocidade mais baixa (evidentemente). Apesar de aguentar uma densidade maior, a diminuição da velocidade máxima não representa um ganho global considerável, pelo menos em um mundo ideal.
Mas não vivemos em um mundo ideal: ganhamos menos do que gostaríamos, pesamos mais do que devíamos, nunca estaremos próximos o suficiente da Scarlett Johansson e há trânsito em nossas ruas. Misterioso e incompreensível trânsito por excesso de carros.
O primeiro ponto a ser considerado é: nem todo mundo anda na velocidade máxima da via. Um carro mais lento pode ser o suficiente para causar um gargalo na pista para um motorista impaciente que se esforça para andar o mais rápido possível. No simulador desenvolvido, isso foi facilmente implementado adicionando uma probabilidade do novo carro na pista ser mais lento, variando de acordo com a faixa que ele é adicionado: faixas mais à direita têm mais probabilidade de veículos lentos, tal qual devia ocorrer na vida real.
Mesmo se não houvessem esses veículos mais lentos, o trânsito por fluxo excessivo ainda pode ocorrer graças às chamadas “Shockwave Jams”, que seria um nome muito legal de uma banda de rock. Quando diversos motoristas tentam seguir uma determinada velocidade, mantendo uma determinada distância entre eles, fatalmente, em algum momento uma distração causará uma pequena desnecessária freada em algum deles. Pode ser um espirro, uma chamada no celular ou um pavão que pula em frente ao carro (aconteceu com meu professor de geografia). Essa pequena diminuição causa uma diminuição levemente maior no carro de trás que, por sua vez, propaga para os carros vindouros, espalhando a onda no sentido contrário da via até que, se houver fluxo constante o suficiente, ocasionará em uma parada completa. [1]Shockwave Jams: http://math.mit.edu/projects/traffic/
https://www.newscientist.com/article/dn13402-shockwave-traffic-jam-recreated-for-first-time/
O trânsito causa veículos mais lentos, mas veículos mais lentos não necessariamente causam menos trânsito. Os experimentos de criação de trânsito foram provados a meros 30km/h, seja por universidades japonesas, seja pelos Mythbusters. Em um estudo pela universidade de Stuttgart, na Alemanha [2]Experimental Features of Self-Organization in Traffic Flow: http://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.81.3797
, foi feita uma análise da quantidade de trânsito em uma rodovia. Os dados apontam que a faixa da esquerda foi a que apresentou a menor quantidade de trânsito – na Alemanha (e também aqui, teoricamente), as faixas mais à esquerda são destinadas aos carros mais rápidos.
O congestionamento é mais dependente do fluxo da via do que da velocidade dos carros; e vias com menor velocidade suportam uma maior quantidade de carros para o mesmo fluxo percentual, dando a idéia de que a diminuição é algo vantajoso. Porém, um alto fluxo resulta naturalmente em uma diminuição da velocidade, sem a necessidade de uma imposição de limites.
Se todos os 8 milhões de automóveis da cidade de São Paulo saíssem ao mesmo de casa e tentassem “entrar” nos 17 mil quilômetros de ruas da cidade (considerando uma média de quatro faixas de rolagem por rua), teríamos pouco mais de 117 automóveis por quilômetro de faixa de rolagem, o que impediria de termos uma velocidade média superior a 8km/h – comprovado pelos filmes de catástrofe e vésperas de carnaval, onde todo mundo tenta fugir da cidade ao mesmo tempo e acaba parado na estrada sem conseguir se mover. Mesmo se apenas 30% dos veículos de São Paulo saíssem na rua durante o horário de pico, a velocidade média não seria superior a 50km/h.
Antes de sair postando textão no facebook “toma essa petralhas”, há duas vantagens em uma diminuição de velocidade nas vias. A primeira – e um tanto óbvia – é a diminuição de acidentes. Obviamente, carros mais lentos respondem mais rápido e causam menos acidentes. [3]Departamento de planejamento da cidade de Helsink: http://www.trafikdage.dk/td/papers/papers04/Trafikdage-2004-339.pdf (cuidado: PDF) O maior ganho é na diminuição de atropelamentos, porém uma via como a marginal não deveria esperar o tráfego de pedestres, apesar de estar constantemente apinhada de vendedores de pipoca e trombadinhas bem-treinados.
