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Galeões, Reais e Libras

O primeiro livro de Harry Potter foi lançado em 1997. O último em 2007. Nesse período de dez anos, que é o mesmo tempo que George R. R. Martin leva pra escrever dois capítulos do seu novo livro (ou que eu levo pra escrever dois nRTs, mas eu não ganho pra isso), a autora britânica J. K. Rowling criou um mundo fantástico, cheio de lugares mágicos escondidos, uma história canônica bem estabelecida, raças e criaturas diferentes e até um sistema monetário próprio baseado em moedas de ouro, prata e bronze.

Envolta em polêmicas e acusada de fazer comentários transfóbicos, a autora segue mudando o Universo canônico por ela criado para viabilizar a produção de filmes bostas. Não que ela precisasse: além do patrimônio de um bilhão de dólares (sem contar a marca Harry Potter estimada em 15 bilhões), em 2018 estima-se que seu lucro tenha sido de 54 milhões[1]https://www.businessinsider.com/jk-rowling-harry-potter-net-worth-author-millions-fortune-lifestyle-2019-4, com certeza uma grande porcentagem disso proveniente da venda de varetas de madeira a preço de iphone nos parques da Universal Studios. 

Mas não são as finanças pessoais da autora a coisa mais fantástica aqui exploradas, mas sim o sistema econômico por ela criado. Não parece que J. K. Rowling tenha pensado muito no assunto, como é possível perceber pelo bizarro sistema de conversões internas que regem o sistema financeiro inteiro:

“The gold ones are Galleons,” [Hagrid] explained. “Seventeen silver Sickles to a Galleon and twenty-nine Knuts to a Sickle, it’s easy enough[2]Harry Potter e a Pedra Filosofal, Capítulo 5.

A princípio parece bem simples: uma moeda de bronze é um nuque.
29 nuques são equivalentes a um sicle.
17 sicles são equivalentes a um galeão.
Logo, 493 nuques são equivalentes a um galeão[3]eu até que gostei dos nomes traduzidos das moedas. Obrigado à Marina Temple por abandonar o filho pequeno num canto pra poder confirmar para mim a tradução na coleção dela..

O fato de haver três degraus de conversão também não ajuda quem quiser pagar a passagem do ônibus com um galeão e está  esperando o troco. O cobrador já deve ter decorado a tabela (com valores aproximados):

1 Nuque1 Sicle1 Galeão
29 nuques493 knuts
0.035 sicle17 sicles
0.002 galeões0.06 galeões

Por deus, que sistema estúpido. Um sistema assim só pode ter sido desenvolvido por um bando de pessoas que ensinam Herbologia em detrimento da Matemática. Ou pelos ingleses, já que o sistema imperial deles não é muito mais inteligente do que isso[4]no qual 1 foot são 12 inches; 1 yard são 3 feet; e 1 mile são 1760 yards. Sério, qual o problema dessa galera em usar o sistema métrico?.

Outro ponto incrivelmente estúpido que merece destaque é que a escala de evolução de grandeza é baseada em números primos. Eu imagino que seja uma piada, numa espécie de humor inglês da matemática: qualquer decimal vai sempre gerar resto; e cobrar 3 galeões por duas jujubas gera valores quebrados em três tipos de moeda.

E se a gente imprimisse mais dinheiro?

Ter medidas de conversão estúpidas não limita a existência da moeda, obviamente. O dinheiro surgiu como referência para alguma coisa, não necessariamente como um valor exato. A libra esterlina, ainda usada no Reino Unido, por exemplo, é também uma medida de peso. Uma libra (ou um pound) pode ser arredondado para meio quilo e “esterlina” é um adjetivo para o grau de pureza da prata. Uma libra esterlina então seria meio quilo de prata boa. Coincidentemente esse era o valor de multa aplicado a um cidadão de Eshunna, um reino da Mesopotâmia de 4 mil anos atrás, que fosse condenado por ter mordido o nariz de outra pessoa (claro que é de outra pessoa, ele dificilmente conseguiria morder o próprio nariz). Podia se dizer então que a prata era o lastro da libra, o material ao qual o dinheiro tirava o seu valor. Assim, uma economia rica possuía um estoque de prata maior e tudo era mais simples[5]informações tiradas do livro Crash – uma breve história da economia, de Alexandre Versignassi.

Um lastro precisava ter duas características: Ser uma coisa que todo mundo queira e não ser muito abundante (senão não valeria nada). Já foram usados como lastros de moeda ouro, prata e sal (daí que vem o nome salário, inclusive).

Para a concepção do texto e das teorias aqui apresentadas, algumas suposições devem ser assumidas: o dinheiro não é feito do metal puro e a moeda não possui lastro. Adotar conceitos tão essenciais logo no início das teorias não é recomendável, afinal todo o resto há de ser embasado nesses fundamentos; porém após reler os sete livros e grifar todas as menções financeiras que encontrei[6]eu me dedico muito às coisas erradas, não foi possível chegar a conclusões assertivas – e a J.K. Rowling não responde meus tweets; a rede social dela parece estar bem movimentada ultimamente com outras polêmicas.

A refutação à idéia de que a moeda do mundo de Harry Potter seria produzida de metais preciosos vêm de conclusões tomadas baseando-se apenas na explicação de Hagrid acima colocada. Há pouco detalhamento do dinheiro usado[7]uma das descrições mais marcantes é no livro “…e a Ordem da Fênix”, onde é dito que Hannah Abbott’s eyes were as round as Galleons, mas se referir às moedas como “gold ones” não necessariamente indica que elas sejam feitas de ouro. “Gold e golden são usados intercambiavelmente”, diz a professora de inglês Renata Ungaretti. “As moedas de ouro de antigamente não eram todas de ouro, mas continham o metal. Então, quando se fala de dinheiro, gold pode ser tanto ‘feito de ouro’ quanto ‘banhado’, ‘com um tanto de’ ou algo assim.”[8]Valeu, Rê!. Na prática, gold é um substantivo e golden um adjetivo, mas quando se fala do dinheiro, ambas as formas são aceitas.

Isso elimina o plano genial criado por Harry Potter-Evans-Verres no spin-off-universo-alternativo Harry Potter and the methods of rationality. No livro, Petúnia, tia de Harry, se casou com um professor de Oxford. Assim, ao invés de ser criado por tios abusivos, Harry tem uma criação exemplar, com conceitos de ciência e raciocínio lógico sendo aplicados desde sua infância[9]sério, é muito bom: http://www.hpmor.com/. No quarto capítulo, ao descobrir a existência das moedas de metal precioso e saber de seu sistema de conversão, Harry Potter-Evans-Verres conclui que, toda vez que a relação entre ouro e prata atingir determinado valor, seria possível derreter suas moedas do mundo mágico, fazer a troca e converter o metal de volta nas forjas de Gringotts, gerando assim dinheiro de graça.

Quanto ao lastro, se pensarmos em um elemento normalmente usado para a função como o ouro, ele não faria sentido dentro do mundo de Harry Potter por conta da existência da Pedra Filosofal, que permitiria transformar qualquer metal em ouro. Com a abundância do metal, viria a hiperinflação e a derrocada da economia.

Em “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, uma nave cai em um planeta primitivo e a tripulação decide usar as folhas de árvores como moeda para a comercialização dos amendoins da nave. Com todo mundo imediatamente rico, o valor de um único amendoinzinho passou a ser praticamente uma floresta inteira. Essa história, que eu li nos meus 12 anos, explicou da forma mais didática possível o conceito de inflação: para voltar a recuperar o valor da moeda, os novos habitantes decidem queimar todas as florestas do planeta.

Essa hiperinflação voltou a ocorrer algumas vezes na história: governos imprimem mais dinheiro do que sua economia permite e a confiança naquela moeda se perde. Se uma nota não vale mais o meio quilo de prata boa que promete, ela perde valor. Quanto mais moeda em circulação, menos ela vale e mais notas são necessárias para comprar o mesmo produto.

Hoje em dia dificilmente alguma moeda possuí lastro. O Plano Real foi criado com a idéia de ter o dólar como lastro (lembra da época que um real era igual a um dólar?), mas em alguma curva de algum corredor do Ministério da Fazenda essa idéia foi abandonada. As moedas hoje seguem como “lastro” (ênfase nas aspas) a confiança de que o governo que as emite não vai quebrar. Soa aterrorizante concluir que a base de todo o capitalismo é “confiança”, parece aquelas histórias da Disney que o segredo para a vitória era só “amor”.

E eu não vou nem me atrever a citar o bitcoin, cuja base é o blockchain, porque honestamente essa é uma moeda mais mágica que qualquer galeão já pensou em ser.

Escape from Gringotts

Dentro do mundo mágico de Harry Potter, pelo menos, não parece haver um ministério da economia. O Ministério da Magia parece ocupado demais em definir regulamentos para a espessura do fundo de caldeirões para se preocupar com detalhes tão insignificantes quanto o funcionamento econômico de bruxos. Assim, todo o controle financeiro é feito pelos goblins de Gringotts, o único banco do mundo mágico. A cunhagem de moedas e controle de dinheiro em circulação aparenta ficar toda na mão dos goblins, uma raça desconfiada de todo mundo (eu também seria se tivesse o trabalho deles) e que claramente herdam as funções gerenciais entre si, em um esquema obviamente nepotista.

Para um grupo tão intrinsecamente relacionado com finanças, a forma como eles lidam com o dinheiro soa arcaica. O Banco Central mágico, representado pela imponência de Gringotts, funciona basicamente como uma série de cofres subterrâneos ligados por trilhos. Não à toa que foi criada uma montanha russa com essa premissa – ler o livro já passa essa idéia. Os cofres pertencem aos clientes que armazenam eles mesmos o dinheiro lá. É plausível presumir que parte do lucro de Gringotts venha do aluguel dos cofres, já que o banco não aparenta ter acesso às economias de seus clientes.

Isso é uma diferença crucial no formato das instituições financeiras dos trouxas e dos bruxos: nossos bancos usam e abusam do pobre dinheirinho suado de seus clientes. O dinheiro que você manda pro Itaú, por exemplo, é usado para o banco fazer empréstimos e/ou investimentos internos, que resultam em um rendimento. Uma mísera porcentagem desse rendimento é depositada na conta dos clientes que tiveram seu dinheiro usado nessas transações, como um incentivo a manter a conta bem abastecida na instituição (não é nenhum peso moral, banco não tem dessas coisas).

Gringotts não se permite fazer tais investimentos com dinheiro alheio. É também correto assumir que o dinheiro dos clientes não rende. Por conta da inflação, então, com o decorrer dos anos, todo mundo acaba perdendo dinheiro nessa brincadeira. É de se esperar que a inflação também ocorra no mundo mágico, como em toda economia em crescimento – e não há razões para duvidar que existe crescimento econômico também: a própria história apresenta um exemplo empreendedor dos irmãos Fred e George que no decorrer dos livros inauguram uma franquia de sucesso.

Harry Potter, aliás, se apresenta como o melhor economista dos livros ao preferir investir o seu dinheiro no negócio dos amigos do que deixá-lo parado nos cofres de Gringotts. Não que o fator econômico seja amplamente explorado: raramente personagens estão manuseando dinheiro, apesar da preocupação financeira existir. Dinheiro é um problema e tê-lo ou não tê-lo faz parte das características de diversos personagens: a família Weasley é notoriamente pobre enquanto Potter e os Malfoy são evidentemente ricos – e a dinâmica entre as riquezas dos personagens é amplamente explorada em pontos cruciais no decorrer dos livros. Mas ele sempre aparece em sua forma física e não parece existir “dinheiro virtual” – somente as fatídicas moedas estão circulando, entrando e saindo de bolsinhas de dinheiro.

A importância econômica, aliada à anarquia de controle governamental sobre o dinheiro criam um cenário quase apocalíptico: sem fontes oficiais para empréstimos (já que Gringotts dificilmente conseguiria suprir capital necessário para a atividade), fatalmente o mundo estaria repleto de agiotas (ou, no caso dos magos, Magiotas[10]dsclp). Certamente também não é cobrado imposto de renda, afinal, o controle sobre a riqueza de cada cidadão é nulo. O crime organizado encontra aí um ambiente próspero para crescer – e não há motivos para acreditar que ele não exista no mundo mágico, uma vez que há bruxos maus e diversas infrações como falsificações e roubos (até mesmo a Hermione falsifica dinheiro em determinada altura da história). Deve haver muito trabalho para um “auror” rastrear operações ilícitas ou de um funcionário conseguir reembolso de suas despesas, dada a ausência de cartões corporativos e notas fiscais.

A lavagem de dinheiro também deveria rolar solta naqueles pubs de Hogsmeade, se não fosse um pequeno detalhe: com a ausência de controle econômico governamental, não existem motivos para se lavar dinheiro no mundo mágico. É um problema a menos para se preocupar.

Mas também é difícil acreditar que um sistema tão rico e bagunçado não tenha interferências nas economias externas. O mundo mágico é camuflado e reservado, de acordo com a história, para a proteção dos próprios bruxos; mas também é plausível que ele assim o seja para a proteção dos trouxas, que veriam a derrocada de suas economias com a inclusão de uma bagunça tão grande no já complicadíssimo sistema financeiro em que vivemos.

Uma relação entre os dois mundos é inevitável: no segundo livro da série (“…e a Câmara Secreta”), os pais de Hermione, trouxas que são, vão ao beco diagonal para trocar libras por galeões, deixando claro que existe um sistema de conversão.

E, se existe um sistema conversão, então dá pra criar uma calculadora para isso.

Salvo pela cerveja

O valor de uma moeda é flutuante e definido basicamente no esquema oferta-demanda: Se há muita confiança na economia de um país, é natural que investidores queiram fazer negócios nele, usando assim a moeda local. Aumenta a procura, aumenta o preço. A economia depende da produção e vice-versa.

Como calcular então o valor de uma moeda fictícia, quando é impossível definir essa relação de oferta-demanda?

Uma das formas é pegar um item em comum e analisar o preço desse item em ambas as economias. É o princípio da Purchasing Power Party (PPP), uma teoria séria da economia. É nele que se baseia o Big Mac Index[11]último relatório aqui: https://www.economist.com/news/2020/07/15/the-big-mac-index, criado pela revista The Economist em 1986, que compara o preço do Big Mac em diversos países como uma forma de analisar suas economias. Basta então escolher um item que saibamos o preço nos livros e na moeda corrente e usar essa teoria para criar uma fórmula de conversão.

A boa notícia é que em diversos momentos do livro, os preços de produtos são anunciados. A má notícia é que nunca é o quilo do arroz. A gente sabe, por exemplo, o valor de um fígado de dragão (16 sickles per ounce, o que dá 33 galeões, 2 sicles e 25 nuques por quilo, na primeira matemática sem sentido que você vai encontrar neste texto, PF[12]pra não ficar me repetindo toda hora, vou abreviar o títulos dos livros: PF = Pedra Filosofal, CS = Câmara Secreta, PA = Prisioneiro de Azkaban, CF = Cálice de Fogo, OF = Ordem da Fênix, EP = Enigma do Príncipe, RM = Relíquias da Morte, BS = Bíblia Sagrada, KS = Kama Sutra e SdA = Sociedade do Anel), um chifre de unicórnio (21 galeões, PF), uma multa por andar por aí em um carro voador (50 galeões, CS), uma armadura feita por goblins (500 galeões, EP) ou um medalhão amaldiçoado (1500 galeões, EP). Porém nada disso nos ajuda nos cálculos, já que não é em qualquer esquina que se encontra um chifre de unicórnio e a gente ainda vai ter que esperar algumas décadas para descobrir o valor das multas para carros voadores.

Mas, dentre os itens apresentados na saga, há um que ultrapassa as margens das páginas. Sabemos, graças ao livro “…e a Ordem da Fênix” que Harry Potter pagou 6 sicles por 3 Butterbeer™[13]ele comprou 3 cervejas para distribuir pros amigos, fica a dica no Hog’s Head™, que é exatamente o mesmo pub existente no parque da Universal Studios™. O produto é o mesmo e o lugar é o mesmo; para a conversão ser feita de acordo com o princípio da PPP, só falta mesmo acertar o detalhe da data: os livros de Harry Potter se passam entre os anos de 1991 a 1998[14]com exceção do primeiro e último capítulos, eu sei…, assim “…a Ordem da Fênix” se passa durante o ano de 1995.

A data é importante porque, qualquer cidadão que já pagou R$1 num pacote de Trakinas de 200g cheio de deliciosa gordura trans sabe que os produtos tendem a ficar mais caros com o tempo. Em 1995, um Big Mac custava R$2,75. Não é só a inflação que dita o aumento dos preços dos produtos, mas é também o índice de poder de compra (CPI[15]consumer price index).

Quem quiser tomar uma Butterbeer™ hoje vai pagar US$7,99. Esse valor é um absurdo. No dia 18 de junho de 2010, na época de abertura de Hogsmead™, na Universal Studios™, uma Butterbeer™ custava US$2,99. Se o preço tivesse seguido de acordo com o índice de poder de compra norte-americano, uma Butterbeer™ não deveria custar mais do que 4 dólares [16]https://www.bls.gov/data/inflation_calculator.htm. Esse aumento abusivo impede que façamos as contas retroativas para descobrir o preço do produto há 25 anos atrás.

O rídiculo aumento deve ser então explicado pela lei da oferta e da procura: como tem um monte de trouxa querendo tomar sorvete derretido de baunilha a preço de lagosta, é natural que o capitalismo prevaleça e o parque suba o preço para testar o limite de gastos dos cidadãos e dos engenheiros civis. Mas, para chegar aos valores passados e obter a fórmula de conversão da moeda, o mais sábio a fazer talvez seja ignorar a interferência da indústria de entretenimento americana e considerar o valor da Butterbeer™ antes de virar artigo de luxo, assumindo o preço que ela tinha durante a abertura de Hogsmead™. Temos então em junho de 2010 o valor de $2,99 dólares. Isso seria o equivalente a £2,02, de acordo com as cotações dólar-libra do mesmo dia[17]https://www.poundsterlinglive.com/bank-of-england-spot/historical-spot-exchange-rates/gbp/USD-to-GBP-2010. Usando uma calculadora marota para descobrir o poder de compra de duas libras em 1995[18]https://www.officialdata.org/uk/inflation/2010?endYear=1995&amount=2.02, chegamos ao valor de £1,35 por cada Butterbeer™ comprada pelo bruxo[19]não o Ronaldinho Gaúcho™, o outro bruxo. Sendo assim, em 1995 um sicle equivalia a £0,675.

A calculadora mais simples possível seria essa:

[Link se o frame cair]

O conhecido monstro da inflação

Em 1995, a cotação libra-real era bem mais amigável: R$1,47 equivaliam a £1[20][22]https://www.wizardingworld.com/writing-by-jk-rowling/rappaports-law-en, considerado o blog canônico, ela cita o dragot como a moeda usada pelos bruxos nos Estados Unidos[23](“the Dragot is the American wizarding currency and the Keeper of Dragots, as the title implies, is roughly equivalent to the Secretary of the Treasury”). Provavelmente cada economia segue uma própria ordem monetária de acordo com o país que está contida – e a cotação de dragots para galeões deve seguir a mesma proporção da conversão de dólares para libras – a qual eu não vou calcular aqui porque vai envelhecer muito rápido e porque tem cálculos mais interessantes a serem examinados.

Nos cálculos adotados, a inflação existe, mas a taxa de conversão entre as moedas se mantém. Um galeão vai ser o equivalente a £11.34 tanto em 1995 quanto em 2020. A diferença é que quando o cálculo é feito no passado, atualizamos os valores para o ano corrente seguindo a função:

var currentYear = 2020;
function inflationCalculator (val, year) {
	let inflation = 5; // 5%
	let newValue = val + (val * inflation / 100);
	if( year == currentYear ) return newValue;
	return inflationCalculator(newValue, year+1);
}

O valor anual de inflação nesta fórmula está fixo em 5 porcento. Evidentemente que no código final eu optei por ser desnecessariamente acurado e uso uma tabela com os valores anuais de inflação para ajustar a subida de preço. Pela primeira vez eu também agradeço ao Reino Unido por não ter adotado o euro. A moeda surgiu em 1999 e deus me livre fazer esse monte de conta colocando aí no meio uma troca de moeda.

Se a Universal elevasse o preço da Butterbeer™ de acordo com a inflação britânica, ela deveria custar hoje cerca de US$ 3,50. Isso é o equivalente a aproximadamente 4 sicles. Também vai de encontro com nossa predição em alguns parágrafos acima. Entre 1995 e 2020 portanto, não é difícil acreditar que uma Butterbeer™ tenha dobrado de preço. E esse é o grande problema de deixar o dinheiro guardado em um cofre nos calabouços de um banco, sem que ele esteja rendendo: ao retirá-lo de lá, o poder de compra dele é muito menor. Os bruxos perdem dinheiro sem fazer nada.

Em 1994, no livro “…o Cálice de Fogo”, Harry Potter ganha um prêmio de 1000 galeões em um torneio. Na época isso era o equivalente a £11.399,00. Corrigindo o valor pela inflação, seria o equivalente hoje a £23.430,88. Na época, Harry Potter foi ousado e astuto e investiu o dinheiro todo no negócio dos irmãos Fred e George Weasley, que estavam abrindo uma loja de traquinagens. Pelas visitas feitas ao parque da Universal, o negócio foi um sucesso e certamente o investimento feito já rendeu mais do que isso. Se, ao invés da aplicação, Potter tivesse guardado o dinheiro em seu cofre de Gringots, ele ainda teria apenas os £11.399,00. Harry, além de tudo, é o melhor economista do Mundo Mágico.

A calculadora

A versão final da calculadora (disponível aqui) usa os anos dos livros para corrigir os valores de acordo com a inflação. Também aproveitei para facilitar a vida dos leitores e incluí os preços de uma cacetada de produtos que são citados no livro.

[Link se o frame cair]

Foi possível descobrir que o ônibus que Harry pegou no “…o Prisioneiro de Azkaban” custou na época cerca de £7,50 e uma varinha mágica custou na época quase £80. Por isso Rony insistiu tanto em usar a sua quebrada, esse negócio é caro.

E, a conclusão final é que eu certamente pagaria cerca de 300 reais em um chapéu sumidor de cabeça. Imagina o sucesso que eu não faria com as menininhas com um desses?

Fontes e referências

Fontes e referências
1 https://www.businessinsider.com/jk-rowling-harry-potter-net-worth-author-millions-fortune-lifestyle-2019-4
2 Harry Potter e a Pedra Filosofal, Capítulo 5
3 eu até que gostei dos nomes traduzidos das moedas. Obrigado à Marina Temple por abandonar o filho pequeno num canto pra poder confirmar para mim a tradução na coleção dela.
4 no qual 1 foot são 12 inches; 1 yard são 3 feet; e 1 mile são 1760 yards. Sério, qual o problema dessa galera em usar o sistema métrico?
5 informações tiradas do livro Crash – uma breve história da economia, de Alexandre Versignassi
6 eu me dedico muito às coisas erradas
7 uma das descrições mais marcantes é no livro “…e a Ordem da Fênix”, onde é dito que Hannah Abbott’s eyes were as round as Galleons
8 Valeu, Rê!
9 sério, é muito bom: http://www.hpmor.com/
10 dsclp
11 último relatório aqui: https://www.economist.com/news/2020/07/15/the-big-mac-index
12 pra não ficar me repetindo toda hora, vou abreviar o títulos dos livros: PF = Pedra Filosofal, CS = Câmara Secreta, PA = Prisioneiro de Azkaban, CF = Cálice de Fogo, OF = Ordem da Fênix, EP = Enigma do Príncipe, RM = Relíquias da Morte, BS = Bíblia Sagrada, KS = Kama Sutra e SdA = Sociedade do Anel
13 ele comprou 3 cervejas para distribuir pros amigos, fica a dica
14 com exceção do primeiro e último capítulos, eu sei…
15 consumer price index
16 https://www.bls.gov/data/inflation_calculator.htm
17 https://www.poundsterlinglive.com/bank-of-england-spot/historical-spot-exchange-rates/gbp/USD-to-GBP-2010
18 https://www.officialdata.org/uk/inflation/2010?endYear=1995&amount=2.02
19 não o Ronaldinho Gaúcho™, o outro bruxo
20 21 os bruxos são afetados pelo Brexit? Veremos no próximo nRT…
22 https://www.wizardingworld.com/writing-by-jk-rowling/rappaports-law-en
23 (“the Dragot is the American wizarding currency and the Keeper of Dragots, as the title implies, is roughly equivalent to the Secretary of the Treasury”)
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Jantando com a Rainha

Não é novidade e nem segredo que eu sou um grande fã e entusiasta da realeza britânica. Dois anos atrás, eu publiquei um ensaio sobre a Rainha Elizabeth II (minha rainha viva favorita, depois da Ivete Sangalo), comentando dos poderes reais e outras curiosidades. Na ocasião, foi com um peso enorme no coração que eu cortei alguns parágrafos gigantescos que detalhavam as boas maneiras a serem seguidas caso um incauto leitor fosse convidado pra ir jantar qualquer noite dessas lá no Palácio de Buckingham.

Como por vezes acontece, revisitei algumas anotações antigas, e imaginei que informações de caráter tão útil e importante como essas não poderiam terminar no limbo da bagunça organizada de meu Google Drive, então resgatei esse arquivo e afundei minha fuça em tablóides ingleses e documentários obscuros de Youtube, destrinchando as regras de etiqueta, conduta e até os hábitos alimentares ridiculamente saudáveis seguidos pela Rainha. Não é surpresa que ela não seja lá muito adepta de hambúrgueres do Bob’s, catuaba e salgadinhos fofura de cebola, mas sua alimentação é bem mais restrita do que seria a minha, se fosse rei. E é ela que escolhe seu menu de refeições – não só o dela, mas o de qualquer convidado que venha a se sentar à mesa com a Rainha em algum de seus pomposos eventos.

E quem não quer dividir um PF com a Beth? Visitar o Palácio de Buckingham, comer feito um rei (literalmente) e depois sair contando vantagem pelo resto da vida. Este pequeno artigo visa ajudar o pobre leitor a atingir esse objetivo com maestria, pra ninguém fazer feio na frente daquele pessoal todo de sangue azul. É só ler essas dicas, treinar seu inglês, comprar sua passagem e aproveitar o rango real.

Entrando no Palácio

Talvez a parte mais difícil de jantar com a Rainha seja mesmo ser convidado para jantar com a Rainha. Não deve ser fácil dar match no Tinder e ela dificilmente vai ficar amiga de qualquer pessoa que esteja lendo este texto. Então, para quem deseja ir comer de graça no Palácio de Buckingham, sobram poucas opções:

1. Seja um chefe de estado: E mesmo assim, não é tão fácil ser convidado. A dica dentro da dica é virar presidente da França: 5 já foram jantar com a Rainha[1]https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_state_visits_received_by_Elizabeth_II. Depois vêm Alemanha, México, Itália e Arábia Saudita, com 4 convites cada. Três líderes brasileiros já foram: Ernesto Geisel, Fernando Henrique Cardoso e Lula. Geralmente há somente um ou dois jantares oficiais por ano. A única visita de 2019 foi de Donald Trump[2]Bush e Obama também já foram convidados..

2. Entrando na família: Enquanto o Príncipe Harry e sua esposa Meghan fazem ações para deixar a família real[3]os únicos membros da família real que não podem abdicar de suas tarefas monárquicas são, além da Rainha, os sucessores diretos ao trono Charles, William e George ainda há espaço para qualquer pessoa esforçada dar um jeito de se meter nessa baguncinha gostosa que é a monarquia inglesa. A árvore genealógica da família real britânica é um grande tumulto de títulos nobiliárquicos e sobrenomes pomposos[4]eu amo isso: https://www.geni.com/family-tree/index/6000000003075071669. Então pra dar uma limitada nas opções: pras meninas tem os irmãos Arthur (20 anos) e Samuel (23 anos), netos da princesa Margaret, que são novinhos e bonitinhos, vale a pena investir. Do lado mais distante, tem a família Windsor, restando solteiros alguns primos removidos da rainha por parte de pai[5]eu preciso fazer um texto completo sobre ancestralidade, mas chama-se “removido” um parente que não é da mesma geração. Edward, Marina e Amelia são primos de primeiro grau da rainha duas vezes removidos, o que significa que eles estão a duas gerações de distância (ou seja: o avô deles é primo de primeiro grau da rainha). Para quem realmente se interessar no assunto, o autor A.J. Jacobs escreveu um livro fascinante sobre o tema, chamado “It’s All Relative: Adventures Up and Down the World’s Family Tree. Edward Windsor tem 31 anos e cara de quem frequenta os barzinhos do Itaim. Suas irmãs Lady Marina e Lady Amelia têm respectivamente 27 e 24 anos e são dois pitelzinhos, lindas que só – eu poderia recomendar vocês tentarem, mas não vou: eu também quero namorar elas e certamente vou fracassar na primeira concorrência que aparecer[6]A princesa Beatrice de York, neta da rainha, foi cortada da última versão deste texto porque recentemente ficou noiva de um magnata do setor imobiliário. Mas noiva não é casada, então até ela dizer sim, dá pra tentar trocar stickers de WhatsApp com ela, se você for do tipo cachorrão..

A dica mesmo fica em estudar essa árvore genealógica com atenção. Só de ser amigo da família já dá pra ser convidado. Ser dono de cavalos de corrida também aumentará consideravelmente suas chances.

3. Ações Beneficentes: Se você não faz questão de se sentar e passar um tempo discutindo o último episódio de The Crown com a Kate Middleton, você pode ser chamado para uma das Garden Parties promovidas pela família real[7]https://www.royal.uk/garden-parties. Para esses eventos são convidadas pessoas que tiveram um grande impacto positivo na comunidade, seja por trabalhos sociais prestados, grandes feitos esportivos ou gordas doações beneficentes. Vinte anos trabalhando no exército britânico também vão te render uma medalha que será entregue em um chá[8]em um “evento” chá; a medalha não vem dentro da xícara dentro do palácio – se você der sorte, pela própria rainha.

4. Sorteio: Essa só vale se você nasceu na Nova Zelândia (ou Austrália, na regra estendida), mas é basicamente isso: você se inscreve neste site aqui e torce. A Nova Zelândia é realmente um país formidável.

5. Pule o muro: Em 9 de julho de 1982, o irlandês Michael Fagan estava bêbado[9]mas é claro que estava. Ele é irlandês…. Então ele decidiu ir dar um oi pra rainha: escalou o muro do Palácio de Buckingham e entrou. O alarme tocou, mas a segurança achou que tinha sido um defeito e simplesmente o desligou de novo. Seguindo os instintos que só os bêbados e as crianças têm, ele foi pelos corredores até o quarto da Elizabeth, entrou e sentou na cama dela. O príncipe Philip não foi um problema: é notório que eles dormem em quartos separados.

Dizem os guias de free tour londrinos que Michael e a Rainha tiveram alguns minutos de conversa e ele até pediu um cigarro para ela; mas em uma entrevista recente ao Independent[10]esta daqui: https://www.independent.co.uk/news/people/profiles/michael-fagan-her-nightie-was-one-of-those-liberty-prints-down-to-her-knees-7179547.html Fagan conta que a Rainha levantou-se imediatamente e foi atrás de ajuda, que veio na forma de um funcionário prestativo que, percebendo que o bêbado não representava ameaça, conseguiu dissuadi-lo a deixar o recinto oferecendo-o mais bebida.

Michael Fagan nem foi preso pela invasão, mas provavelmente quem quiser tentar uma aventura dessas vai encontrar não só mais dificuldade, mas uma punição mais grave em caso de sucesso: desde 2007, invadir o Palácio de Buckingham é uma ofensa grave.

Indo pro fervo

Legal, a realeza caiu nessa e você vai de alguma forma filar rango na casa da velha. A vantagem é que a parte mais difícil já passou; mas o problema é que ainda tem um monte de coisa pra você memorizar e não passar vergonha. Eu tenho uma amiga que foi num jantar na casa do Fernando Henrique Cardoso e tomou um pito porque apoiou o copo em uma obra de arte que ela achava que era uma cômoda[11]oi, Van!.

Pra começar, você tem que se vestir como um lorde. Tal qual lá na empresa onde eu trabalho, pega mal ir de chinelo. Se você for só ao chá da tarde, dá pra pegar mais leve na formalidade, o que ainda significa que você provavelmente vai se vestir melhor do que jamais se vestiu na vida[12]Foi bem difícil achar referências de como se vestir na presença da rainha porque o Google achava que eu queria dicas de como me vestir no navio Queen Elizabeth, então eu prevejo que vou receber propagandas de cruzeiros por algumas semanas ainda.

Para os homens, as coisas são bem mais fáceis[13]Quem diria que a vida seria mais fácil para esse monte de afortunados portadores de um gene Y, não? Quem diria?: Um morning dress, com um coletinho, gravata pra dentro e uma cartola é perfeito, mas na pior das hipóteses, um terno mais escuro também é aceitável. Pêlos faciais já são permitidos, porém convém mantê-los aparados com um esmero digno de um participante do Queer Eye.

Para as mulheres, as regras são um pouco mais exigentes[14]Finalmente um evento no qual as regras de comportamento e vestimenta para as mulheres são mais complicadas e exigentes do que para os homens!: O ideal é que as unhas tenham no máximo esmaltes em tons naturais, evitar cores fortes também para os batons. Na roupa, nada de mini-saias e o vestido deve seguir uma tonalidade mais discreta, já que a rainha normalmente escolhe para si as cores mais chamativas e ia pegar bem mal você ir no rolê com a mesma roupa que ela. As luvas são opcionais[15]Graças à Princesa Diana, que odiava usá-las e devem ser encaradas como um item de higiene: usá-las sempre ao cumprimentar pessoas e dançar, mas tirá-las sempre que for comer, mesmo que seja um canapézinho. O jeito certo de tirar as luvas é puxar levemente cada dedo e depois puxar a luva como um todo ao invés de segurar com os dentes a ponta do dedo médio e puxar a mão pra baixo num movimento sexy, como eu sempre faço ao tirar luvas de frio. Um chapéu espalhafatoso sempre cai bem, mas é bom evitar uma tiara se você não for efetivamente uma princesa.

Se você for pra tomar o chá e ficar pra janta, uma troca de roupa é indispensável, então leve sua malinha.

Modos à mesa

Mesmo que você só seja convidado para o chá (que, sim, é servido às 17h, o nome “chá das 5” não é à toa), há ainda uma porção de boas maneiras a serem lembradas: os sanduíches são sempre comidos com a mão (eles também não se chamam “finger foods” por acaso), os scones devem ser cortados com faca, não com as mãos, e jamais serem colados de volta como se fosse um sanduíche. Há uma forma correta para segurar a xícara que varia dependendo se você estiver bebendo café ou chá, e para misturar o líquido, os movimentos com a colher devem ser para frente e para trás e sem tocar as bordas da xícara, nunca mexendo a colher em círculos loucamente, como crianças tomando Nescau em frente à TV.

Café ou chá?

E, se esse monte de regrinhas estúpidas já soa um pesadelo para tomar chá, o jantar pode tomar proporções inimagináveis. Não, sério, você não compreendeu ainda o sentido desse “inimaginável” aí. No caso de um banquete completo para chefes de estado, daqueles que podem receber até 170 convidados, os planejamentos podem levar literalmente meses e é por isso que nunca há mais de dois por ano. A mesa começa a ser posta cinco dias antes do jantar[16]https://www.royal.uk/setting-state-banquet-buckingham-palace. Isso sem contar as três semanas de trabalho só para polir a prataria. São (literalmente) milhares de talheres em uma única refeição, seis copos diferentes por pessoa (um para brindar com champagne, um para vinho tinto, um para vinho branco, um para água, um para tomar champagne com a sobremesa e um para virar um shot de vinho do porto depois de comer) e os guardanapos devem ser dobrados no mesmo estilo de origami, com o monograma da rainha à mostra no mesmo lugar em todos eles[17]olha isso, bicho, que raiva: https://www.youtube.com/watch?v=WiRKJHnOvBw.

é tudo seu

Todos os preparativos são cuidadosamente inspecionados pela própria rainha, que acompanha o processo, desde a posição dos talheres e das cadeiras, que são milimetricamente medida (as cadeiras estarão a uma distância exata de 68 cm da mesa[18]68,58 centímetros ou 27 inches, por exemplo), até dando pitacos sobre onde cada pessoa vai se sentar.

Aliás, seu lugar já vai estar reservado. Na verdade, a realeza britânica possui uma equipe de especialistas entendidos do assunto para posicionar cada convidado no seu devido lugar. Durante um jantar, a família real só vai ter tempo para conversar com um punhado seleto de convidados, então eles precisam alocar todo mundo para que todos fiquem em sua panelinha de interesses comuns. Se você for fã de The Last Jedi, provavelmente não vão te colocar perto dos fãs de The Rise of Skywalkers, por exemplo.

Na hora do banquete, quando os convidados começarem a entrar na sala, eles sempre seguem a ordem do menos importante para o mais importante. Os convidados, aliás, nunca são treze: de acordo com a assessoria real britânica, a Rainha não é supersticiosa, mas ela quer evitar embaraços caso algum dos convidados o seja. É bem provável que você seja o primeiro a entrar, já que a entrada segue a ordem de ascensão ao trono – com os príncipes William e Charles por último. E sempre com a notável pontualidade britânica: a Rainha Mãe, quando era viva, era conhecida por sempre se atrasar para as refeições, então passaram a simplesmente mentir o horário para que ela chegasse 15 minutos mais cedo (ela não se atrasava tanto assim para os padrões brasileiros, pelo jeito).

Depois que você tomar seu lugar e se sentar (sempre depois da Rainha), é dobrar o guardanapo enquanto aguarda ser servido. Lembrando que até mesmo para dobrar os guardanapos é preciso de um bocado de esmero e asseio: eles devem ser dobrados no meio (quantas vezes for conveniente) e somente a parte interna ser usada para limpar discretamente seus lábios. Nada de assoar o nariz neles ou amarrar as pontas e fazer aqueles “chapéuzinhos portugueses” ridículos. É um jantar com a Rainha, não o casamento do seu padrinho[19]Desculpa, padrinho..

Mesmo depois de servido, não é conveniente roubar uma batatinha do prato sequer antes de atender uma das mais populares regras de etiqueta nesse tipo de evento: Você não começa a comer antes da Rainha. Assim que a Rainha terminar de comer, você também termina de comer. Acredito que esse seja, na verdade, o maior poder da realeza britânica: matar seus convidados de fome em frente a um prato de comida provavelmente deliciosa. Se eu fosse Rainha, eu ficaria meia hora ameaçando colocar o primeiro pedaço na boca e, depois da primeira garfada, simplesmente repousaria os talheres no prato e gritaria um “FINISHED!” alto o suficiente para desagradar a todo mundo.

Evidentemente, Elizabeth é muito mais careta (ou seria “educada” a palavra a se encaixar aqui?) do que eu e é também dito que ela sempre reserva o final do prato para dar tempo de seus convidados comerem também. Apesar de não ser isso o que Barbara Bush escreveu em suas memórias[20]“Barbara Bush: A Memoir”, página 428, que em sua experiência jantando com outros 63 convidados, ela ficou sentada ao lado do primeiro ministro James Callaghan, no que é conhecido como “starvation corner”, ou “o cantinho da fome”, que é o último lugar a ser servido. Quando percebeu que o Príncipe Philip já havia terminado de comer, Barbara alertou a Callaghan: “não largue seu talher, senão você não vai comer nada”. Callaghan, burro que só, largou o garfo para rir da afirmação e seu prato foi retirado sem que ele tivesse comido quase nada.

Da mesma forma, é quase um crime você se retirar da mesa antes da rainha. É de uma falta de educação equivalente a cagar na mão e atirar no papa. É preferível morrer do que sair da mesa antes do anfitrião – e foi exatamente o que aconteceu com uma das minhas figuras históricas favoritas: o astrônomo dinamarquês Tycho Brahe. Em 24 de outubro de 1601, em um jantar com o Rei da Dinamarca Christian IV, Brahe bebeu vinho demais, porém se recusou a se levantar da mesa antes do rei e sua bexiga simplesmente explodiu[21]…e isso nem é o mais curioso da vida de Tycho Brahe: ele foi sequestrado pelo tio, perdeu o nariz em um duelo, tinha um alce que vivia bêbado e todo seu trabalho de astronomia foi postumamente herdado por Kepler, que terminou a história com todos os méritos das pesquisas. É, eu estou escrevendo um livro sobre Tycho Brahe, pra quê esconder isso?.

Todos esses hábitos e tradições servem pra deixar claro quem é que manda na casa: É a Rainha e somente ela. Até mesmo dirigir a palavra à Rainha pode ser uma ofensa: a regra de bons modos diz que você não deve falar com a Rainha, mas é a Rainha que vem falar contigo – só se ela quiser, ao contrário dos Ubers que puxam assunto assim que você entra no carro. E isso vale pra qualquer coisa, desde perguntar se a Rainha gostou do último filme do Adam Sandler até pra pedir pra ela passar o sal – o que NUNCA ocorre, já que ela tem seu próprio saleiro, enquanto todos os outros convidados são forçados a dividir um entre quatro pessoas [22]https://www.telegraph.co.uk/news/uknews/queen-elizabeth-II/11757987/The-secrets-of-Buckingham-Palaces-Royal-receptions.html.

E, por fim, uma das regras mais legais de todo o rolê gastronômico real, que é: se uma pessoa acima de você na ordem de ascensão ao trono quiser trocar de prato com você, é obrigatório que você aceite. Se o Príncipe William achar que suas batatas fritas estão mais crocantes e sequinhas, e ele apontar para o seu prato e dizer “gostei mais das suas, me manda aí”, seria de uma falta de educação quase criminosa responder com “se vira aí, nego, não toca nas minhas fritas!”. Como se virar rei da Inglaterra no futuro já não fosse privilégio o suficiente.

É lógico que aquele monte de regrinhas que sua mãe sempre falou continuam valendo com a Rainha: mastiga de boca fechada, sem fazer barulho, não use as mãos para comer, não engole o bolo alimentar como se fosse uma vaca pastando, e não enche a boca tudo de uma vez. Não é porque tem um monte de regras novas que as antigas deixam de valer.

Menu

O maior erro que você pode cometer jantando no Palácio de Buckingham é levantar a mão acima da cabeça, estalar os dedos para chamar a atenção de um dos criados e gritar “Ô meu consagrado! Desce uma porção de pão de alho aqui pra mim e pra velhota!”. Primeiro porque o Palácio não é uma churrascaria; o jantar não funciona num sistema de rodízio, mas é uma coisa mais à la carte, planejada especialmente dependendo do convidado. O menu com os pratos da noite vai estar na mesa, sempre escrito em francês (uma tradição vitoriana). Mas esse seria um erro crasso também porque a Rainha DETESTA alho. Nada sendo servido levará o tempero. É dito que alho sequer entra no Palácio de Buckingham, como se aquela fosse a mansão de um vampiro.

Além do alho, dificilmente você vai comer macarrão ou molho de tomate entre os pratos servidos. A Rainha não é muito fã de pasta e jamais come algo tão pesado à noite – o cardápio real, na verdade, é extremamente saudável e balanceado, cheio de legumes e vegetais. As porções são pequenas; pela etiqueta, é melhor você se servir de um pouco mais de comida do que deixar coisa no prato (não vai ganhar sobremesa). Porém são quatro ou cinco refeições por dia, englobando café da manhã, almoço, chá das cinco e janta.