A outra situação aonde a redução da velocidade máxima da pista influencia na diminuição do trânsito são em casos de gargalos.
Na tese defendida em 2005 pelo professor José Roberto de Godoy [4]Professor José Roberto de Godoy: https://uspdigital.usp.br/tycho/curriculoLattesMostrar?codpes=954679, usando teoria das filas e o software de simulação ARENA (muito melhor e mais acurado do que o meu, obviamente), foi comprovado que uma menor velocidade é capaz de gerar menos congestionamento [5]Controle de Congestionamento Veicular: http://www.ewh.ieee.org/reg/9/etrans/ieee/issues/vol04/vol4issue1March2006/04Castrucci.htm.
O motivo é simples: os carros demoram mais para chegar ao gargalo, causando uma diminuição no fluxo. Alto fluxo é o principal problema dos gargalos, como ficou evidente em outubro, na China, em um congestionamento causado por um gargalo em uma rodovia que diminuía suas 50 faixas (porra, China!) para apenas 20, deixando motoristas presos no trânsito por até 5 dias. [6]Congestionamentos na China:
http://www.dailymail.co.uk/news/peoplesdaily/article-3263440/Thousands-motorists-stranded-Beijing-motorway-incredible-50-lane-traffic-jam-week-long-national-holiday-wraps-up.html
http://gizmodo.com/heres-the-physics-behind-that-insane-chinese-traffic-ja-1735638335
Tomando por base um percurso comum na cidade de São Paulo: As marginais entre a ponte Nova do Morumbi e a ponte das Bandeiras, no sentido sul-norte/oeste-leste – trecho cuidadosamente escolhido simplesmente por ser o caminho que eu costumava percorrer quando saía do trabalho. Na via expressa, há 4 gargalos causados por redução de faixas. O trânsito nas marginais se beneficia com a redução de velocidade especialmente nesses pontos, uma vez que os carros demoram mais para chegar nos trechos problemáticos (e o fluxo é, conseqüentemente, menor).
Um outro motivo que a diminuição da velocidade causa menor trânsito é que ela torna as marginais uma opção menos atrativa para se transitar entre dois pontos. Se antes, valia a pena para o motorista perder um pouco de tempo para ir de uma região central às pistas expressas da marginal para poder andar numa velocidade maior – que compensaria o tempo gasto nesse percurso, agora essa via se torna menos atraente, uma vez que o ganho de velocidade nela é pouco vantajoso. Assim, pode ser que a diminuição da velocidade nas marginais cause realmente uma diminuição do congestionamento naquela via, porém pode acabar acarretando também em um aumento no trânsito de vias paralelas ou alternativas.
A solução talvez fosse uma velocidade máxima variável: uma velocidade menor em um horário comercial extendido e velocidade maior nos horários que a via estivesse menos cheia. Ou então, aproveitar que a marginal possui mais de uma via e separar o trânsito: quem for a favor da diminuição de velocidade, que use a via local.
Agradecimentos
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Mais informações
Fontes e referências
↑1 | Shockwave Jams: http://math.mit.edu/projects/traffic/ https://www.newscientist.com/article/dn13402-shockwave-traffic-jam-recreated-for-first-time/ |
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↑2 | Experimental Features of Self-Organization in Traffic Flow: http://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.81.3797 |
↑3 | Departamento de planejamento da cidade de Helsink: http://www.trafikdage.dk/td/papers/papers04/Trafikdage-2004-339.pdf (cuidado: PDF) |
↑4 | Professor José Roberto de Godoy: https://uspdigital.usp.br/tycho/curriculoLattesMostrar?codpes=954679 |
↑5 | Controle de Congestionamento Veicular: http://www.ewh.ieee.org/reg/9/etrans/ieee/issues/vol04/vol4issue1March2006/04Castrucci.htm |
↑6 | Congestionamentos na China: http://www.dailymail.co.uk/news/peoplesdaily/article-3263440/Thousands-motorists-stranded-Beijing-motorway-incredible-50-lane-traffic-jam-week-long-national-holiday-wraps-up.html http://gizmodo.com/heres-the-physics-behind-that-insane-chinese-traffic-ja-1735638335 |