Quando fora de eventos, as refeições costumam ser bem ordinárias: o desjejum é feito de cereais, frutas e chá; o Príncipe Charles é mais fresco: mesmo em viagens internacionais, ele tem sempre à disposição seis tipos diferentes de mel. Já o jantar pode até mesmo ser servido em uma bandeja em frente à televisão[23]https://www.thesun.co.uk/fabulous/10006164/the-queen-eats-dinner-tray-tv-lady-colin-campbell/, como se a rainha fosse um pai de família americano que perdeu na vida.

As refeições incluem muitas frutas da época, principalmente manga, que é a fruta favorita de Elizabeth. E, se houver caça, o animal caçado também deve ser consumido. Porém, um outro item que quase nunca está presente no cardápio real são os frutos do mar. Mas não porque a realeza não goste, o motivo aqui é para evitar uma possível intoxicação alimentar. A monarquia é composta de pessoas supostamente muito ocupadas, com uma agenda cheia, que não têm tempo pra perder com frivolidades como ficar doente ou ter um piriri sentado no trono (trono metafórico dessa vez, assim espero). Por isso também que eles nunca tomam água da torneira – apenas engarrafada mineral -, consomem leite e iogurte provenientes da leitaria real – sim, a monarquia britânica possui sua própria royal dairy[24]https://www.royal.uk/bbc-countryfile-visits-royal-dairy-windsor-castle -, e quase todo o abastecimento é proveniente de fornecedores cadastrados como de confiança. A exceção vem novamente dela, a Princesa Diana, que costumeiramente levava William e Harry para comer McDonald’s num sábado à noite[25]https://www.dailymail.co.uk/news/article-7467249/Diana-watch-trash-TV-eat-McDonalds-William-Harry.html. Mais recentemente também isso começou a mudar por conta de um corte de custos: a monarquia acabou trocando o champagne mais consumido por um que é comprado diretamente do Tesco[26]Tesco é um grande mercado do Reino Unido, o equivalente britânico ao Sonda..

Esse cuidado todo com a procedência alimentar extinguiu o cargo de provadores de comida muitas décadas atrás. A família real é proibida até mesmo de consumir comida dada como presente por estranhos – apesar de que eles são obrigados a aceitar recebê-la, assim como flores, livros que não envolvam temas polêmicos e lembrancinhas de, no máximo, 150£. Com isso, praticamente toda a alimentação fica centralizada no Palácio, sob a vista exigente da Rainha – porém, quando ela entra na cozinha, os funcionários são obrigados a interromper tudo o que estão fazendo e não podem trabalhar enquanto ela estiver lá.

Por isso que ela deve até evitar essas vistorias, já que tudo tem que funcionar no tempo exato. Os jantares normalmente levam cerca de uma hora e 20 minutos. Eles terminam assim que a Rainha coloca sua bolsa em cima da mesa, seguido de tocadores de gaita de foles passando pela sala (tradição iniciada pela Rainha Vitória) e levando todo mundo para outra sala onde será servido café e petit fours.

Depois do jantar os pratos, talheres e copos podem levar mais de uma hora para serem recolhidos. E eles são preciosos demais pra meter na máquina de lavar. Então uma equipe de oito pessoas pode levar até três semanas para lavar, secar e polir à mão os 8000 itens do conjunto de prataria real[27]Eu ainda acho que não é possível… mas tá aqui: https://www.tripsavvy.com/windsor-castle-state-banquet-details-1662154 – sério? OITO PESSOAS POR TRÊS SEMANAS? Não é possível..

É o suficiente para eu nunca mais reclamar de lavar a louça da ceia de natal.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_state_visits_received_by_Elizabeth_II
2 Bush e Obama também já foram convidados.
3 os únicos membros da família real que não podem abdicar de suas tarefas monárquicas são, além da Rainha, os sucessores diretos ao trono Charles, William e George
4 eu amo isso: https://www.geni.com/family-tree/index/6000000003075071669
5 eu preciso fazer um texto completo sobre ancestralidade, mas chama-se “removido” um parente que não é da mesma geração. Edward, Marina e Amelia são primos de primeiro grau da rainha duas vezes removidos, o que significa que eles estão a duas gerações de distância (ou seja: o avô deles é primo de primeiro grau da rainha). Para quem realmente se interessar no assunto, o autor A.J. Jacobs escreveu um livro fascinante sobre o tema, chamado “It’s All Relative: Adventures Up and Down the World’s Family Tree
6 A princesa Beatrice de York, neta da rainha, foi cortada da última versão deste texto porque recentemente ficou noiva de um magnata do setor imobiliário. Mas noiva não é casada, então até ela dizer sim, dá pra tentar trocar stickers de WhatsApp com ela, se você for do tipo cachorrão.
7 https://www.royal.uk/garden-parties
8 em um “evento” chá; a medalha não vem dentro da xícara
9 mas é claro que estava. Ele é irlandês…
10 esta daqui: https://www.independent.co.uk/news/people/profiles/michael-fagan-her-nightie-was-one-of-those-liberty-prints-down-to-her-knees-7179547.html
11 oi, Van!
12 Foi bem difícil achar referências de como se vestir na presença da rainha porque o Google achava que eu queria dicas de como me vestir no navio Queen Elizabeth, então eu prevejo que vou receber propagandas de cruzeiros por algumas semanas ainda
13 Quem diria que a vida seria mais fácil para esse monte de afortunados portadores de um gene Y, não? Quem diria?
14 Finalmente um evento no qual as regras de comportamento e vestimenta para as mulheres são mais complicadas e exigentes do que para os homens!
15 Graças à Princesa Diana, que odiava usá-las
16 https://www.royal.uk/setting-state-banquet-buckingham-palace
17 olha isso, bicho, que raiva: https://www.youtube.com/watch?v=WiRKJHnOvBw
18 68,58 centímetros ou 27 inches
19 Desculpa, padrinho.
20 “Barbara Bush: A Memoir”, página 428
21 …e isso nem é o mais curioso da vida de Tycho Brahe: ele foi sequestrado pelo tio, perdeu o nariz em um duelo, tinha um alce que vivia bêbado e todo seu trabalho de astronomia foi postumamente herdado por Kepler, que terminou a história com todos os méritos das pesquisas. É, eu estou escrevendo um livro sobre Tycho Brahe, pra quê esconder isso?
22 https://www.telegraph.co.uk/news/uknews/queen-elizabeth-II/11757987/The-secrets-of-Buckingham-Palaces-Royal-receptions.html
23 https://www.thesun.co.uk/fabulous/10006164/the-queen-eats-dinner-tray-tv-lady-colin-campbell/
24 https://www.royal.uk/bbc-countryfile-visits-royal-dairy-windsor-castle
25 https://www.dailymail.co.uk/news/article-7467249/Diana-watch-trash-TV-eat-McDonalds-William-Harry.html
26 Tesco é um grande mercado do Reino Unido, o equivalente britânico ao Sonda.
27 Eu ainda acho que não é possível… mas tá aqui: https://www.tripsavvy.com/windsor-castle-state-banquet-details-1662154 – sério? OITO PESSOAS POR TRÊS SEMANAS? Não é possível.
nRT

Viagem ao centro da Terra

Recentemente aqui no nRT, simulamos uma longa e extenuante viagem à Marte, destacando alguns pontos turísticos marcantes no caminho. Mas ir para o espaço parece uma tarefa extremamente simples em comparação a viajar no sentido contrário.

Parece que nunca faltará trabalho para a paleontologia e arqueologia. Restos de civilizações antigas e respostas para questões evolucionistas e históricas só foram preservados porque não foram encontrados e revendidos no mercado livre. Há infinitos tesouros debaixo de nós, como o dito trem de ouro nazista, uma suposta comitiva alemã que estaria repleta de ouro, diamantes e peças de arte valiosas como tapeçarias e quadros que teriam sido tomadas de seus antigos donos, vítimas do genocídio da Segunda Guerra e que estaria enterrado em algum lugar da Polônia. [1]eu mencionei a respeito disso neste artigo da SuperInteressante. Na ocasião eu tinha visitado cidades subterrâneas que os nazistas estavam construindo na Polônia, afinal eles também sabiam que debaixo da terra é mais difícil ser pego.

Se mudarmos do ambiente terrestre para o aquático, o nosso conhecimento não melhora muito não… Dados (meio sensacionalistas) do NOAA [2]http://www.noaa.gov/oceans-coasts apontam que 95% de tudo que está abaixo d’água continua inexplorado[3]vamos lá: essa estatística soa meio absurda e exagerada. Todo o espaço dos oceanos já foi mapeado, mas numa resolução média de 5km. É como se tivéssemos um Google Maps, aonde cada pixel abrangesse 5km: ele não seria muito útil..
E tudo isso sem sair da crosta terrestre, que é definitivamente a parte mais interessante desta bolota azul que fica flutuando no Sistema Solar. Abaixo da crosta, as coisas ficam bem mais enfadonhas e tediosas, mas suas dimensões são tão absurdas que fica meio difícil de imaginar.

É um problema da percepção humana: não somos bons em dimensionar coisas que são extremamente gigantescas ou ridiculamente minúsculas. Por isso o problema em imaginarmos o tamanho de um átomo ou a distância até Júpiter.

Para ajudar a dar uma melhor percepção, o nRT criou um novo experimento informático-artístico-científico. Uma viagem da estratosfera ao centro terrestre usando somente a barra de rolagem do seu navegador. Cada pixel corresponde a um metro e nesse caminho, há algumas paradas para curiosidades e baboseiras – o conteúdo típico que você encontraria por aqui. São mais de 6.388.000 pixels, equivalente a um metro cada, partindo da estratosfera até o ponto mais profundo do núcleo terrestre.

O experimento é resultado de diversos meses de trabalho, incessantes pesquisas, gambiarras absurdas de CSS, desenhos preguiçosos no cu da madrugada. Assim como todo o resto deste blog, imagino que diversos erros podem vir a ser encontrados – e eles vão dar um pouco mais de trabalho para serem corrigidos, dada a natureza da obra realizada. Mas é possível alterá-la e expandi-la, quem sabe eu volte a colocar coisa conforme a humanidade for fazendo descobertas ou afundando submarinos.

O projeto também está com o código fonte aberto aqui no meu github e aceitando contribuições. O projeto é melhor visualizado no computador ou tablet (fora do celular), já que ele precisou ser apertado pra caber numa telinha.

Tal qual a obra de Jules Verne publicada em 1864, esta também lhe convida a uma viagem ao centro da terra, bem mais curta e menos emocionante, mas ainda assim, é o texto mais profundo que você vai encontrar neste blog.

CLIQUE AQUI e boa viagem. =)

Fontes e referências

Fontes e referências
1 eu mencionei a respeito disso neste artigo da SuperInteressante. Na ocasião eu tinha visitado cidades subterrâneas que os nazistas estavam construindo na Polônia, afinal eles também sabiam que debaixo da terra é mais difícil ser pego.
2 http://www.noaa.gov/oceans-coasts
3 vamos lá: essa estatística soa meio absurda e exagerada. Todo o espaço dos oceanos já foi mapeado, mas numa resolução média de 5km. É como se tivéssemos um Google Maps, aonde cada pixel abrangesse 5km: ele não seria muito útil.
nRT

Ciclo sem fim

Eu estava revoltado. Era a primeira vez que eu tinha assistido Hamlet e, enquanto saía do Shakespeare Globe, o teatro de arena no centro de Londres, eu estava indignado com a ousadia daquela peça de copiar descaradamente o enredo de “O Rei Leão”.

É a história do príncipe que volta à sua terra para destituir o atual rei e assassino de seu pai. Com diversos outros elementos em comum, como a aparição do fantasma do pai e até o par de amigos atrapalhados que ajuda o protagonista. É verdade que a Disney não chegou a ser tão ousada a ponto de matar todo mundo no final, mas no fundo, nossa geração mimizenta de nascidos na década de 80 ainda nem se recuperou direito da morte do Mufasa.

Mufasa morreu assassinado pelo seu irmão Scar, em um comportamento não absurdo para leões ou ditadores norte-coreanos. Efetivamente, leões podem matar outros leões com o objetivo de conquistar territórios[1]se você acha a morte do Mufasa forte, nem acesse este link (conteúdo pesado: felino morto), contrariando aquela idéia do meu professor do primário de que o ser humano era o único animal que matava alguém da mesma espécie. Mais do que isso: o plano de Scar envolvia também o assassinato do pequeno Simba, o príncipe herdeiro. Matar os filhotes do rival também é uma característica típica de um leão que acaba de conquistar um novo território[2]“When male lions take over a new territory, they almost always kill the prides’ cubs, since they are not biologically related and do not want to spend energy ensuring that other lions’ genes will be passed on”, daqui: https://www.livescience.com/41572-male-lion-survival.html.

A hereditariedade de território, aliás, é outro acerto comportamental do roteiro do filme: leões podem ocupar o mesmo território por diversas gerações[3]“Lions are highly territorial and occupy the same area for generations. Females actively defend their territories against other females, while resident males protect prides from rival coalitions. Territory size depends on prey abundance, as well as access to water and denning sites.”, daqui: https://cbs.umn.edu/research/labs/lionresearch/social-behavior, inclusive com a idéia de dominância hierárquica.

Não são só as disputas estilo Game of Thrones que dão a fama de rei das selvas para os leões. A soberania deles sobre outras espécies é explícita: eles são o topo da cadeia alimentar, tendo praticamente todos os outros animais como presas: zebras, antílopes, vacas, turistas italianos[4]cuidado, conteúdo pesado: https://www.youtube.com/watch?v=wA31WXyNVfQ – a morte de Pit Derniz por leões em 1975 até hoje cai no limbo da dúvida “fato ou fake”, mesmo entre as maiores entidades de fact checking da internet. Mesmo assim, há diversos casos de pessoas mortas por leões espalhados por aí., elefantes, girafas e até mesmo hienas, tal qual o filme mostra. Quando Simba entra no território das hienas, elas o atacam, com o objetivo claro de matá-lo. Os desentendimentos entre ambos é comum: hienas também são territorialistas e ambas as espécies usam o infanticídio como ferramenta de batalha: matar o inimigo enquanto jovem é mais fácil e pode evitar problemas no futuro. Não é comum leões e hienas se enfrentarem, como ficou claro na guerra entre leões e hienas de abril de 1999, na Etiópia, que durou duas semanas e terminou com 6 leões e 35 hienas mortas[5]é verdade, cara: https://animals.mom.me/relationship-between-lions-hyenas-3692.html. Hienas também são territorialistas, na medida que os leões permitem…

O tamanho do território que cada grupo de leões ocupa depende muito da quantidade de comida oferecida na área, mas pode incluir até 260 km² de florestas, savanas, estepes e fontes de água[6]https://www.nationalgeographic.com/animals/mammals/a/african-lion. Dá pra imaginar isso como quase três Walt Disney Worlds Resorts completos, mas recheados só com Animal Kingdom.

Tudo o que o Sol toca

Mas seria muito fácil assumirmos o número 260km² para o território de Mufasa. O nRT preza pela complexidade de nossos aprofundadíssimos estudos e cálculos inúteis levando a resultados duvidosos. E não há ninguém melhor para saber o tamanho do território do que o próprio rei Mufasa.

Logo no começo do filme, Mufasa apresenta suas terras para o filhote – e conseqüentemente para o público.

Olhe, Simba: tudo isso que o sol toca é o nosso reino.[7]do original “Look, Simba, everything the light touches is our kingdom.”, que não traz nada de novo.

É um puta reino.

Se levarmos a explicação de Mufasa para o sentido o mais literal possível, seria impossível obter uma resposta. É só o que o sol toca? Então as sombras não fazem parte do reino? E quando anoitece? Ele perde todas as terras?

Outra forma de considerar a frase é sem a interferência de sombras ou da noite: absolutamente todas as áreas do mundo que são tocadas em algum momento pelo sol. Sob essa perspectiva, o reino de Mufasa teria 509.987.579 km²[8]510.072.000km² do mundo menos 84.421km² da Irlanda, região do mundo aonde o sol nunca toca.

Olhe, Simba

Assumir esses valores, porém, é ignorar a introdução da frase. Mufasa está mostrando ao Simba o reino que ele está vendo. O reino seria então tudo o que o sol toca e está ao alcance da vista deles. Já “aquele lugar escuro lá”, se está escuro, é porque não é seu, Simba, seu filhotinho estúpido. O Reino de Mufasa então se limitaria àquilo que os leões estivessem vendo. Até onde a vista felina alcançasse seria os limites territoriais de Simbaland.

Em um nRT passado eu calculei a distância que o olho humano é capaz de enxergar[9]neste nRT aqui. Considerando a terra como redonda[10]toma essa, Flat Earth Society, a visão humana é limitada somente pela curvatura do horizonte. Uma pessoa de 1,80m, em uma superfície completamente reta enxergaria no máximo um raio de 5km. No alto de uma árvore, porém, seria possível enxergar mais longe (evidentemente). No topo da pedra do reino, mais longe ainda.

O cateto oposto seria a distância da visão dos leões. O outro cateto equivale à distância da linha do horizonte ao centro da Terra. Essa distância pode ser deduzida a partir de algumas informações: pra começar com a distância do centro da Terra até o nível do mar, que é de aproximadamente 6371km. Somado a esse valor, teríamos a altitude das fronteiras do reino onde a história se passa, algo que só podemos estimar de acordo com diversas pistas obtidas pelo filme. O ponto geográfico mais provável é o Serengeti, parque nacional localizado na Tanzânia. A conclusão é obtida, primeiramente por conta da vegetação típica da região, mas principalmente porque os personagens falam swahili, uma língua de sonoridade agradável falada pelos nativos de diversos países do leste africano, como Kênia, Tanzânia, Congo, Uganda, entre outros. É dessa região que saíram palavras como Rafiki (amigo), Mufasa (rei), Simba (leão) ou a mundialmente conhecida Hakuna Matata (sem problemas). A altitude média do Serengeti é de aproximadamente 1500 metros. O cateto adjacente teria então uma medida de 6.372.500 metros.

A hipotenusa requer um estudo um pouco mais aprofundado. Somado aos 6.372.500 metros da base do planalto, precisaríamos calcular a altura dos leões em relação ao solo naquele determinado momento. A altura média de um leão adulto é de 1,20m – um pouco mais baixo do que o Peter Dinklage mas um pouco mais alto do que o Gigante Léo. Tendo essa altura como base, é possível tirar alguns frames do filme da Disney e, a partir de uma regra de três simples e uma conversão de metros para pixels, obter os seguintes dados:

O topo da pedra do reino, que é aonde Simba e Mufasa estão no momento do diálogo, fica a aproximadamente 33,8 metros de altura, o equivalente a um prédio de 11 andares. Colocando esses valores todos na regra da hipotenusa demonstrada no diagrama acima, pode-se concluir que os animais estão a 20,755 km do horizonte.

O olho humano não teria problema nenhum em enxergar a quase 21 km de distância[11]em uma noite escura, é possível perceber a chama de uma vela tremulando a até 48km de distância. Pelo menos é o que este site diz, então só pode ser verdade.. A visão de um leão difere em alguns aspectos da visão humana. Os leões não enxergam somente em preto e branco, mas tem uma visão de cor muito mais limitada do que a nossa. Em compensação, eles enxergam muito melhor no escuro. No quesito distância, levamos vantagens na nitidez: enxergamos itens distantes com melhor nitidez do que os demais felinos, mas é algo que não faria grande diferença no cálculo de quão longe o Simba pode enxergar. É plausível assumir o reino de Simba como um círculo de 20,755km de raio, o que resultaria em um território de 1353km², uma área quase do tamanho da cidade de São Paulo[12]ou quase duas vezes o território de Singapura (716km²); ou quase metade do território de Luxemburgo (2586km²). Comparado com o tamanho médio dos territórios dos leões comuns (aqueles que não são celebridades da Disney como o Simba) de 260km², é compreensível a importância histórica de Mufasa no reino animal.

Ainda assim, é apenas um pequeno território da vastidão de 30.000km² do Serengeti. Que é apenas um dos parques naturais por aquela região. Sinal que, caso não estejam gostando do atual regente, os animais podem facilmente migrar para reinos vizinhos – e eles efetivamente migram todos os anos. Não esperava menos de um rei cujo lema de vida é “esqueça seus problemas”.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 se você acha a morte do Mufasa forte, nem acesse este link (conteúdo pesado: felino morto)
2 “When male lions take over a new territory, they almost always kill the prides’ cubs, since they are not biologically related and do not want to spend energy ensuring that other lions’ genes will be passed on”, daqui: https://www.livescience.com/41572-male-lion-survival.html
3 “Lions are highly territorial and occupy the same area for generations. Females actively defend their territories against other females, while resident males protect prides from rival coalitions. Territory size depends on prey abundance, as well as access to water and denning sites.”, daqui: https://cbs.umn.edu/research/labs/lionresearch/social-behavior
4 cuidado, conteúdo pesado: https://www.youtube.com/watch?v=wA31WXyNVfQ – a morte de Pit Derniz por leões em 1975 até hoje cai no limbo da dúvida “fato ou fake”, mesmo entre as maiores entidades de fact checking da internet. Mesmo assim, há diversos casos de pessoas mortas por leões espalhados por aí.
5 é verdade, cara: https://animals.mom.me/relationship-between-lions-hyenas-3692.html
6 https://www.nationalgeographic.com/animals/mammals/a/african-lion
7 do original “Look, Simba, everything the light touches is our kingdom.”, que não traz nada de novo.
8 510.072.000km² do mundo menos 84.421km² da Irlanda, região do mundo aonde o sol nunca toca
9 neste nRT aqui
10 toma essa, Flat Earth Society
11 em uma noite escura, é possível perceber a chama de uma vela tremulando a até 48km de distância. Pelo menos é o que este site diz, então só pode ser verdade.
12 ou quase duas vezes o território de Singapura (716km²); ou quase metade do território de Luxemburgo (2586km²)
nRT

O busão voador

Fortnite é o novo jogo do momento que conquistou a moçada. Para quem não conhece essa obra de tiro alternativa da empresa tecnológica Epic®, a premissa é simples: 100 jogadores caem numa ilha na qual uma misteriosa tempestade circular vai se formando, limitando mais e mais a área de jogo. Toda a galera da ilha, ao invés de se unir, formar uma sociedade sustentável e arrumar um jeito de sobreviver à tempestade, vai se matando uns aos outros até que só sobre um jogador, que viverá sozinho para sempre.

A verdade é que toda essa palhaçadinha sem sentido é apenas uma introdução boboca ao verdadeiro propósito deste texto: a verdadeira física por trás do ônibus voador do Fortnite.

Não me incomoda os mistérios da ilha deserta, como os meteoros que os desenvolvedores adicionam a cada temporada ou por que alguém guardaria uma fantasia de arbusto em um baú no sótão de casa. Mas é intrigante a física por trás de um ônibus capaz de voar com um balão de ar quente.

O funcionamento de um balão de ar quente é uma das coisas mais simples da física: o ar de dentro do balão é aquecido e, com isso, suas moléculas se agitam loucamente como suricatos em uma rave. No ar mais frio, as moléculas permanecem mais unidas (provavelmente para se aquecerem). Logo, o ar de dentro do balão se torna menos denso do que ar de fora dele e o balão sobe rápido e alto como a inflação.

Quanto mais quente, menos denso e quanto maior o balão, mais peso ele consegue levantar. Como tudo no Universo, há também uma fórmula matemática para calcular o tamanho que seria necessário para um balão carregar um ônibus. A fórmula mágica é:
$$! L = \frac{P_{alt} * V}{R_{s}} (\frac{1}{T_{amb}} – \frac{1}{T_{env}}) $$

, onde:

$$L$$ = peso a ser levantado (kg)
$$P_{alt}$$ = Pressão atmosférica na altitude (pascal)
$$V$$ = volume (m³)
$$R_{s}$$ = constante específica do gás (para ar seco: 287.058) ($$J*kg^{-1}*K^{-1}$$)
$$T_{amb}$$ = Temperatura do ambiente (Kelvin)
$$T_{env}$$ = Tempertura do balão (Kelvin)

Peso do ônibus

O ônibus voador usado para transportar os jogadores até o mapa de jogo aparenta ser um ônibus escolar. De acordo com o Google, é possível espremer até 72 crianças dentro de um desses. Conforto claramente não é a prioridade, já que a idéia é tornar o ambiente dentro do veículo tão insustentável que os passageiros aceitem saltar para fora dele munidos apenas de um guarda-chuva e uma picareta. É possível que, sem os bancos, seja possível caber todo mundo.

O peso aproximado de um ônibus escolar é de 12.000kg.

Dentro do ônibus há 100 pessoas (não acho que, dado o propósito do veículo, seja necessário um motorista) que são esbeltas, fortes e caricatas. É justo assumir um peso médio de 75kg por pessoa.

Temos, então 20.000 kg a serem levantados.

Altura de vôo

Para o cálculo da pressão atmosférica e temperatura, é preciso saber a altura de vôo do busão. Como a equipe do Fortnite ignorou meus tweets cheios de perguntas relevantes, tive que calcular essa variável por conta própria.

Após saltar, sem mexer nos controles, o personagem segue em queda livre por 60 segundos. Apesar da aceleração da gravidade, o corpo pára de acelerar quando atinge certa velocidade – é a chamada velocidade terminal. A resistência do ar exerce uma força contrária à da gravidade em qualquer objeto em queda livre. Em determinado ponto, essa força (chamada força de arrasto) se iguala à força da gravidade, cessando a aceleração. A velocidade de queda de um corpo humano em posição deitada (que foi a usada nos testes) é de aproximadamente 55m/s. Sendo assim, o personagem percorre a distância de 3,6km durante essa queda inicial.

Mas não é só isso: depois de uma determinada altura [1]Variável de acordo com a área do mapa aonde o jogador pousa. Nos testes executados, o pouso foi em Loot Lake, no meio do mapa., o personagem abre um pára-quedas (guarda-chuva, no meu caso, já que eu sou um vitorioso) e, cai por mais 21 segundos. Aí o negócio complica: é necessário calcular a nova velocidade de queda. Não há dados consistentes sobre pessoas pulando por aí com guarda-chuvas [2]como tudo nessa vida, é óbvio que alguém já tentou: https://gizmodo.com/5987580/what-happens-when-you-try-to-skydive-with-an-umbrella, com menção honrosa a este chinês estúpido., mas é mais ou menos seguro assumir uma velocidade de queda de aproximadamente 30km/h, levemente mais rápido que os pára-quedas convencionais. São mais 200 metros de queda. Somando tudo, colocando a gordura de erros de cálculo, dá pra imaginar que o ônibus voe a 3,8 km de altitude.

O valor encontrado vai de encontro com o que se é esperado na vida real: A altura padrão de salto de pára-quedas é de 12.000 pés, ou 3,65 km. É uma altitude facilmente atingível pela maioria dos aviões e o saltador não precisa de equipamento especial para oxigênio[3]de acordo com especialistas https://aviation.stackexchange.com/questions/12493/what-is-the-maximum-altitude-a-skydiving-plane-can-fly.

Temperatura e pressão

Não é difícil obter a temperatura e pressão atmosférica em qualquer altitude. Todo piloto e estudante aeronáutico é apresentado a uma tabelinha bem marota chamada “U.S. Standard Atmosphere 1976”[4]esta aqui, ó: http://www.pdas.com/atmos.html, que apresenta os devidos dados de temperatura, pressão e densidade a qualquer altura. A 3,8km de altitude, a tabela nos retorna[5]e eu vou deixar o link para essa calculadora aqui, porque eu tenho certeza que eu vou precisar dela para algum nRT no futuro: http://www.aerospaceweb.org/design/scripts/atmosphere/ o valor de 63,2kPa de pressão e -9,7°C. São dados que mudam dependendo do local do mundo e da época do ano que se está, mas se os pilotos conseguem usar essa base pra pilotar aviões, por deus, eu também posso adotar esses valores para determinar o tamanho fictício de um balão de ar quente gigantesco levando um ônibus computadorizado em um jogo-modinha que nem tem isso como ponto principal do negócio.

A temperatura de dentro do balão, para os nossos propósitos, deve ser a mais quente possível. Os balões de ar quente podem alcançar internamente uma temperatura de 120°C.

Um puta dum balão

Colocando todas as variáveis na fórmula, o volume final do balão seria de 43376m³. Isso dá uma esfera voadora com um raio de 21 metros; um balão da categoria AX-15[6]categorias de balão de ar quente: http://www.hotairballoonrides.com/Hot-Air-Balloon-Sizes.html que teria o dobro do tamanho do atual maior balão do mundo[7]este aqui.

Com esse tamanho e com a absurda potência necessária para aquecer o ar dentro do balão, o ideal mesmo seria adotar um zepelin. O Hindenburg, por exemplo, conseguia transportar até 232 toneladas, também conhecidos como 232000 kg ou 19 ônibus do Fortnite.

E, dado o destino final do Hindenburg, se eu estivesse voando nele, eu não hesitaria em pular de lá levando só uma picareta e um guarda-chuva. Mas eu tentaria formar uma sociedade na ilha ao invés de sair matando todo mundo. Eu tentei algumas vezes no jogo. Não deu certo.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 Variável de acordo com a área do mapa aonde o jogador pousa. Nos testes executados, o pouso foi em Loot Lake, no meio do mapa.
2 como tudo nessa vida, é óbvio que alguém já tentou: https://gizmodo.com/5987580/what-happens-when-you-try-to-skydive-with-an-umbrella, com menção honrosa a este chinês estúpido.
3 de acordo com especialistas https://aviation.stackexchange.com/questions/12493/what-is-the-maximum-altitude-a-skydiving-plane-can-fly
4 esta aqui, ó: http://www.pdas.com/atmos.html
5 e eu vou deixar o link para essa calculadora aqui, porque eu tenho certeza que eu vou precisar dela para algum nRT no futuro: http://www.aerospaceweb.org/design/scripts/atmosphere/
6 categorias de balão de ar quente: http://www.hotairballoonrides.com/Hot-Air-Balloon-Sizes.html
7 este aqui
nRT

God Save the Queen

Era 1952 quando Elizabeth II assumiu o trono britânico.

Isso a Globo não mostrou. A emissora ainda não existia e até mesmo a Glória Maria tinha apenas 3 anos. Chaves também não passava na TV (ainda levaria quase 20 anos para o primeiro episódio ir ao ar). Só tinha a Hebe cantando na TV Tupi. Também nunca tínhamos saído do planeta: ainda seriam necessários 5 anos para a União Soviética lançar o Sputnik, o primeiro satélite espacial. Três dos últimos quatro primeiro ministros britânicos ainda não haviam nascido. Sérgio Mallandro também não havia nascido. Nem Vladimir Putin tinha nascido ainda. Desde que Elizabeth se tornou rainha, o Brasil teve 20 presidentes (sem contar Tancredo Neves ou a junta militar)[1]http://nrt.paulovelho.com.br/play/queen/, o mundo teve 7 papas, o SBT teve 4 Bozos. Ela inaugurou o MASP e as obras da ponte Rio-Niterói (pessoalmente, quando veio ao Brasil, em 1968).

Ela possui o reinado mais longevo do Reino Unido, superando sua tataravó Victoria.

Brexits

Pode-se dizer também que o reinado de Elizabeth II é o último do Império Britânico. Apesar de ser bem difícil definir o exato ponto que marcou o fim do Império, é difícil se opôr à afirmação de que ele não existe mais. Pode ter sido com a independência da Índia em 1947, com a retirada das tropas do canal de Suez em 1956, com a perda final de suas colônias na África, na década de 80 ou até mesmo no recente 1997, quando a bandeira do Reino Unido foi baixada em Hong Kong, em frente às câmeras.

A dissolução do império inevitavelmente faz com que a rainha detenha um outro recorde consideravelmente mais desagradável: ela é a monarca bretã que mais perdeu territórios. O Império Britânico era em 1953 cerca de 30 vezes maior do que é hoje[2]As considerações de tamanho do território não levam em consideração a porção britânica da Antartica. O continente gelado é um tema delicado e algumas leis internacionais não reconhecem a existência do território britânico antártico – que, é meio que dividido/disputado com Argetina e Chile:
O tema da divisão Antártica é complexo e delicado e, tal qual uma operação anti-corrupção brasileira, quanto mais se aprofunda nele, mais fascinante ele se torna. Honestamente ele merece um texto próprio, antes que eu acabe criando notas de rodapé dentro de notas de rodapé aqui.
[3]http://www.bbc.com/news/magazine-27910375. O Reino Unido perdeu uma área equivalente ao Brasil em territórios:

No século XIX, era dito que o sol nunca se punha no Império Britânico, como forma de exaltar o seu tamanho: sempre tinha o sol brilhando em algum lugar do império (com exceção da Irlanda, aonde o sol não brilha nunca).

Império Britânico, 1953

Hoje, tudo o que resta ao Reino Unido é uma popular ilha européia do tamanho do estado de São Paulo e um punhado de ilhotas espalhadas pelo pacífico que, juntas, são menores do que a Escócia e com uma população de menos de meio milhão de pessoas.

Império Britânico Hoje

Mas, incrivelmente, como Randall Munroe apurou em seu espetacular livro “what if?”[4]o livro foi originado de um blog cujo conceito é cópia descarada deste humilde blog (ou vice-versa, já não sei ao certo), o Sol ainda está sempre brilhando em algum lugar do império, graças às Ilhas Pitcairn – um arquipélago de 47km² (menor que Walt Disney World) e 50 habitantes (menos do que algumas ceias de natal) que fica no Pacífico Sul[5]https://what-if.xkcd.com/48/.

No total, somando-se as áreas de suas ilhotas, o Império Britânico subiria 10 posições no ranking de países por área, com 315,809 km2, ligeiramente maior que a Polônia. Já em relação à população, não haveria grandes diferenças – as ilhas britânicas de South Georgia e South Sandwich, por exemplo, têm uma população de 30 habitantes (segundo o Google, então é verdade) – sempre imaginei que haveriam mais pessoas querendo morar em um lugar chamado “sanduíche do sul”.

Mas a maioria dos países que abandonaram o império ainda fazem parte de um grupo chamado Commonwealth, formado basicamente por ex-colônias britânicas e que busca fortalecer e ajudar na construção de progresso de todos os seus membros. Para fazer parte da Commonwealth o país deve ter por base a igualdade, o respeito, a busca pela paz, e, além dessa demagogia toda, deve reconhecer Elizabeth II como Head of the Commonwealth, um tipo de CEO de uma empresa que não faz nada, mas que tem vários sócios[6]eu realmente não entendi completamente como o commonwealth funciona ou pra que serve. Honestamente, não me interessou e eu não me aprofundei; mas, uma vez que mais de dois bilhões de pessoas fazem parte do grupo, é interessante saber que ele existe:
https://www.worldatlas.com/articles/what-is-the-commonwealth.html
.

Muito além do Commonwealth, Elizabeth ainda reina como entidade máxima monárquica em diversos países.

Windsorland
Além do Reino Unido, há outros 15 países que têm Elizabeth como Rainha: Antigua e Barbuda, Australia, Bahamas[7]
não esse Bahamas…
, Barbados, Belize, Canadá, Grenada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Saint Kitts and Nevis, Santa Lucia, São Vicente e Granadinas, Ilhas Salomão e Tuvalu.

Windsorland

Apesar de não pertencer ao mesmo império, esses países compartilham o mesmo reinado, todos se submetendo às ordens reais da Rainha. Para fins purametne didáticos, chamaremos esse conjunto de países de “Windsorland”[8]A “casa de Windsor” é relativamente nova, comparada com famílias reais milenares – mais nova até do que os Orleans e Bragança, tida como “a família real brasileira” (que recentemente vieram a público sugerir a volta da monarquia como uma das soluções para o caos político nacional, coitados). Isso porque a família real inglesa tinha como sobrenome Saxe-Coburg and Gotha, uma dinastia originalmente germânica. Em 1917, por conta de um pequeno desentendimento com os alemães (popularmente conhecido como Primeira Guerra Mundial), não pegava muito bem utilizar um sobrenome germânico, então a família real inglesa trocou o seu sobrenome para algo que soasse mais britânico. Elizabeth é somente a quarta monarca da casa de Windsor, depois de seu pai, George VI; seu tio, Edward VIII e seu avô, George V..

Se considerarmos Windsorland como um único país, resultado da soma de todas as suas terras, ele seria o maior país do mundo, com 18.805.114 km² (acima da Rússia, que tem atualmente pouco mais de 17 milhões de km², mas anda trabalhando para aumentar esse número) e o décimo colocado em número de habitantes, com mais de 145,8 milhões de súditos, se posicionando entre Japão (126,5 milhões) e Rússia (146,8 milhões). Nada mal para um império que não existe mais.

Elizabeth II ainda possui uma certa dose de poder nos territórios de Windsorland. Certamente não são os poderes que os monarcas tinham no auge do absolutismo – e alguns deles soam um tanto quanto inúteis -, mas ainda assim eles seguem um pouco além da figura meramente decorativa que se espera da monarquia.

Ela tem poder suficiente, por exemplo, para formar ou destruir governos. Em junho de 2017, Theresa May foi pedir autorização à Elizabeth II para formar um novo governo na Inglaterra, uma vez que a atual primeira-ministra britânica assumiu graças à renúncia de David Cameron, em conseqüência do Brexit. A rainha jamais negaria tal pedido, pois isso seria interferir na democracia. Em 1975, porém, ela autorizou a demissão total de todo o governo australiano. Um mês depois, a Austrália teve novas eleições para substituir o governo que foi despedido pela rainha. Mesmo envolta em uma cortina de burocracia parlamentar inglesa, a rainha ainda é um pouco mais do que uma simples peça decorativa pra inglês ver. Um poder político bem maior é o de aprovar ou vetar leis; mais precisamente toda lei que envolva a monarquia precisa ser aprovada pela rainha. Em 1999, Elizabeth vetou uma lei que transferia o poder de autorizar o lançamento de mísseis contra o Iraque da monarquia para o parlamento[9]tá aqui uma lista de leis que tiveram que ser autorizadas pela família real: https://www.theguardian.com/uk/2013/jan/14/secret-papers-royals-veto-bills.

Apesar de todas suas ações políticas serem movidas por ministros, ainda assim há brechas: ela pode ignorar ou ir contrário às recomendações ministeriais se considerar que o país está em uma “grave crise constitucional”, o que é um estado altamente relativo (certamente os Orleans e Bragança já teriam agido no Brasil se tivessem essa brecha).

Mas os poderes de Elizabeth II não se limitam à política:
Ela tem o poder de criar lordes, que ganham a liberdade de tomar um assento no andar superior do parlamento inglês. Por conta dessa importância, esse poder é só usado sob o aconselhamento de seus ministros. Mais flexível é a habilidade de criar cavaleiros, que, como recompensa, ganham o divertido título de “sir”[10]Jerry Seinfeld têm um texto de stand-up incrível numa apresentação que ele fez em algum evento com Barack Obama e Paul McCartney na platéia. Em certo momento, ele falou sobre o ex-beatle:
“He’s a sir. And not as ‘I’m sorry, sir, there’s no more compact cars available…’, he’s a real sir. When Paul McCartney steps up to the enterprise counter and they go ‘yes, sir, can I help you?’, they mean it!”
https://www.youtube.com/watch?v=SzpVE5ixAG8
[11]ainda assim, “sir” não é um título monárquico tão legal quanto aquele eu particularmente ocupo: barão do principado de Sealand.. Também a criação de cavaleiros é feita sob recomendação de ministros, mas com a aprovação final da rainha – o que iria contra a minha idéia de sair na rua criando lordes aleatoriamente (“Aqui seu troco”, “obrigado, senhor. Agora você é um lorde”). Ela também ainda tem o poder do perdão, salvando condenados da forca, se eles ainda fossem enforcados.

A mais desejada vantagem de ser uma rainha talvez seja a isenção de impostos: É difícil imaginar Elizabeth fazendo seu imposto de renda – e ela realmente não precisa fazer. Mesmo assim, como um gesto de bom grado, desde 1992 ela paga seus impostos – um recolhimento de quase £10 milhões por ano [12] é imposto pra caceta:
http://metro.co.uk/2017/11/06/does-the-queen-pay-taxes-and-how-much-does-it-cost-her-7056752/
.

Também de extrema utilidade é a incapacidade de receber processos: em teoria, a realeza seria “incapaz de pensar em fazer algo errado” – uma imunidade altamente questionável. Assim, apesar do ditado que ninguém está acima da lei, a rainha está: ela não pode ser julgada ou ser chamada para depôr em tribunais – e por isso mesmo, de acordo com a própria realeza britânica, os monarcas redobram seus cuidados para não fazerem nenhuma ação que vá contra as leis.

A rainha também não precisa de passaporte[13]o que me faz lembrar que os presidentes precisam, o que me diverte imaginar o Lula tendo que ir na PF pra renovar o dele e nem de carteira de motorista – é notório, aliás, que Elizabeth II é uma exímia motorista: ela atuou como motorista de ambulância durante a Segunda Guerra Mundial e, se preciso, é capaz até de fazer pequenos consertos e chupetas reais.

Elizabeth II têm dois aniversários: O “real” (no sentido de verdadeiro) e o “real” (no sentido de monárquico). Sua data de nascimento é 21 de abril, mas o aniversário é geralmente comemorado em algum sábado de junho. Como o pessoal de sangue azul nem sempre segue o saudável hábito de nascer no verão, culturalmente criou-se o costume de celebrar os aniversários monárquicos em algum outro dia que não o do nascimento. Ainda assim, Elizabeth celebra ambos.

E não deve ser fácil pensar num presente bom: entre as notórias posses da rainha, são dela todos os cisnes do Tâmisa (o que, por algum motivo, é um fato notório para todo mundo que já morou em Londres) e também tem sob seu domínio todos os golfinhos e baleias das águas costeiras britânicas. Até escrever um cartão de aniversário seria um problema, já que ela deve estar acostumada com termos rebuscados e prolixos – conseqüência provável de ter seu poeta particular: o cargo é geralmente ocupado por algum escritor cujo trabalho seja de importância nacional e o escolhido recebe como pagamento um barril de Sherry[14]Carol Ann Duffy é a atual poetisa particular da rainha e ficará no cargo até 2019..

Lógico que sempre há a chance de dar um envelope de dinheiro – apesar de não ser realmente preciso: além de ter uma fortuna estimada em cerca de £425 milhões de libras[15]dados de 2016: http://fortune.com/2016/04/21/tqueen-elizabeth-birthday-net-worth/, ela possui no porão do palácio de Buckingham seu ATM particular. Isso sem contar que a fuça real está presente em todas as notas de libra em circulação, portanto, no fundo, ela paga o mercadinho com fotos de si mesma[16]Há uma piada recorrente em clubes de stand-up ingleses de que deve ser terrível ser o príncipe William e, toda vez que vai em um strip-club, colocar fotos da própria avó nas calcinhas das dançarinas..

Se eu cair, portanto na difícil missão de dar um presente de aniversário para a rainha, provavelmente escolheria algo como sandálias de pneu. O que, curiosamente, não seria a coisa mais estranha que a rainha recebe.

O Duque de Atholl[17]Atualmente: Bruce Murray
https://en.wikipedia.org/wiki/Bruce_Murray,_12th_Duke_of_Atholl
deve dar uma rosa à rainha toda vez que ela pedir (a última que pediu foi a Rainha Victoria). Já o Marquês de Ailesbury[18]Atualmente: Michael Brudenell
https://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Brudenell-Bruce,_8th_Marquess_of_Ailesbury
detém controle sobre os territórios da floresta de Savernake e deve soprar uma corneta de caça toda vez que a rainha passar por seus territórios (a última vez que isso aconteceu foi em 1943). A cidade de Gloucester deve pagar à rainha todo ano uma torta de enguia[19]eles mandam a cada jubileu da rainha, mas recentemente, devido à escassez do peixe em águas inglesas, eles importam as enguias do Canadá.
http://www.bbc.com/news/uk-england-gloucestershire-34187086
. Em 13 de agosto, o Duque de Marlborough[20]Atualmente: James Spencer-Churchill
https://en.wikipedia.org/wiki/James_Spencer-Churchill,_12th_Duke_of_Marlborough
deve presentear a rainha com uma bandeira contendo uma flor de lis, em memória à batalha de Blenheim e o Duque de Wellington[21]Atualmente: Charles Wellesley
https://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Wellesley,_9th_Duke_of_Wellington
deve apresentar uma bandeira francesa antes do meio-dia de cada 19 de junho, aniversário da Batalha de Waterloo. E quem quer que seja o proprietário do Foulis Castle[22] Atualmente: Clan Munro
https://en.wikipedia.org/wiki/Clan_Munro
deve ser capaz de providenciar à rainha uma bola de neve em pleno verão, se ela assim solicitar (ela nunca solicitou, infelizmente).

London Bridge is down

Em algum momento no futuro, até mesmo a rainha morrerá. Provavelmente depois de mim, mas essa hora chegará a todos (menos ao Silvio Santos). As 88 listas do Bolão Pé na Cova[23]o Bolão Pé na Cova é o maior bolão de apostas em mortes de celebridades do mundo, mesmo que o Guinness Book não queira aceitar meu recorde. http://bolaopenacova.com/ que contém seu nome este ano deixam a impressão que esse momento não tardará a chegar.

O secretário particular da rainha, Sir Christopher Geidt, telefonará para a primeira-ministra (ou o primeiro ministro – quem quer que esteja no cargo, já que é possível que Theresa May deixe o mandato antes da rainha bater as botas; aliás, temos que também pensar na possibilidade do secretário, hoje com 56 anos, morrer antes da rainha) e passará o código “London Bridge is Down”[24]..que já deve ter mudado depois que o The Guardian publicou seu extenso e excelente artigo sobre o assunto. Não faz sentido usar um código se todo mundo sabe dele.. O governo britânico passará a notícia inicialmente para todos os 36 territórios que fazem parte da nossa fictícia Windsorland. A notícia chegará rápido para a população – pelo menos, mais rápido do que da última vez: quando George VI empacotou, o plano “Hyde Park” foi colocado em prática e a notícia só chegou a público quatro horas após o obituário. Não só será mais rápido, mas também será em um mundo novo: todas as rádios que atuam na Inglaterra ficam sabendo do falecimento com um tempo de preparação para que possam definir o clima do povo para o recebimento das notícias – elas possuem, por exemplo, uma playlist para ir lentamente alterando as músicas para uma pegada mais triste. O spotify, entretanto continuará o mesmo.

Os nove dias seguintes serão de luto, funerais e rituais milenares de transição. Por todo o país, bandeiras cairão e sinos badalarão[25]taí um verbo legal. O sino de Sebastopol será novamente tocado: ele só é batido na ocasião da morte de um rei, tendo soado 56 vezes em 1952, das 13h27 às 14h22, uma badalada para cada ano de vida de George VI. Taí um sino que vai ser bem gasto em breve. No quarto dia após sua morte, seu caixão será colocado em Westminster e uma fila para visitação pública se formará para inundar a internet com o maior número de selfies com um cadáver que a história já viu.
Acredita-se que a organização do funeral real[26]não sei por que eles não chamam oficialmente de Funeroyal se reuniu pela primeira vez antes de 1960 e, mais recentemente, fazem duas ou três reuniões anuais para atualizar os planos. Mas a rainha insiste em continuar viva.

Na primeira noite após ela empacotar, os sucessores reais serão apresentados. Antes de começar os trabalhos de pesquisa para este artigo, eu acreditava que Charles poderia renunciar para que seu filho William assumisse o trono. A lógica é que Charles é feio, entediante e impopular, principalmente depois do divórcio da eterna-princesa Diana. Já William é carismático, galã[27]ao lado de Ed Sheeran e Johnny Depp, príncipe William encabeça a deliciosa categoria dos galãs feios e mais querido pelo povo inglês. Além de Kate Middleton ser também mais querida e carismática do que Camilla. Mas seria extremamente difícil que Charles abdique: ele está há 66 anos como próximo da fila para ser rei – mais do que qualquer outra pessoa já ficou e, atualmente com 69 anos, ele seria o mais velho monarca britânico a assumir o trono.

Charles fará um discurso e os trompetistas reais sairão no balcão do Palácio de Buckingham e soarão suas trombetas. O Garter King of Arms[28]eu não sei como traduzir este termo[29]O atual Garter King of Arms é um genealogista chamado Thomas Woodcock. O salário dele é de £49,07 e não é aumentado desde a década de 1830. Não deixa seu chefe saber disso, vai tirar qualquer pretexto que você tenha para pedir um aumento. dará a primeira trombetada, iniciando a cerimônia de proclamação do novo Rei Charles[30]não confundir com Ray Charles. A pedra do destino será trazida novamente de Edinburgo, colocada debaixo do trono da Abadia de Westminster e o novo monarca britânico será coroado.

Apesar de ser próximo rei, o cargo Head of the Commonwealth não é hereditário e ninguém sabe exatamente como eleger o próximo chefão. A figura emblemática da rainha pode ser o que tenha segurado o Commonwealth e mantido Windsorland tão grande até o momento. Assim, o novo rei já pode começar o reinado perdendo mais e mais terras: a Austrália já expressou publicamente um desejo imenso de se tornar uma república. É bem provável que a morte da rainha seja o empurrão definitivo para uma troca de governo. Se o Brexit realmente for pra frente, é também extremamente provável que Escócia e Irlanda do Norte abandonem o Reino Unido em um futuro próximo. E, como se não fosse o bastante, a ilha de Tuvalu deverá afundar no meio do Pacífico nos próximos 30 a 50 anos[31]pobre Tuvalu: https://uk.reuters.com/article/environment-tuvalu-dc/tuvalu-about-to-disappear-into-the-ocean-idUKSEO11194920070913. A tendência de Windsorland é somente diminuir cada vez mais.

E, mesmo terminando seu reinado com um pentelhésimo do território com a qual começou e sem poder realmente continuar chamando de império, não há dúvidas que Elizabeth será lembrada na história como uma grande rainha.

God save the queen.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 http://nrt.paulovelho.com.br/play/queen/
2 As considerações de tamanho do território não levam em consideração a porção britânica da Antartica. O continente gelado é um tema delicado e algumas leis internacionais não reconhecem a existência do território britânico antártico – que, é meio que dividido/disputado com Argetina e Chile:
O tema da divisão Antártica é complexo e delicado e, tal qual uma operação anti-corrupção brasileira, quanto mais se aprofunda nele, mais fascinante ele se torna. Honestamente ele merece um texto próprio, antes que eu acabe criando notas de rodapé dentro de notas de rodapé aqui.
3 http://www.bbc.com/news/magazine-27910375
4 o livro foi originado de um blog cujo conceito é cópia descarada deste humilde blog (ou vice-versa, já não sei ao certo)
5 https://what-if.xkcd.com/48/
6 eu realmente não entendi completamente como o commonwealth funciona ou pra que serve. Honestamente, não me interessou e eu não me aprofundei; mas, uma vez que mais de dois bilhões de pessoas fazem parte do grupo, é interessante saber que ele existe:
https://www.worldatlas.com/articles/what-is-the-commonwealth.html
7
não esse Bahamas…
8 A “casa de Windsor” é relativamente nova, comparada com famílias reais milenares – mais nova até do que os Orleans e Bragança, tida como “a família real brasileira” (que recentemente vieram a público sugerir a volta da monarquia como uma das soluções para o caos político nacional, coitados). Isso porque a família real inglesa tinha como sobrenome Saxe-Coburg and Gotha, uma dinastia originalmente germânica. Em 1917, por conta de um pequeno desentendimento com os alemães (popularmente conhecido como Primeira Guerra Mundial), não pegava muito bem utilizar um sobrenome germânico, então a família real inglesa trocou o seu sobrenome para algo que soasse mais britânico. Elizabeth é somente a quarta monarca da casa de Windsor, depois de seu pai, George VI; seu tio, Edward VIII e seu avô, George V.
9 tá aqui uma lista de leis que tiveram que ser autorizadas pela família real: https://www.theguardian.com/uk/2013/jan/14/secret-papers-royals-veto-bills
10 Jerry Seinfeld têm um texto de stand-up incrível numa apresentação que ele fez em algum evento com Barack Obama e Paul McCartney na platéia. Em certo momento, ele falou sobre o ex-beatle:
“He’s a sir. And not as ‘I’m sorry, sir, there’s no more compact cars available…’, he’s a real sir. When Paul McCartney steps up to the enterprise counter and they go ‘yes, sir, can I help you?’, they mean it!”
https://www.youtube.com/watch?v=SzpVE5ixAG8
11 ainda assim, “sir” não é um título monárquico tão legal quanto aquele eu particularmente ocupo: barão do principado de Sealand.
12 é imposto pra caceta:
http://metro.co.uk/2017/11/06/does-the-queen-pay-taxes-and-how-much-does-it-cost-her-7056752/
13 o que me faz lembrar que os presidentes precisam, o que me diverte imaginar o Lula tendo que ir na PF pra renovar o dele
14 Carol Ann Duffy é a atual poetisa particular da rainha e ficará no cargo até 2019.
15 dados de 2016: http://fortune.com/2016/04/21/tqueen-elizabeth-birthday-net-worth/
16 Há uma piada recorrente em clubes de stand-up ingleses de que deve ser terrível ser o príncipe William e, toda vez que vai em um strip-club, colocar fotos da própria avó nas calcinhas das dançarinas.
17 Atualmente: Bruce Murray
https://en.wikipedia.org/wiki/Bruce_Murray,_12th_Duke_of_Atholl
18 Atualmente: Michael Brudenell
https://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Brudenell-Bruce,_8th_Marquess_of_Ailesbury
19 eles mandam a cada jubileu da rainha, mas recentemente, devido à escassez do peixe em águas inglesas, eles importam as enguias do Canadá.
http://www.bbc.com/news/uk-england-gloucestershire-34187086
20 Atualmente: James Spencer-Churchill
https://en.wikipedia.org/wiki/James_Spencer-Churchill,_12th_Duke_of_Marlborough
21 Atualmente: Charles Wellesley
https://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Wellesley,_9th_Duke_of_Wellington
22 Atualmente: Clan Munro
https://en.wikipedia.org/wiki/Clan_Munro
23 o Bolão Pé na Cova é o maior bolão de apostas em mortes de celebridades do mundo, mesmo que o Guinness Book não queira aceitar meu recorde. http://bolaopenacova.com/
24 ..que já deve ter mudado depois que o The Guardian publicou seu extenso e excelente artigo sobre o assunto. Não faz sentido usar um código se todo mundo sabe dele.
25 taí um verbo legal
26 não sei por que eles não chamam oficialmente de Funeroyal
27 ao lado de Ed Sheeran e Johnny Depp, príncipe William encabeça a deliciosa categoria dos galãs feios
28 eu não sei como traduzir este termo
29 O atual Garter King of Arms é um genealogista chamado Thomas Woodcock. O salário dele é de £49,07 e não é aumentado desde a década de 1830. Não deixa seu chefe saber disso, vai tirar qualquer pretexto que você tenha para pedir um aumento.
30 não confundir com Ray Charles
31 pobre Tuvalu: https://uk.reuters.com/article/environment-tuvalu-dc/tuvalu-about-to-disappear-into-the-ocean-idUKSEO11194920070913
32 https://www.townandcountrymag.com/society/tradition/a10021776/prince-charles-name-change-king/
nRT

Bora pra Marte

No dia 06 de fevereiro de 2018, um foguete decolou de um fiapo de terra escorrendo da Flórida. A carga do foguete continha um carro esporte conversível com um boneco no banco do motorista – convenientemente apelidado de Starman – encarando com alegria a vastidão do Universo à sua frente, uma mão no volante, o braço apoiado na lateral do carro, a tela do veículo exibindo a mensagem “Don’t Panic”, eternizada dos livros de Douglas Adams, trazendo visível tranqüilidade ao Starman e um alento à toda a humanidade.

O destino do carro era nenhum outro senão Marte[1]eu sei, eu sei… o destino nunca foi Marte em si, mas a idéia era resvalar na órbita marciana (sem entrar nela, inclusive).
Como a intenção do lançamento era testar o foguete e não o movimento de um conversível pelo espaço, pouca atenção foi dada ao propulsor do carro (acionado na hora de sair da órbita terrestre), que queimou um pouco mais do que devia e vai passar um pouco mais longe de Marte do que se imaginava.
O destino do carro é incerto ainda, mas ele provavelmente seguirá até o cinturão de asteróides e seguirá viajando indefinidamente pelo espaço até ser fatalmente esmagado por um asteróide. Tal qual a Terra.
. Nosso interesse por Marte não é à toa: dentre os oito planetas de nosso Sistema Solar (tá na hora de você superar o nosso relacionamento com Plutão, se você ainda não superou), temos gigantescas bolas de gelo com temperaturas abaixo de 200ºC, bolas de gás venenoso com tempestades que nunca terminam e, apenas quatro planetas rochosos: Mercúrio, Vênus, Terra e Marte.

Marte não é o planeta mais próximo da Terra. Esse posto fica com Vênus. Porém as condições lá não são muito boas: a temperatura pode chegar a 400ºC, a pressão atmosférica é 92 vezes a pressão terrestre e o ar é composto 96% por dióxido de carbono. Tudo isso torna o planeta muito parecido com o trânsito do Rio de Janeiro, então a humanidade perdeu o interesse por ele.

Mercúrio não só é ligeiramente mais distante do que Marte como também é menor e a temperatura varia entre 427ºC no sol e -173ºC na sombra. Ele também fica perto demais do Sol, o que exigiria uso de filtro solar de fator de proteção 200, encarecendo consideravelmente o custo da viagem.

Não é à toa que Marte se transformou na queridinha de todos os planos de exploração, colonização e conquista espacial: a adaptação às condições do planeta vermelho são extremamente propícias para nós, humanos: a temperatura varia entre 20ºC e -130ºC (ah, mas em Curitiba…); há sol suficiente para usarmos energia solar; ele possui uma leve atmosfera que pode proteger os colonos da radiação solar; tudo indica que é possível extrair água do solo; a gravidade é 38% da gravidade terrestre, o que significa que todo mundo em Marte perde peso, mas não tanto a ponto de ficar difícil a adaptação; e os dias possuem uma duração muito parecida com os dias na Terra, mas com 40 minutos a mais, justamente aqueles quarenta minutos que você sempre alega não ter para ir na academia.

Bora pra Marte então.

As grandes navegações

O termo “colonização” usado para se referir às atuais ambições humanas com Marte não é um exagero: a idéia por trás do Mars One[2]http://www.mars-one.com/ não é só enviar humanos para outro planeta mas também estabelecer uma comunidade por lá. É transformar a espécie humana em uma raça multi-planetária. E fazer tudo isso nesta geração.

A NASA tem planos para enviar os primeiros galegos em 2030. A SpaceX, como não é uma agência governamental e não fica empacada nas burocracias políticas, tem planos mais ousados: 2025 seria a primeira viagem. Em menos de uma década estaremos pisando em outro planeta. Isso é empolgante, é excitante. É a natureza humana de exploradores aflorando outra vez. É como estar novamente na época das Grandes Navegações, quando exploradores destemidos saíram do conforto de suas terras em busca de tempero, rumo ao desconhecido, com o risco de não mais voltar.

A última vez que a humanidade esteve tão empolgada com o espaço foi no final da década de 60, no auge da Corrida Espacial, quando pisamos na lua.[3]vale muito ler tudo do Tim Urban: https://waitbutwhy.com/2015/08/how-and-why-spacex-will-colonize-mars.html Por mais que o avanço científico desse feito seja evidente, é possível dizer que a motivação foi política. O que move as expedições atuais é pura ciência. O objetivo atual da comunidade espacial é algo fará a chegada do homem à lua parecer o equivalente ao que um mergulho nas águas do Tejo é para as Grandes Navegações.

Comparando com Marte, a lua é aqui do lado, seguindo ali por trás de Santana.

Marte é longe.

Quão Longe?

Calcular a distância entre Terra e Marte é que nem calcular a distância entre Bruna Marquezine e Neymar: relativamente, os dois ficam muito próximos durante um determinado período para depois se distanciar enormemente e, num ciclo de alguns meses depois, se aproximarem de novo. A janela de proximidade ocorre aproximadamente a cada 26 meses – tanto do Neymar e da Bruna quanto da Terra e Marte.
A distância média fica em torno de 225 milhões de quilômetros[4]https://www.space.com/16875-how-far-away-is-mars.html, mas como ambos os corpos possuem movimentos de translação distintos, esse valor pode chegar a mais de 400 milhões de quilômetros. Entretanto, quando a janela de proximidade se abre (a cada 26 meses mais ou menos), essa distância se reduz drasticamente, chegando a aproximadamente 55 milhões de quilômetros. Durante esse intervalo, o tempo de viagem entre Terra e Marte diminui consideravelmente, e, com a tecnologia atual, é possível chegar no planeta vermelho em cerca de três meses. Desnecessário dizer que é durante essa aproximação que a maioria das viagens para Marte são e continuarão sendo lançadas.

2018 é um desses anos. Marte está próxima e a NASA vai aproveitar o momento para enviar mais um de seus robôs de reconhecimento no planeta: o Insight.[5]https://mars.nasa.gov/insight/ Com lançamento atualmente agendado para 5 de maio, a expectativa é que ela chegue em Marte cerca de seis meses depois, em novembro – um peido em proporções espaciais. A Juno, por exemplo, foi lançada em Agosto de 2011 e só chegou ao seu destino em Julho de 2016, quase cinco anos depois.[6]https://www.nasa.gov/mission_pages/juno/main/index.html\
Juno foi(é/está sendo) uma missão da NASA com o objetivo de estudar Júpiter.
Pra ter uma idéia de quão longe é Júpiter, segue a animação com a trajetória da spacecraft:
https://www.youtube.com/watch?v=sYp5p2oL51g

Os planos iniciais de Elon Musk para a SpaceX eram de aproveitar a janela de 2018 para enviar as primeiras Red Dragon[7]As red-dragons, apesar de serem planejadas para estarem prontas este ano, fracassaram em conceito. As dragon, entretanto, são uma realidade:
http://www.spacex.com/dragon
Para ocupar o lugar das Red dragon nas missões marcianas e em nossos corações, uma nova spacecraft, maior e mais legalzona estaria já sendo planejada.
, mas recentemente ele teve que admitir que, sim, tal qual minha idéia de marcar um casamento com a Fernanda Paes Leme até o meio do ano passado, os planos dele também eram ambiciosos demais e a expectativa agora é usar a janela de outubro de 2020 para mandar as primeiras cápsulas-teste para Marte. Depois de outubro de 2020, as janelas se abrem em Dezembro de 2022 e, finalmente em Janeiro de 2025. Para a janela de 2025, Musk promete que uma missão tripulada será enviada, e nessa missão estariam os primeiros homens (e mulheres) a pisar em um outro planeta.

Já meus planos para um relacionamento feliz e duradouro com a Fernanda Paes Leme foram adiados por tempo indefinido.

Pé na Estrada

É difícil para a mente humana, acostumada com parâmetros de distância de, no máximo, algumas centenas de quilômetros, conceber o valor de 55 milhões de quilômetros. Como parâmetro de comparação, a maior estrada do Brasil é a BR-116, que liga Fortaleza, Ceará ao Uruguai. Os moradores de São Paulo conhecem essa rodovia por outros nomes: ela chega na cidade com o nome de Rodovia Presidente Dutra e sai da cidade com o nome de Régis Bittencourt. No total, a BR-116 possui cerca de 4.516km.[8]https://pt.wikipedia.org/wiki/BR-116
Mesmo se juntarmos todas as estradas dos Estados Unidos, incluindo ruas, rodovias e trilhas não-pavimentadas, teríamos “só” 6.58 milhões de km.[9]http://www.roadtraffic-technology.com/features/featurethe-worlds-biggest-road-networks-4159235/

Para tentar passar uma ínfima idéia do que representam 55 milhões de quilômetros e do tipo de vastidão tediosa que compõem o Universo, imagine três carros:

O primeiro carro está em Pelotas, no Rio Grande do Sul. É um VW Golf verde, levando uma família tipicamente brasileira: mãe, pai e um casal de filhos. O pai é conservador, a mãe não se interessa por política, o filho (mais novo) tá entretido no iPad e a filha mais velha tem um viés esquerdista. Eles vão pra Belém.

O segundo carro está em Lisboa, Portugal. São dois casais de jovens, na casa dos 20, em uma eurotrip. Como eles não tinham dinheiro, o único carro que conseguiram alugar era um Fiat 500 branco que agora eles percebem que é minúsculo demais para quatro passageiros e seis malas. A idéia deles é passar pelo maior número de capitais européias da forma mais rápida e direta possível. Saindo de Lisboa eles seguem para Madrid, Paris, Bruxelas, Amsterdam, Berlim, Varsóvia, Minsk e terminam em Moscou, ambicionando chegar a tempo da Copa.

O terceiro carro está no Cabo Canaveral na Flórida. De alguma forma incrível, a humanidade construiu uma rodovia asfaltada ligando a Flórida à Marte. A estrada parte de um ângulo de 90 graus com a Terra e segue reta, sem pedágios, até Marte. O carro é um Tesla Roadster e, dirigindo ele, está um boneco sem sentimentos, sem necessidades biológicas e/ou fisiológicas, que só quer chegar logo em Marte para jogar pôker com o Matt Damon.

Os três carros saem ao mesmo tempo e seguem na velocidade de 100km/h.

As primeiras quatro horas.

No Rio Grande do Sul, eles chegam em Porto Alegre. As crianças estão entediadas já. O garoto começa a olhar com preocupação a bateria do seu iPad e sugere parar em algum lugar pra carregar um pouco a bateria do aparelho. A irmã reclama, diz que é uma viagem muito longa pra se fazer com a família. Eles cruzam a capital gaúcha apreciando suas atrações turísticas: o Rio Guaiba (que eles descobriram tarde demais que não possui nascente, então é um lago, mas como todo mundo já tinha chamado de “rio”, então eles tiveram que batizar o lago como “Lago Rio Guaiba”), o estádio do Internacional “Beira Rio” (que não beira um rio. beira um lago), a Gruta Azul, a Tia Carmem…

Se eles nem saíram do estado no Brasil, na Europa, eles já mudaram de país: Depois de duas horas de eurotrip eles já cruzaram a fronteira com a Espanha. As placas apontam que faltam pouco mais de 100km para chegarem em Madrid. Alguém sugere desviar para Toledo para comprar facas, mas ninguém sabe direito quem foi porque todo mundo está soterrado por malas no carro.

Já o Tesla segue indo pra cima. Com um pouco mais de 5 minutos de viagem ele está mais alto do que o Everest. Com 9 minutos de viagem pra cima, ele já está mais alto do que qualquer avião comercial consegue voar.

Aos 23 minutos de viagem para cima, o Tesla já percorreu 39km. Uma placa na rodovia indica que foi naquela altitude que Felix Baumgartner realizou o maior salto em direção ao chão que o homem já fez.[10]Não canso de ver: https://www.youtube.com/watch?v=FHtvDA0W34I Logo depois desse marco, o Tesla entra na “mesosfera”, uma das últimas camadas da atmosfera terrestre, aonde a temperatura pode chegar a até -90ºC.

Com 100km, o carro chega na “termosfera”, e a temperatura volta a esquentar. O carro vai passar um tempo ainda na termosfera, já que essa camada termina em uma altitude que pode variar entre 500km e 1000km de altura. Mas aqui as coisas começam a ficar mais interessantes: não há nuvens, mas se o boneco for sortudo, é na termosfera que ele vai ver a Aurora. Aos 215km fica outro ponto histórico: é a altura de órbita do Sputnik, o primeiro satélite criado pelo homem. É por volta dessa altura também que a Vostok 1 fez sua órbita, carregando o russo Yuri Gagarin, primeiro homem a ir para o espaço.[11]http://www.esa.int/About_Us/Welcome_to_ESA/ESA_history/50_years_of_humans_in_space/The_flight_of_Vostok_1 Tecnicamente então, o Tesla já está no espaço.

Entre 330km e 450km de altitude, é onde ele vai encontrar o primeiro (e último, espero) resquício de vida humana da viagem: é nessa altura que viaja a ISS, que está sempre habitada por pelo menos três tontos. A International Space Station é pouco comentada, comparada com a sua importância: logo ali na órbita terrestre, tão perto que é possível vê-la a olho nu, a humanidade estabeleceu uma moradia rotatória.[12]Uma vez, num encontro de astrônomos, me ensinaram a ver a ISS. Precisa ser logo no começo do dia ou no final, quando o sol não atrapalha, mas seus raios ainda brilham no céu. Há diversos apps para celular que monitoram o posicionamento de satélites, como por exemplo, o Starwalk. Com um pouco de sorte, luz do sol corretamente posicionada e informações desse app, você pode ver a ISS passando no céu, praticamente naquele horizonte aonde o dia termina e a noite começa ou vice-versa.
Além disso, a ISS é realmente interessantíssima…
https://www.nasa.gov/mission_pages/station/main/index.html
Posição atual da ISS: http://iss.astroviewer.net/

As primeiras 20 horas

Uma das principais atrações turísticas que nosso boneco pode visitar aqui perto é o telescópio espacial Hubble. Telescópios, quando manuseados a partir da terra, encontram um obstáculo um tanto quanto incômodo na visão do espaço: a atmosfera. A luz das estrelas é parcialmente distorcida quando passa pela atmosfera terrestre. Isso não é problema para o povo maia prever o fim do mundo, ou para o astrólogo do jornal de domingo inventar suas pataquadas, mas é para cientistas de verdade tirarem medições e pegarem imagens tão perfeitas quanto possível do espaço. Oras, se a atmosfera atrapalha, porque não colocar um telescópio no espaço? Todo mundo sabe que tudo fica mais legal quando vai pro espaço![13]Machete Kills Again. In Space! http://www.imdb.com/title/tt2002719/
Fast and Furious Director Thinks Going to Space Is Very Possible: https://screenrant.com/fast-furious-9-space-director-comments/
https://www.youtube.com/watch?v=h77gdTbqvSo (achou que não ia ter link pro Choque de Cultura? achou errado, otário)

O Hubble foi mandado pro espaço em 1990 e ainda está trabalhando loucamente. Com as novas regras de aposentadoria, ele não vai poder parar tão cedo. Ele vai seguir na labuta pelo menos até 2020, porém seu sucessor, com um nome muito menos amigável (“James Webb Space Telescope”, parece que acabaram os nomes fofos da NASA[14]James Webb Space Telescope já tem site: https://www.jwst.nasa.gov/) deve ser mandado pro espaço em 2019. A órbita do Hubble segue caindo a cada ano e, se ninguém tomar atitudes, o telescópio vai se espatifar com a Terra lá pra 2028.[15]http://hubblesite.org/ vale ver tudo que o Hubbel fotografa…
Em especial, as mais linda foto do espaço ja tirada (in my hubble opinion): The Pillars of Creation
https://www.nasa.gov/content/goddard/hubble-goes-high-definition-to-revisit-iconic-pillars-of-creation

Perto dos 600km de estrada, o Tesla vai entrando numa região conhecida como “Low Earth Orbit” (LEO), aonde a imensa maioria dos satélites de comunicação orbitam. Nessa altura, a órbita varia entre 90 e 120 minutos. Nessa altura também que podemos encontrar George Clooney flutuando pelo espaço desde o filme “Gravidade”. É nessas próximas centenas de quilômetros que é mais provável que nosso boneco veja um dos mais de 4500 satélites que orbitam a Terra.[16]…de acordo com o United Nations office for outer space affairs. Que nome legal.
http://www.unoosa.org/oosa/en/spaceobjectregister/national-registries/index.html
A região da LEO acaba depois de 2000km, ou 20 horas de viagem.

Depois de 20 horas de viagem, nossa intrépida família em seu Golf Verde já chegou em São Paulo. Eles estão parando pela terceira vez para encher o tanque, em um dos postos da marginal Tietê. O garoto já dormiu e acordou algumas vezes, a mãe segue comendo biscoitos maizena e a filha passou a criticar a alta velocidade imposta pela gestão Dória.

E, se é possível chegar de Pelotas a São Paulo, nossos viajantes europeus já estão avistando a Torre Eiffel. 20 horas é o tempo de viagem entre Lisboa e Paris, com uma parada no Museu do Jamon em Madrid. Cada um deles saca seu instagram para tirar fotos rápidas no louvre e no arco do Triunfo e a viagem continua.

As próximas 20 horas

Saindo de Paris, as próximas 20 horas seriam suficientes para passar por outras 4 capitais européias: Bruxelas, Amsterdam, Berlim e Varsóvia. É o segundo dia de viagem e dois terços do continente já foram percorridos. As pernas de todos dentro do carro já estão adormecidas, em parte por não se moverem, em parte pelo peso da mala que cada um carrega no colo.

Um pouco mais de 20 horas também é o tempo que nossa triste família leva para chegar de São Paulo a Porto Seguro, na Bahia. Eles param um pouco no Rio, aonde o garoto tem o iPad roubado. Seguem pela BR-116 até Governador Valadares, daonde eles fazem um desvio para o litoral baiano.

O Tesla segue pela estrada. Acima de 2000km, ele percorre a “Medium Earth Orbit” (MEO) (não confundir com Middle Earth Orbit, com seus satélites capazes de prever o tempo em Valinor). O boneco pode ficar entediado se quiser: a MEO segue por mais 34.000km de vastidão espacial.

Você chegou ao seu destino

Quem chega primeiro? Alguém indo de Pelotas a Fortaleza ou um grupo viajando de Lisboa a Moscou?
Perto de Salvador, o VW Golf verde volta a encontrar a BR-116. A família passou as últimas 10 horas discutindo. Os pais concluíram que o melhor é o divórcio. O filho cogita a emancipação e a filha flerta com o lesbianismo. 10 horas depois e eles chegam a Fortaleza, no final (ou no começo da BR-116). A mãe abandona o carro e vai pegar um avião. de volta pra Pelotas. A filha vai pegar um ônibus de volta pra Porto Seguro. O filho pensa em um intercâmbio no Canadá. O pai chora no carro.

Mais de cinco horas antes, o grupo chegou em Moscou. A tempo para a Copa. Eles ainda tiveram que pegar a longa fila da alfândega na entrada da Bielorússia, onde descobriram que passaportes europeus não valem nada nos países soviéticos. Passaram pela desolada Minsk, onde não conseguiram encontrar nada de interessante pra gerar um Instagram Stories e, pouco mais de 54 horas depois de terem saído de Lisboa, chegam em Moscou.

Enquanto um carro andou por 60 horas na mesma direção sem sair do Brasil, os viajantes passaram em menos tempo por Lisboa, Madrid, Paris, Bruxelas, Amsterdam, Berlim, Varsóvia, Minsk e Moscou: 9 capitais em pouco mais de dois dias. Quase uma viagem CVC.

E pra Marte?

Já o nosso boneco precisaria de muito mais tempo: só para sair da Medium Earth Orbit, são mais 300 horas de viagem (12 dias). Na fronteira com a High Earth Orbit, ele passa por outro marco: uma placa aponta os 35.786km de estrada. Esse valor aparentemente randômico tem uma importância especial: satélites que ficam nessa região possuem um tempo de órbita de 24 horas. Sendo assim, eles estão constantemente apontados para a mesma região do planeta. Por isso eles são chamados de satélites geoestacionários. Há cerca de 600 deles na região, sendo o ponto mais povoado do espaço.[17]isso é legal demais:
http://stuffin.space/
este infográfico também:
https://qz.com/296941/interactive-graphic-every-active-satellite-orbiting-earth/

Acima desse ponto, começa a High Earth Orbit, e os satélites vão ficando mais e mais escassos. A viagem segue uma vastidão de imenso nada pelos próximos 145 dias, quando o boneco finalmente chegaria… na lua! Isso equivale a 0,7% da viagem.

Se imaginarmos um Faustão de 55 milhões de quilômetros de altura indo dos estúdios do Projac até Marte, depois de 160 dias de viagem, o Tesla ainda não teria saído da sola do sapato de Fausto Silva.[Fausto <3] Se seguisse na velocidade de 100km/h, o Tesla levaria quase 63 anos de viagem para chegar em Marte.

Por sorte, o Tesla de Elon Musk lançado no espaço no começo do mês de fevereiro seguia uma velocidade muito maior: mais de 11.000km/h. Mantendo essa velocidade, o Roadster com o Starman levaria quase sete meses para percorrer os 55 milhões de quilômetros.

Por isso, as perspectivas realistas de três meses para chegar em Marte são extremamente animadoras. O tempo é tão curto que não nos faz perceber o quanto o planeta vermelho está longe de nós.

Acelera, Marte!

E, se as perspectivas atuais já são satisfatórias, o futuro parece extremamente promissor. Se os experimentos com o misterioso motor EmDrive seguirem dando resultados positivos, o tempo de viagem poderia ser diminuído para 70 dias! Pouco mais de 10 semanas de viagem nos separariam de nossa colônia extra-terrestre. Os europeus tinha piores viagens na época das grandes navegações.

As viagens espaciais atuais envolvem uma imensa aceleração inicial e nenhuma aceleração artificial no resto do caminho. As trajetórias fazem uso da gravidade de planetas e estrelas para acelerar as espaçonaves. É como se nosso carro tivesse uma aceleração inicial enorme e seguisse na banguela pelo resto da viagem. Como não há resistência do ar, ele não desacelera.

Já o motor EmDrive não precisa de combustível e, tal qual o Faustão, pode continuar acelerando durante todo o caminho daqui até o planeta vermelho. A NASA e a agência espacial chinesa já fizeram testes com o motor no espaço e os resultados foram positivos.

O único problema que o motor EmDrive enfrenta atualmente é: ele não faz sentido. Ele viola completamente as leis da física newtoniana e não deveria funcionar. Mas funciona. E a comunidade científica não sabe explicar o porquê.[18]http://emdrive.com/

exemplo de funcionamento do motor emdrive

 

A atual era da conquista espacial pode acabar levando a uma completa revisão de toda a física atualmente conhecida. Os resultados disso podem ser uma revolução na forma como produzimos e consumimos energia. Atingiríamos a tão sonhada energia limpa, barata e infinita. Parece estarmos no caminho pra isso.

Até chegarmos lá, porém, vamos ter que continuar ouvindo muita gente dizer que não temos que nos preocupar com exploração espacial ou que os governos e entidades privadas precisam parar de mandar “lixo” pro espaço e gastar dinheiro com soluções para os problemas aqui na Terra.

Mas Marte nos espera. O planeta é logo ali.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 eu sei, eu sei… o destino nunca foi Marte em si, mas a idéia era resvalar na órbita marciana (sem entrar nela, inclusive).
Como a intenção do lançamento era testar o foguete e não o movimento de um conversível pelo espaço, pouca atenção foi dada ao propulsor do carro (acionado na hora de sair da órbita terrestre), que queimou um pouco mais do que devia e vai passar um pouco mais longe de Marte do que se imaginava.
O destino do carro é incerto ainda, mas ele provavelmente seguirá até o cinturão de asteróides e seguirá viajando indefinidamente pelo espaço até ser fatalmente esmagado por um asteróide. Tal qual a Terra.
2 http://www.mars-one.com/
3 vale muito ler tudo do Tim Urban: https://waitbutwhy.com/2015/08/how-and-why-spacex-will-colonize-mars.html
4 https://www.space.com/16875-how-far-away-is-mars.html
5 https://mars.nasa.gov/insight/
6 https://www.nasa.gov/mission_pages/juno/main/index.html\
Juno foi(é/está sendo) uma missão da NASA com o objetivo de estudar Júpiter.
Pra ter uma idéia de quão longe é Júpiter, segue a animação com a trajetória da spacecraft:
https://www.youtube.com/watch?v=sYp5p2oL51g
7 As red-dragons, apesar de serem planejadas para estarem prontas este ano, fracassaram em conceito. As dragon, entretanto, são uma realidade:
http://www.spacex.com/dragon
Para ocupar o lugar das Red dragon nas missões marcianas e em nossos corações, uma nova spacecraft, maior e mais legalzona estaria já sendo planejada.
8 https://pt.wikipedia.org/wiki/BR-116
9 http://www.roadtraffic-technology.com/features/featurethe-worlds-biggest-road-networks-4159235/
10 Não canso de ver: https://www.youtube.com/watch?v=FHtvDA0W34I
11 http://www.esa.int/About_Us/Welcome_to_ESA/ESA_history/50_years_of_humans_in_space/The_flight_of_Vostok_1
12 Uma vez, num encontro de astrônomos, me ensinaram a ver a ISS. Precisa ser logo no começo do dia ou no final, quando o sol não atrapalha, mas seus raios ainda brilham no céu. Há diversos apps para celular que monitoram o posicionamento de satélites, como por exemplo, o Starwalk. Com um pouco de sorte, luz do sol corretamente posicionada e informações desse app, você pode ver a ISS passando no céu, praticamente naquele horizonte aonde o dia termina e a noite começa ou vice-versa.
Além disso, a ISS é realmente interessantíssima…
https://www.nasa.gov/mission_pages/station/main/index.html
Posição atual da ISS: http://iss.astroviewer.net/
13 Machete Kills Again. In Space! http://www.imdb.com/title/tt2002719/
Fast and Furious Director Thinks Going to Space Is Very Possible: https://screenrant.com/fast-furious-9-space-director-comments/
https://www.youtube.com/watch?v=h77gdTbqvSo (achou que não ia ter link pro Choque de Cultura? achou errado, otário)
14 James Webb Space Telescope já tem site: https://www.jwst.nasa.gov/
15 http://hubblesite.org/ vale ver tudo que o Hubbel fotografa…
Em especial, as mais linda foto do espaço ja tirada (in my hubble opinion): The Pillars of Creation
https://www.nasa.gov/content/goddard/hubble-goes-high-definition-to-revisit-iconic-pillars-of-creation
16 …de acordo com o United Nations office for outer space affairs. Que nome legal.
http://www.unoosa.org/oosa/en/spaceobjectregister/national-registries/index.html
17 isso é legal demais:
http://stuffin.space/
este infográfico também:
https://qz.com/296941/interactive-graphic-every-active-satellite-orbiting-earth/
18 http://emdrive.com/
nRT

Ô loco, bicho! Olha o tamanho dessa fera!

Se há um grande homem na televisão brasileira, este homem é Fausto Silva. Há mais de 30 anos na televisão, o cara ainda consegue ser relevante e ainda parece ter mais coisa para falar do que seus convidados. Podem ser as eternas reprises de video-cassetadas, o jeito espalhafatoso, as intrigas com o Caçulinha, ou simplesmente porque a gente não tem mesmo nada melhor para fazer em um domingo à tarde, o Domingão do Faustão ainda é sucesso. E mais do que um apresentador, Faustão hoje é um meme, com uma vasta faustopedia de frases e até fã clube oficial no twitter[1]@faustanetes, o fã clube oficial do apresentador/ comediante/ filantropo/ empresário/ ator/ cantor e modelo Fausto Silva.. Mais do que nunca, tanto no pessoal quando no profissional, essa fera… Faustão é amor. Faustão é vida.

O Domingão do Faustão está no ar desde 1989. Para a geração de millenials mimados, que cresceu na seqüência Faustão-Fantástico-Topa Tudo, sem a segunda tela pra ficar xingando muito no twitter, uma das lembranças clássicas do programa é a abertura do Faustão gigantesco, exibida entre 1992 e 1996, produzida num Macintosh arcaico pelo Hans Donner[2]citation needed – eu tirei essa informação do meu rabo. mas não me surpreenderia se ela estiver certa..

Grande Faustão!

Quão grande?

Gigantesco.

Não é só o Faustão que impressiona, mas também a sua velocidade de crescimento. No que parecia ser mais um domingo comum “quem sabe faz ao vivo, essa fera!”, Faustão começa a crescer loucamente. Isso não parece incomodar as bem treinadas dançarinas, que seguem sua coreografia, como se nada estivesse acontecendo. Faustão prova ser um cara cabeça dura, quebrando o teto do seu estúdio no Rio de Janeiro (desde 2015 o programa é gravado em São Paulo).

Baseando-se no vídeo, é possível ver que o apresentador começa seu crescimento aos 5 segundos. Podemos assumir esse momento como $$t_{0}$$, aonde Faustão tem a altura $$h_{0} = 2m$$ e o peso $$m_{0} = 120kg$$[3]ao contrário da Marvel, que disponibiliza uma base de dados de seus personagens (http://marvel.com/characters/browse), incluindo dados como peso e altura, a Rede Globo não faz o mesmo. Foi meio complicado encontrar fontes confiáveis da altura e peso do Fausto Silva. A internet é um antro de dados discrepantes, com dados que o Faustão tem entre 1,87m e até 2,07m de altura. Confio nos dados do Google, que dizem que Faustão tem 1,88m, mas como a altura inicial é apenas uma referência, assumir h0 como 2 metros já deixa qualquer engenheiro feliz da vida. Já o peso varia, não só pelas informações disponíveis – um site sem a menor credibilidade até garante que “Faustão e André Marques passaram do peso limite em um simulador de montanha russa na disney (na ocasião o limite era de 380 Kg)” -, mas também pela época que levarmos em consideração. Em 2009, Faustão teria dito numa entrevista após sua cirurgia de redução de estômago que chegou a pesar 152 quilos. Eu vou levar em conta essa informação da Istoé Gente que considera o peso do Faustão como 120 quilos, por ser a mais antiga encontrada (ano 2000) e também porque eu gosto de fazer contas com múltiplos exatos de doze.. Aos 14 segundos da abertura, seu corpo já está parcialmente fora do estúdio, saindo pelo teto.

Usando a cena como referência é possível começar a estipular a altura de Fausto Silva em $$t=9$$. Tendo o ambiente ao redor como parâmetro, é possível calcular a altura do nosso caríssimo em cerca de 12 metros[4]é aproximado. e eu gosto de fazer contas com múltiplos de doze.. Isso seria mais ou menos equivalente à altura do Borba Gato (contando com o pedestal).

E o Faustão poderia muito bem ter pensado em entrevistar o Borba Gato (“Essa fera aí, bicho. Ele que já foi bandeirante, já descobriu minas, foi administrador, gestor, empresário, ex-Big Brother, atual ponto turístico de Santo Amaro …o genro do Fernão Dias, olha o tamanho da criança!“), uma vez que, assim que adquire tamanho suficiente para ganhar a liberdade, Fausto foge para São Paulo (ele não gostava mesmo de gravar no Rio).

Numa ação que provavelmente esmagou milhares de brasileiros, Faustão é negligente e não parece se importar com o estrago causado por ele mesmo, enquanto sai andando por aí com suas meias vermelhas. Em certo ponto, ao pisar despretensiosamente em uma avenida, é possível usar os carros passando ao redor como referência para um novo cálculo aproximado do tamanho do apresentador. Assim, aos 23 segundos de vídeo, em $$t=18$$, é possível estipular o tamanho do sapato do Faustão em 16,5 metros de largura – o que daria quase 50 metros de comprimento.

Como as roupas do Faustão misteriosamente crescem junto com ele (já que não é estranho o suficiente um apresentador estar crescendo loucamente por aí), é possível estipular o tamanho de seu pé em cerca de 42 metros. A grosso modo, o tamanho do pé é o equivalente a 15% da altura do indivíduo[5]tem aqui um artigo científico deveras interessante sobre como calcular a altura de um caboclo baseado no tamanho da pegada: http://www.dentalage.co.uk/wp-content/uploads/2014/09/giles_e_et_al_1990_foot_length__height.pdf (cuidado: pdf), então podemos calcular uma altura de 280 metros para o Faustão de São Paulo.

Se em cada passo dado pelo apresentador ele percorre uma extensão de 116 metros[6]stride é o termo usado para calcular a distância percorrida por cada passo. A grosso modo, a fórmula rápida de cálculo é: $$(altura) * 0.415$$, é possível concluir que ele precisou apenas de 3740 passos para completar o trajeto entre Rio de Janeiro e São Paulo.

Porém, os dados obtidos com a passagem de Faustão por São Paulo demonstram um outro problema: Fausto Silva não está apenas crescendo descontroladamente como também sua velocidade de crescimento está aumentando.

Há uma aceleração no processo de crescimento. Pelos valores obtidos até agora, é possível concluir que o valor dessa aceleração gira em torno de $$1,58 m/s^2$$. Esse valor é importante porque a partir deste momento do vídeo, é difícil ter referenciais para a medição do tamanho do apresentador. A razão óbvia é que ele ficou tão grande que só consegue aparecer quando está longe, praticamente no horizonte, e a dificuldade de estipulação do tamanho se deve à perspectiva. Como, por exemplo, na cena que Faustão é avistado a partir das Cataratas do Iguaçu:

Pela distância de Faustão da cena e de qualquer ponto referencial, não podemos concluir seu tamanho. Não é possível também garantir que Faustão ainda está em São Paulo, dado a velocidade com que ele viaja pelo Brasil (tendo percorrido 430km em apenas 9 segundos). A única certeza que se tem é que Fausto Silva é maior do que as cataratas, e pela perspectiva, dá pra ter certeza que ele possui mais de 200 metros de altura.

Como a edição de vídeo não colabora, resta à física e matemática nos trazerem os resultados. Na dita cena, aos 38 segundos (portanto em $$t=33$$), Faustão teria cerca de 860m de altura, maior do que o Burj Khalifa, em Dubai, o maior prédio do mundo.

 

No final do vídeo, mantendo a aceleração de crescimento, Faustão teria alcançado 2670 metros de altura. Não é tão alto quanto parece a princípio (o tapete do Alladin, por exemplo, atingiu a altitude de 4500 metros), mas ele pode parecer maior graças à perspectiva da câmera (num truque simples, filmando de baixo para cima) ou devido ao fato dele estar acima das nuvens. Em relação ao segundo quesito, perguntei à minha especialista em nuvens se, com um Faustão de 2670m de altura, seria plausível encontrar stratocumulus na altura de seu umbigo. “Talvez“, disse ela[7]eu honestamente às vezes me sinto mal de incomodar pessoas inteligentes e com tanta coisa pra fazer com esse tipo de questionamento. Ainda mais com uma pergunta que eu poderia ter confiado na resposta da internet: http://nenes.eas.gatech.edu/Cloud/Clouds.pdf (cuidado: pdf). É que eu confio mais na opinião de profissionais e especialistas conhecidos do que no “Nenes Research Group“…. “Talvez” é o suficiente para sustentar esse resultado.

Se ele mantiver a mesma densidade durante o processo, o Faustão do final da abertura estaria pesando cerca de 178 toneladas, o transformando no segundo maior mamífero da terra[8]A baleia azul pode pesar até 200 toneladas. Por isso quem brinca com ela acaba morrendo.. Como suas roupas crescem proporcionalmente, nesse ponto o seu cinto seria grande o suficiente para dar três voltas em torno do Coliseu (aquele de Roma)[9] Numa entrevista recente, Faustão declarou que atualmente usa calças tamanho 46, que possuem uma cintura entre 108 e 112 centímetros..

Haja bariátrica.

 

E se Faustão não parasse de crescer?

Só o fato dessa pergunta poder ser feita já é aterrorizante. Por dois motivos: Primeiro que o Faustão cresce MUITO rápido. E segundo que ele começou a crescer em 1992, então 25 anos depois ele certamente teria já teria alcançado audaciosamente aonde nenhum ser humano jamais esteve.

Na verdade, não precisaria de muito. Com a atual taxa de aceleração de crescimento, bastariam pouco mais de seis horas para Fausto Silva bater a cabeça na lua. Ainda a tempo do Fantástico reportar o fato[10]Eu tinha a impressão de que o programa do Faustão era muito maior antigamente. Só de pensar que ele tinha uma hora de arquivo confidencial, depois uma hora de Olimpíadas do Faustão, depois uma hora de Video-cassetadas, e ele ainda fazia incontáveis minutos de bullying no Caçulinha e no Renatão entre esses quadros. Chego a ter a impressão que, seis horas depois da abertura do programa, o Faustão ainda estaria no ar.
Mas, em uma das revisões do texto, fui confrontado com a questão se eu realmente tinha conferido se daria tempo do Fantástico reportar o fato. Incrivelmente, eu consegui encontrar a programação da Rede Globo de 12 de janeiro de 1992:
Rede Globo (canal 5)
06h20 – Educação em Revista
06h40 – Santa Missa em Seu Lar
07h35 – Globo Ciência
08h05 – Globo Ecologia
08h30 – Globo Rural
09h30 – Herói Por Acaso: O Castigo de Andrew
09h55 – Drácula: Cruz Benzida
10h20 – Super Force: Deus é Minha Testemunha
10h50 – Anjos da Lei: Todo Dia é Natal
11h35 – Profissão Perigo: Nada Pessoal no Negócio
12h25 – Os Simpsons: A Odisseia de Homer
12h55 – Temperatura Máxima: “Se Meu Fusca Falasse”
14h50 – Domingão do Faustão
18h10 – Cinema Especial: “Os Saltimbancos Trapalhões”
20h00 – Fantástico
22h00 – Os Gols do Fantástico
22h15 – Domingo Maior: “Escalado Para Morrer”
24h35 – Placar Eletrônico
01h05 – Cineclube: “No Assombroso Mundo da Lua”
A manhã de domingo da Globo era uma deliciosa coleção de enlatados americanos – Não sei o que faz uma emissora exibir Drácula às 10 da manhã. Esta grade também deixa parecer que eles realmente exibiam “Se meu fusca falasse” todo domingo… Mas eu fiquei mesmo fascinado com o filme “No assombroso mundo da lua“, de 1967 (dois anos antes de Neil Armstrong pisar na lua), cujo plot é um astronauta que foi enviado para a lua e precisa dar um jeito de sobreviver até a chegada da missão Apollo (trailer). É o “The Martian” de 1967.
Seis horas depois da abertura do Faustão, seria bem o meio do Fantástico. Ainda a tempo do Celso Freitas reportar a notícia.
O grande problema é que qualquer cálculo deve envolver também a sua constante aceleração. Ao final do vídeo Faustão cresce a espantosos $$70,85 m/s$$ – ou $$255 km/h$$. Nesse ritmo, bastaria pouco mais de três dias para que Faustão batesse em Marte. Isso é longe pra caramba[11]citation needed. Sério, eu tenho outro nRT em produção pra tentar exemplificar o quão longe é Marte.. Como comparação, os atuais planos da Space X estipulam em três meses o tempo de viagem para o planeta vermelho[12]http://waitbutwhy.com/2016/09/spacexs-big-fking-rocket-the-full-story.html. Cinco dias depois de começar a crescer, Faustão estaria chamuscando o cabelo no Sol.

Levaria dois meses para Faustão alcançar a sonda Voyager, estando simultaneamente na terra e ao mesmo tempo sendo o ponto mais distante da Terra que a humanidade já mandou algo[13]é legal acompanhar a Voyager em tempo real: https://voyager.jpl.nasa.gov/where.

Vinte e cinco anos depois de começar a crescer, Faustão teria uma altura de 491.044.000.000.000 km, ou quase 52 anos-luz – o que significa que se alguém acendesse uma lanterna no pé do cara, a luz dela levaria 52 anos para chegar no topo da cabeça. A estrela mais próxima da Terra (Proxima Centauri) está a 4,3 anos-luz de nós. Faustão teria chegado nela em março de 1999.

Para ter uma idéia de quão grande é o Universo, para chegar em Canis Major Dwarf[14]Que nome foda. Quero chamar meu filho assim., a galáxia mais próxima de nós[15]fora a Milky Way, que “é” nós., ele teria que ter cerca de 25000 anos-luz de altura.

Quer dizer… Em determinado ponto o Faustão teria uma massa tão grande que provavelmente se transformaria num corpo gravitacional disformemente redondo, quando sua massa começasse a atrair a si mesmo. Ele teria gravidade própria e, com um peteleco bem colocado, seria possível fazer a Terra orbitar em torno do Faustão. Da mesma forma que nossas vidas orbitam a cada domingo.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 @faustanetes, o fã clube oficial do apresentador/ comediante/ filantropo/ empresário/ ator/ cantor e modelo Fausto Silva.
2 citation needed – eu tirei essa informação do meu rabo. mas não me surpreenderia se ela estiver certa.
3 ao contrário da Marvel, que disponibiliza uma base de dados de seus personagens (http://marvel.com/characters/browse), incluindo dados como peso e altura, a Rede Globo não faz o mesmo. Foi meio complicado encontrar fontes confiáveis da altura e peso do Fausto Silva. A internet é um antro de dados discrepantes, com dados que o Faustão tem entre 1,87m e até 2,07m de altura. Confio nos dados do Google, que dizem que Faustão tem 1,88m, mas como a altura inicial é apenas uma referência, assumir h0 como 2 metros já deixa qualquer engenheiro feliz da vida. Já o peso varia, não só pelas informações disponíveis – um site sem a menor credibilidade até garante que “Faustão e André Marques passaram do peso limite em um simulador de montanha russa na disney (na ocasião o limite era de 380 Kg)” -, mas também pela época que levarmos em consideração. Em 2009, Faustão teria dito numa entrevista após sua cirurgia de redução de estômago que chegou a pesar 152 quilos. Eu vou levar em conta essa informação da Istoé Gente que considera o peso do Faustão como 120 quilos, por ser a mais antiga encontrada (ano 2000) e também porque eu gosto de fazer contas com múltiplos exatos de doze.
4 é aproximado. e eu gosto de fazer contas com múltiplos de doze.
5 tem aqui um artigo científico deveras interessante sobre como calcular a altura de um caboclo baseado no tamanho da pegada: http://www.dentalage.co.uk/wp-content/uploads/2014/09/giles_e_et_al_1990_foot_length__height.pdf (cuidado: pdf)
6 stride é o termo usado para calcular a distância percorrida por cada passo. A grosso modo, a fórmula rápida de cálculo é: $$(altura) * 0.415$$
7 eu honestamente às vezes me sinto mal de incomodar pessoas inteligentes e com tanta coisa pra fazer com esse tipo de questionamento. Ainda mais com uma pergunta que eu poderia ter confiado na resposta da internet: http://nenes.eas.gatech.edu/Cloud/Clouds.pdf (cuidado: pdf). É que eu confio mais na opinião de profissionais e especialistas conhecidos do que no “Nenes Research Group“…
8 A baleia azul pode pesar até 200 toneladas. Por isso quem brinca com ela acaba morrendo.
9 Numa entrevista recente, Faustão declarou que atualmente usa calças tamanho 46, que possuem uma cintura entre 108 e 112 centímetros.
10 Eu tinha a impressão de que o programa do Faustão era muito maior antigamente. Só de pensar que ele tinha uma hora de arquivo confidencial, depois uma hora de Olimpíadas do Faustão, depois uma hora de Video-cassetadas, e ele ainda fazia incontáveis minutos de bullying no Caçulinha e no Renatão entre esses quadros. Chego a ter a impressão que, seis horas depois da abertura do programa, o Faustão ainda estaria no ar.
Mas, em uma das revisões do texto, fui confrontado com a questão se eu realmente tinha conferido se daria tempo do Fantástico reportar o fato. Incrivelmente, eu consegui encontrar a programação da Rede Globo de 12 de janeiro de 1992:
Rede Globo (canal 5)
06h20 – Educação em Revista
06h40 – Santa Missa em Seu Lar
07h35 – Globo Ciência
08h05 – Globo Ecologia
08h30 – Globo Rural
09h30 – Herói Por Acaso: O Castigo de Andrew
09h55 – Drácula: Cruz Benzida
10h20 – Super Force: Deus é Minha Testemunha
10h50 – Anjos da Lei: Todo Dia é Natal
11h35 – Profissão Perigo: Nada Pessoal no Negócio
12h25 – Os Simpsons: A Odisseia de Homer
12h55 – Temperatura Máxima: “Se Meu Fusca Falasse”
14h50 – Domingão do Faustão
18h10 – Cinema Especial: “Os Saltimbancos Trapalhões”
20h00 – Fantástico
22h00 – Os Gols do Fantástico
22h15 – Domingo Maior: “Escalado Para Morrer”
24h35 – Placar Eletrônico
01h05 – Cineclube: “No Assombroso Mundo da Lua”
A manhã de domingo da Globo era uma deliciosa coleção de enlatados americanos – Não sei o que faz uma emissora exibir Drácula às 10 da manhã. Esta grade também deixa parecer que eles realmente exibiam “Se meu fusca falasse” todo domingo… Mas eu fiquei mesmo fascinado com o filme “No assombroso mundo da lua“, de 1967 (dois anos antes de Neil Armstrong pisar na lua), cujo plot é um astronauta que foi enviado para a lua e precisa dar um jeito de sobreviver até a chegada da missão Apollo (trailer). É o “The Martian” de 1967.
Seis horas depois da abertura do Faustão, seria bem o meio do Fantástico. Ainda a tempo do Celso Freitas reportar a notícia.
11 citation needed. Sério, eu tenho outro nRT em produção pra tentar exemplificar o quão longe é Marte.
12 http://waitbutwhy.com/2016/09/spacexs-big-fking-rocket-the-full-story.html
13 é legal acompanhar a Voyager em tempo real: https://voyager.jpl.nasa.gov/where
14 Que nome foda. Quero chamar meu filho assim.
15 fora a Milky Way, que “é” nós.
nRT

A ocidentalização do Islam

Em 2015 cerca de um milhão de refugiados chegaram à Europa.

Ajudar refugiados de guerra parece a coisa mais correta e humana a se fazer. São pessoas que perderam suas casas, seus trabalhos, amigos, parentes… Diversos países da Europa, tendo estado do outro lado da balança há menos de 100 anos, abriram suas portas. Oras, se formos pensar, o Brasil só é o país multi-cultural de hoje graças à chegada de refugiados e famílias fugindo das duas Grande Guerras, criando suas fortes comunidades italianas, japonesas, alemãs; enchendo a Mooca de Cantina, a Liberdade de sushis e o sul do país de modelos e boas cervejas. Até o doner kebab, o mundialmente conhecida lanche turco não é turco, mas originalmente alemão, criado por um imigrante que adaptou a receita ao gosto europeu. Então a lógica mais óbvia é que essa integração toda só pode ser saudável para todos os lados, certo?

 

Não é essa a teoria de alguns…

Pelo menos 1/3 dos refugiados vinham da Síria, onde grupos islâmicos extremistas tomaram o poder e tocavam o terror na galera. Cerca de 70% são muçulmanos. E seriam esses supostos religiosos fervorosos uma peça fundamental num plano milenar de dominação mundial composto pelas mentes mais maravilhosas e maléficas do planeta. E que estaria começando agora, com a islamização da Europa.[1]Dados de refugiados de 2015, do jornal inglês Independent, catalogados e linkados à UNHCR (http://data2.unhcr.org/en/situations e http://www.unhcr.org/)

A nova ordem mundial

Conheço Arnaldo Zonaro[2]O nome foi alterado, mas o cara existe de verdade. da época da faculdade. Sempre foi um cara quieto, na dele, jogando seu game boy de boas nas aulas de autômatos. Quando o Brexit foi aprovado, ele reagiu de forma mais exaltada a alguma piada postada por mim no Facebook.

Eu já sabia o posicionamento extremista de Zonaro. Ele sempre fez questão de se mostrar a favor de Donald Trump, arduamente contra estrangeiros ou imigrantes (refugiados então seriam o ponto mais baixo da escória da humanidade) e nutria um ódio particularmente pesado contra islâmicos.

Normalmente, o cidadão médio o ignoraria ou o xingaria por ter um pensamento diferente do seu (e portanto, errado). Ainda mais em uma questão que pra mim soa tão óbvia quanto a danosidade da medida ao Reino Unido. Porém, eu me dediquei a entender profundamente o ponto de vista de Arnaldo. Nos próximos meses, eu troquei com ele diversas mensagens, vi vídeos, li artigos e me esforcei o máximo para entender a lógica de Zonaro.

A base do pensamento é em um negócio chamado Nova Ordem Mundial, um grupo poderoso que busca o domínio do mundo. De acordo com a teoria, a União Européia seria um sandbox, um teste pra ver se o negócio funcionaria mesmo, em um plano que já está em prática há quase 100 anos e que seria concretizado no próximo século. Sim, há pessoas que acreditam que nós, meros seres humanos que mal conseguem organizar uma Copa do Mundo em tempo hábil, teríamos o discernimento e a mente evoluída o bastante a ponto de criar um plano de 200 anos para a dominação do mundo. Parte desse plano envolveria a islamização da Europa, desencadeada por uma guerra fictícia no Oriente Médio – que seria o gatilho para a destruição total da “cultura ocidental”.

Eu honestamente nunca entendi o plano completo. Em um determinado momento, cansado de minhas perguntas e contradições encontradas em sua teoria, Zonaro me bloqueou. Antes disso, porém, ele apontou diversas evidências de como o islamismo está dominando o Velho Continente e como toda a Alemanha deixará de beber cerveja e se curvará para Meca nos próximos 50 anos.

Para tentar comprovar essa dominação iminente, Zonaro me atirou na fuça fatos supostamente relacionados, como o fato de Muhammad ser o nome de bebê mais popular em Londres em 2015[3]http://www.standard.co.uk/news/london/revealed-the-most-popular-name-for-baby-boys-in-london-according-to-official-data-a2871406.html (apesar de Oliver ter a vantagem no resto do Reino Unido, comprovando a popularidade do Teste de Fidelidade de João Kléber) ou o surgimento (óbvio, dada a quantidade de imigrantes) de diversos bairros muçulmanos nas principais cidades européias.

Depois de ler alguns artigos sobre “Como a Europa está se tornando a Eurabia”, resolvi calcular efetivamente: quantos imigrantes seriam necessários para islamizar a Europa?

 

O processo

A porcentagem islâmica da Europa hoje é de aproximadamente 6%. Em um pensamento mais extremista, para uma islamização completa, a ordem parece fazer essa porcentagem beirar os 100%. Entretanto, como parece óbvio, essa é uma meta um tanto utópica. Qual porcentagem deveríamos mirar para uma islamização eficiente? 70%? 50%?

Em 1933, quando o nazismo tomou o poder na Alemanha, ele era apoiado por 33% das pessoas. Sim, Hitler chegou ao poder mesmo tendo 67% da população contra ele. Consigo imaginar os “Primeiramente, Fora Hitler” escritos nos muros dos palácios.

33% parece uma meta razoável e certamente possível de ser alcançada: temos hoje na Europa 76,2% de cristãos, dos quais 48% são identificados como católicos. Isso dá uma estatística bruta de 36,4% de católicos do total da população, então a meta de 33% parece perfeitamente aceitável para uma islamização eficiente.

Com uma população de 743,1 milhões de pessoas, a matemática aponta 44,58 milhões de muçulmanos. Se toda a população da Síria migrasse para a Europa (22,85 milhões de pessoas em 2013) e, considerando que a Síria fosse completamente islâmica, isso seria suficiente para aumentar o percentual muçulmano da Europa a 8,8%[4]67,43 milhões de islâmicos em uma população de 765,95 milhões de pessoas. Um acréscimo relativamente significativo, mas ainda extremamente distante da temida islamização.

A teoria, porém, vai mais a fundo. O processo de dominação muçulmana se daria não somente pela “invasão” de refugiados, mas pela dominação das próximas gerações. A população européia estaria em declínio. O dado estatístico mais aceitável para apontar isso é a “taxa de fertilidade”: a quantidade de nascimentos por indivíduo do sexo feminino em um determinado grupo demográfico. Se a taxa de fertilidade é de cerca de 2.1, o grupo estaria em equilíbrio (uma vez que para cada nascimento ainda precisamos de uma mulher e um homem – e um pouco maior pra compensar a mortalidade infantil). Qualquer coisa abaixo disso significa que, em média, dois cidadãos geram menos de duas crianças e a população estaria em declínio. Em 2006, a taxa de fertilidade no Brasil era de 2.0. Em 2011, já era de 1.8. Com exceção do Mr. Catra (que possui uma taxa de fertilidade de 32.0), a população brasileira também está em declínio.

Em 2014, a taxa de fertilidade da União Européia era de 1.58. Portugal era a menor, com 1.23 e França a maior, com meros 2.01[5]https://en.wikipedia.org/wiki/Demographics_of_the_European_Union#Population_shifts. Mídias mais extremistas apontam que uma taxa menor de 1.8 é irreversível e pode destruir a população. O Japão, entretanto, está abaixo dessa taxa desde a década de 70 e o que mais se viu no mundo ano passado foram Pokemons.
Já as taxas de fertilidade islâmicas são consideravelmente maiores: podem chegar a 5.6 na África sub-saariana, mas mantém uma média de 3.1 no mundo[6]http://www.pewresearch.org/fact-tank/2015/04/23/why-muslims-are-the-worlds-fastest-growing-religious-group/ft_15-04-23_muslimfertility/. Oras, se a cada criança européia nascida, surgirem dois pequenos Mohammeds, evidentemente que é questão de tempo até estarmos todos virados pra Meca.

Quanto tempo?

Mantidas as taxas de fertilidade atuais e considerando a imigração completa de toda a população da Síria e sendo uma imigração 100% muçulmana, a islamização aconteceria por volta de 2080.

População Europa

População Islâmica
Hoje 765.95 67.43 8.80%
2050 605.1005 104.5165 17.27%
2080 478.029395 162.000575 33.89%
2110 377.6432221 251.1008913 66.49%

 

Mas mesmo se o absurdo aumento de migração especulado não ocorrer e a demografia da Europa se manter nos níveis atuais, a islamização aconteceria da mesma forma:

População Europa População Islâmica
Hoje 743.1 44.58 6.00%
2050 587.049 69.099 11.77%
2080 463.76871 107.10345 23.09%
2110 366.3772809 166.0103475 45.31%

 

A estatística taí: a islamização existe. Trump está certo. Zonaro tem razão em me bloquear do Facebook por contestar o óbvio. Vamos todos usar burcas.

Louvado seja o bacon

Ehmad[7]Outro nome que foi alterado (não sei porquê, afinal o cara não vai ler isso) é egípcio. Ele chegou em Berlim dois meses antes de mim, para trabalharmos na mesma empresa. Ele tomou sua primeira cerveja na semana que eu cheguei. Algumas semanas depois, durante um almoço, ele compartilhou que sua religião não permitia comer porco, então ele não tinha nem vontade de experimentar.

“Ehmad… essa lingüiça que você está comendo… é porco.”

Uma expressão simultânea de pavor e aceitação dominou seu redondo rosto árabe.

Well… it’s not so bad!“, disse ele.

Nos próximos meses, ele se tornaria um entusiasta da louca vida noturna berlinense, virando noites em raves e nightclubs, enfrentando ressacas – ele até solicitou que trocassem seu horário, trabalhando aos sábados e tirando folga às segundas, de forma que não teria que trabalhar com a terrível ressaca das baladas de domingos inteiros.

No meio deste ano, Ehmad avisou que estaria parando de beber.

“Eu não fico bem quando eu bebo, então estou parando com o álcool. Vou ficar só nas drogas ilícitas a partir de agora.”

Ehmad não segue mais o Quorão. Ele abandonou de vez o islamismo.

Muitas pessoas falam na Islamização do ocidente, mas é fácil pensar nas tentações que os imigrantes árabes encontram quando deixam suas terras e vidas que sempre foram fortemente baseadas na religião: decotes tentadores, cervejas européias, festas regadas à álcool, McDonalds e o cheiro de delicioso bacon invadindo narinas de transeuntes famintos.

O contexto aonde os imigrantes viviam era completamente diferente do que eles acabam por encontrar na Europa. Muitos seguiam as regras islâmicas, menos por uma questão de crença e mais por uma questão política e social. São tão islâmicos quanto o Habib’s é um restaurante árabe. A dificuldade em abandonar a religião em um país extremista não existe quando eles chegam na Europa – e muitos realmente a abandonam.

A lei islâmica condena à morte um muçulmano que abandona a religião. O paradoxo é que uma vez que ele abandona a religião, não precisa mais seguir seus preceitos, então a auto-condenação deixa de ser necessária.

Nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que 32% das pessoas criadas no islamismo abandonem a religião na idade adulta[8]General Social Survey –http://gss.norc.org/. O enfraquecimento da religião parece seguir o mesmo caminho na Europa. Ex-muçulmanos possuem até uma organização[9]http://ex-muslim.org.uk/ para se ajudarem no Reino Unido e igrejas cristãs dos países que receberam mais refugiados estão relatando um substancial aumento de fiéis, inclusive com a necessidade de realizarem batismos em massa[10]http://www.stern.de/panorama/gesellschaft/massentaufen–fluechtlinge-konvertieren-vom-islam-zum-christentum-6837644.html (cuidado: alemão).

Não só o abandono religioso está sendo deixado fora da equação, mas a tabela espera que a taxa de fertilidade islâmica permaneça a mesma. Ao redor do mundo a quantidade média de crianças por família islâmica caiu de 4.3 em 1995 para 2.9 em 2010 e a tendência é que siga em declínio. Entre as famílias que chegam na Europa, essa taxa cai mais rápido[11]dados por Doug Sanders, autor de The Myth of the Muslim Tide: Do Immigrants Threaten the West?
https://www.amazon.com/The-Myth-Muslim-Tide-Immigrants/dp/0307951170
. É uma tendência evidente de famílias terem menos filhos conforme consigam uma melhor condição social.

A expectativa real ainda é de um aumento do islamismo, mas a previsão para 2050 é que o islamismo atinja somente cerca de 10% da Europa[12]http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/11518702/Mapped-What-the-worlds-religious-landscape-will-look-like-in-2050.html. Isso também se eles pararem de sair se explodindo por aí.

 

Nova teoria

É por isso que acredito que um plano tão demorado, rebuscado e complexo não pode ter sido organizado propositalmente pela mesma espécie que acha que no Japão um professor não se curva ao imperador. Se a islamização realmente for uma idéia estruturada do jeito que algumas pessoas acreditam, ela deve ter uma razão a mais. E quem se beneficiaria pela islamização?

Sim: porcos. Depois do fracasso de 1930 em fazer os judeus conquistarem a Europa, eles elaboraram um novo plano de dominação envolvendo outra religião que lhes fosse vantajosa, buscando o mesmo sucesso que os bovinos tiveram com o hinduísmo na Índia. Assim, a islamização seria um gigantesco plano suíno para preservar a própria espécie.

Talvez, afinal, a realidade seja menos Admirável mundo novo e mais Revolução dos Bichos. Se islamização existe, é isso que eu escolho acreditar.

Mas, qualquer uma das hipóteses, a islamização não deve amedrontar a ninguém. Talvez a maior ameaça ao islamismo não seja política ou forças armadas, mas bacon e cerveja.

nRT

Bora pra Tóquio

A cada quatro anos nossas televisões, jornais, internets e vidas são invadidos por um espírito desportivo global único. Durante algumas semanas as olimpíadas nos mostram seres humanos incríveis, nadando, correndo, pulando, atirando bolas de ferro em gramados, se pendurando em argolas, saltando em piscinas, levantando peso, dormindo com corredores e contratando empresários para cuidar da própria sub-imagem, lutando, remando, atirando bolas e bambolês pra lá e pra cá… são tantas atividades físicas que é normal nos sentirmos cansados só de assistir televisão.

Ao mesmo tempo é normal sentir uma empolgação especial. Quem nunca teve vontade de competir e representar seu país em um evento desse porte? Em entrar em um estádio seguindo a nobre flâmula nacional e ser xingado na internet com a iminente derrota? Quem nunca assistiu a uma competição randômica no canal 700 da SporTV e pensou “eu também consigo fazer isso”, estirado no sofá, enquanto toma um gole de cerveja morna e recolhe Fandangos de presunto dentre os pêlos do peito? Quem diabos não viu o primeiro ministro do Japão sair de um cano fantasiado de Super Mario e não pensou “É isso. Eu TENHO que ir pra Tóquio em 2020”.

Ser um atleta olímpico parece extremamente complicado – e, honestamente, realmente é. Mas não precisamos manter essas ambições em um espaço inacessível de nosso âmago; com suficiente esforço e dedicação dá pra qualquer um treinar o suficiente e ir pro Japão – e até escrever o próprio nome nos anais da história e voltar com uma redonda pra casa. Por sorte, o leque de opções desportivas proporcionado pelo Comitê Olímpico é amplo o suficiente para abranger praticamente todo mundo. Assim, mais do que puramente uma aptidão inicial, uma vantagem genética ou um gosto pessoal, é possível escolher um esporte para representar de acordo com a facilidade estatística olímpica que ele representa.

 

É isso que este pequeno grande artigo visa buscar: qual a recomendação matemática que mais aproximaria o sedentário de sofá de um pódio olímpico?

As estatísticas aqui apresentadas não envolvem períodos de treino ou aquisição de habilidades. É uma mera aplicação de exatas em cima de biológicas. Assim, no caso de uma competição única de luta olímpica, considera-se que cada lutador possui uma chance de 50% de vitória, independente de ser o João Gordo enfrentando o Dado Dolabella. A estatística aplicada é o método clássico, de forma que, com 10 competidores, cada um dele possui 30% de chances de subir no pódio – na estatística moderna (ou estúpida), cada competidor teria 50% de chance de ganhar medalha: ou ganha ou não.

Assim, é seguro afirmar que a parte mais difícil da elaboração desta pesquisa foi certamente a obtenção de dados. Diversos e-mails e mensagens foram trocados com as mais diversas federações desportivas para se obter número de atletas em cada esporte. Isto posto, os números de base são os de atletas inscritos e não de praticantes regulares do esporte. É uma enorme diferença em esportes como o rugby, aonde os números passados foram de 11 mil atletas filiados à CBRu e 60 mil praticantes no total[1]“Hoje, o rugby tem 60 mil praticantes no Brasil. É o esporte que mais cresce no país: mais de 15% ao ano” (http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2015/05/com-longa-historia-no-brasil-rugby-volta-olimpiadas-apos-92-anos.html) – os números das seis federações filiadas à CBRu, porém, apontam 11 mil.. Em casos como esse, o número base usado foi o de filiados, o que acaba facilitando as estatísticas. Com as contas feitas, bastou encher o texto de piadas com fandangos de presunto e termos pernósticos como “isto posto” ou “pernósticos”.

As recomendações também se baseiam em um mínimo necessário de bom-senso – considerando a dificuldade sobre-humana evidente de algumas provas.

 

Cambalhotas e piruetas

Por exemplo, a ginástica. Não é necessário fazer cálculos muito avançados para saber que, se a única ginástica que você faz consiste em alcançar o controle remoto atrás do sofá enquanto segura o saco de Doritos e equilibra o pote de dip no joelho, então você pode esquecer esta categoria. Dar sete cambalhotas no ano novo não é habilidade suficiente para se inscrever em uma equipe e contratar um técnico particular para ir para o Japão.

São anos de treino para atingir o patamar olímpico na categoria e você provavelmente já está muito velho. A romena Nadia Comaneci, por exemplo, atingiu a primeira nota máxima olímpica da história com apenas 14 anos. Então, se você consegue ler isto sem ter que pedir autorização para os responsáveis, provavelmente você já é velho demais para começar.

Porém, se você é um artista circense ou um ginasta em formação, então não tem porque você continuar neste artigo. Volte a treinar até você torcer seu calcanhar.

 

Atletismo através dos tempos

A mesma dica aplicada à ginástica se aplica também ao atletismo: se você já não está no meio, simplesmente desista.

A evolução física dos atletas é impossível de acompanhar. Jesse Owens, que ganhou ouro nos 200m em Berlim, desafiando o conceito de raça ariana sonhado pelo tio Hitler, mal chegaria às semifinais das Olimpíadas este ano. Da mesma forma, Robert Shavlakadze, medalha de ouro de salto em altura nas Olimpíadas de Roma em 1960 chegaria em último lugar meros 50 anos depois. [2]resultados do salto em altura 1960: [3]Se você ainda assim quiser tentar se aventurar pelo vôlei, segue um artigo de 20 páginas analisando a forma mais eficiente de fazer o melhor saque possível:
http://volleyball.qc.ca/sites/default/files/volley_files/FORE/FORE_AnalysisVolleyballJumpServe.pdf (University of Manitoba – cuidado: PDF)
Dentre os esportes coletivos, ele foi um dos que mais evoluiu, inclusive nas regras, que retiraram o sistema de vantagens (lembram?) que deixava o jogo mais preso e lento. A altíssima concorrência e o medo inerente de todos nós aos ataques de fúria de Bernardinho também impede qualquer jogador não-profissional de querer entrar em quadra em Tóquio.[4]Há um ditado (que a BBC diz que é um ditado popular no Brasil, mas que o Google mostra que é um ditado popular na BBC) que diz que “Vôlei é o esporte número um no Brasil; Futebol é uma religião”. Então não, não vou nem tentar fazer contas sobre o futebol aqui.

Os esportes coletivos talvez sejam mais fáceis, já que você pode ter a sorte de fazer parte de uma geração vencedora e entrar no elenco sem fazer nada[5]Ver também: Viola (1994), Ricardinho (2006). Sem contar que pela quantidade de medalhas distribuídas, é nos esportes coletivos que se encontram as maiores chances de subir no pódio. 30% dos atletas de rugby que chegaram ao Rio voltaram para casa com medalha. No handball essa porcentagem foi de quase 25%. Apesar dessas porcentagens parecerem apetitosas, ambos são o mais recomendados para quem quiser ir pra Tokyo, uma vez que são esportes muito praticados no Brasil, ambos com menos de 0,1% de chance de classificação olímpica. E, se contarmos os praticantes não federados, as estatísticas se tornam mais pífias ainda.

Então, se você quer juntar o pessoal do bairro e ir pra Tokyo, a recomendação fica com o Hoquei de grama, aonde você encontra quase 2,3% de chance de integrar a equipe brasileira se começar a treinar já!

 

Nadando em verdes águas

Ainda nos coletivos, as chances também são relativamente altas no Pólo Aquático, com cerca de 1,5% de chance de classificação olímpica em piscinas verdes.

Se o seu negócio realmente for água, a natação também não é o mais recomendado dos esportes. Apesar da grande delegação brasileira composta por 33 atletas, são quase 20000 registrados [6]http://www.cbda.org.br/cbda/natacao/atletas – Foi bem fácil obter dados relativos aos esportes aquáticos graças ao excelente site da CBDA. Não só todos os atletas registrados constam no site, como também é possível ver gráficos de tempos e histórico de competições de cada um – como este excelente perfil de Cesar Cielo http://www.cbda.org.br/cbda/atleta/perfil/registro/067794/cesar-augusto-cielo-filho. As federações deviam ser todas igualmente cuidadosas com seus dados esportivos – isso traz efetivamente um fortalecimento ao esporte. e apesar das estatísticas indicarem 10% de chance de pódio, mais de 30% das medalhas no Rio foram pros Estados Unidos, que realmente dominam o esporte enquanto não estão destruindo um ou outro banheiro[7]https://www.youtube.com/watch?v=6muqVXTuZLU.

Da mesma forma, parece meio difícil você conseguir uma medalha nos saltos ornamentais sem ser chinês: quase metade das 24 medalhas na categoria foram para China. A classificação olímpica é bem mais fácil: com apenas 171 atletas federados[8]http://www.cbda.org.br/cbda/saltoornamental/atletas, a chance de ir pra Tóquio fica nos 5,26%, a mais alta de todos os esportes.

Ainda na água, se você for do sexo feminino, pode tentar o nado sincronizado (2,325% de chance de ir pra Tóquio; 5,77% de chance de voltar com medalha). Se possui uma corredeira do lado de casa, pode tentar a canoagem (0,71% de chance de ir pra Tóquio; 12% de chance de voltar com medalha)[9]Atletas praticantes, de acordo com a CBCa – Confederação Brasileira de Canoagem – http://www.canoagem.org.br/
Canoagem Velocidade: 1204
Canoagem Slalom: 694
[10]Dados unificados da canoagem: SLALOM + SPRINT
Praticantes: 1808
Delegação olímpica brasileira: 13

Talvez seja a hora de procurar um clube aquático e iniciar imediatamente os treinos. Para esta “Geração Twitter”, composta de velhos cansados que mal sabem nadar, que suam em bicas quando ofegantemente precisam correr atrás do ônibus, que sofrem de dores nas costas aos 17 e têm ambos os joelhos estragados aos 23, o melhor a fazer é procurar um esporte menos cansativo.

 

Tirando o cavalinho da chuva

Ah, o hipismo! Se há um esporte que exige bem pouco do atleta, cá estamos: o cavalo é quem cuida de tudo. Pra começar, é necessário arrumar um animal qualificado (e aqui, me refiro novamente ao cavalo): apenas cinco ou seis de cada mil eqüinos são considerados bons o suficiente para competirem numa Olimpíada. E você vai precisar comprar um, o que não é problema se você tiver uns 100 mil dólares sobrando. Mas não gaste todas as economias no cavalo: não se esqueça de separar uns 12 mil dólares, que é o valor mínimo a ser gasto nas suas roupas e equipamentos para o cavalo para a competição. [11]http://www.marketplace.org/2012/07/31/life/london-2012/dressage-not-your-average-horse-play

valores em dólares

valores em dólares

São 3 eventos eqüinos: jumping, aonde o seu cavalo tem que ser bom em pular cerca, dressage, aonde o seu cavalo tem que ter a finesse de uma modelo e eventing, aonde o seu cavalo tem que ter a distinção de uma modelo com a habilidade de andar na lama de um ator de Jackass. Tipo uma Panicat. Ao atleta cabe ter dinheiro para comprar o cavalo e ficar em cima dele enquanto ele faz tudo isso.

Para cada evento, há pontuação individual e em equipe, sendo que a equipe premia 4 donos de cavalos.

4 medalhas x 3 colocações x 3 eventos = 36 medalhas
1 medalha x 3 colocações x 3 eventos = 9 medalhas

Com tanta medalha, as chances de um atleta de hipismo voltar com uma é de mais de 20%.

Dentre os cerca de 6100 cavaleiros atualmente federados[12]http://www.fph.com.br/artigos/o_hipismo – A federação paulista possui cerca de 5000 afiliados, o que corresponde a 82% do total nacional. Assim chegamos a esse número., 12 participaram das competições no Rio, numa chance de classificação de 0,19%. Uma das medalhas mais fáceis e mais caras que se pode obter.

 

Na mira

Acertar algo na mira já é uma atividade mais próxima da realidade da maioria de nós, principalmente dentre aqueles que ao deitarem na cama e perceberem que esqueceram de apagar a luz ficam atirando coisas no interruptor pra não precisarem se levantar. Para a geração que cresceu virando madrugadas em torneios de Counter-Strike, parece inteligente usar todo o conhecimento adquirido monopolizando as snipers da Lan House para tentar atirar em coisas de verdade.

Tiro foi um esporte fácil para obter estatísticas: afinal, todo praticante precisa manter registro de sua arma. Em 2015, o exército brasileiro possuía 74 mil praticantes de tiro cadastrados. Já a confederação brasileira de tiro esportivo tem cerca de 5000 afiliados, dentre os quais apenas 800 realmente competem ativamente.[13]http://noticias.r7.com/brasil/em-12-anos-2680-armas-de-praticantes-de-tiro-foram-roubadas-furtadas-ou-perdidas-21092015

O número já é baixo e se torna ainda mais fácil sabendo que há nada menos do que NOVE categorias olímpicas de tiro. A delegação brasileira este ano contou também com nove atletas, o que, numa matemática bruta, dá uma chance de classificação de 0,18%.

Lembrando que são apenas os dados oficiais e todos sabemos que temos excelentes praticantes ilegais de tiro no Brasil que, se disputassem na categoria três-oitão, o ouro seria nosso – pelo bem ou pelo mal.

 

E pra quem cresceu lendo as desventuras de Thomas de Hookton, certamente a idéia de virar um arqueiro profissional já deve ter passado pela cabeça.

No arco e flecha são 128 atletas em 4 categorias: masculino e feminino; individual e equipes. As equipes são formadas por 3 atletas, o que resulta em 24 medalhas possíveis e uma chance de trazer medalha de 18,75%. Também é um dos esportes aonde a classificação olímpica é relativamente razoável, com 0,85% de chance de integrar a equipe brasileira [14]“No final da década de 1990, havia no Brasil cerca de mil praticantes de tiro com arco, sendo 500 filiados à CBTarco. Hoje, não passam de 700, e somente 300, filiados.”, fonte: http://esporte.uol.com.br/olimpiadas/ultimas/2004/07/19/ult2276u1.jhtm – como os dados são de 2004 e a CBTarco ignorou solenemente meus e-mails, estou usando os dados mais pessimistas como base de contas, considerando um universo de 700 arqueiros.. Uma chance baixa, mas se você quiser muito furar o olho de alguém (literalmente), arco e flecha fornece estatísticas muito mais favoráveis do que qualquer forma de luta.

 

Não vai ter golpe

O judô, por exemplo, com mais de 2 milhões de praticantes no Brasil, proporciona uma das mais difíceis modalidades a representar olimpicamente, com 0.00063% de chance de ir pra Tóquio. A categoria marcial mais fácil de se classificar é a Luta Olímpica. Aqui que se encontra a não-tão-popular Luta Greco-Romana, que agora divide espaço na categoria com a luta livre. 353 atletas disputaram as 72 medalhas distribuídas no Rio, dando mais de 20% de chance de pódio. E, por não ser uma categoria exatamente popular, as chances de classificação olímpica ficam nos 0,17%.

 

Não vai ter dados

Infelizmente nem todas as confederações responderam minhas incessantes cartinhas. Assim sendo, não foi possível obter dados de todos os esportes. A confederação brasileira de esgrima e a CBTM (confederação brasileira de tênis de mesa, que organiza partidas de ping-pong) foram dois órgãos que não divulgam dados e não atendem a imprensa[15]oi, eu sou imprensa!.

Na ânsia de obter um relatório o mais detalhado possível, calculei os dados através do número mágico 0,22; que foi obtido através da média da divisão da quantidade de filiados de uma federeção pela quantidade de likes que a página da federação recebeu no Facebook[16]É um valor aproximado. No cálculo da média, tive que deixar de fora o hipismo que tem mais filiados do que likes (extremamente suspeito não? Deve ser lavagem de dinheiro isso aí) e estava fodendo com minha média-número-mágico..

Isso mostrou que, ao menos na modalidade “cresceu lendo Bernard Cornwell”, a esgrima é mais vantajosa do que o arco e flecha.

 

Mas mesmo assim, os dados no geral são bem pessimistas, não importa o esporte que você escolha praticar. A dica final é começar a treinar o mais rápido possível.

E, se quiser mesmo uma forcinha da estatística pra ir pra Tóquio, comece a treinar saltos ornamentais.

Se esses filipinos conseguem competir, em quatro anos você também consegue

Fontes e referências

Fontes e referências
1 “Hoje, o rugby tem 60 mil praticantes no Brasil. É o esporte que mais cresce no país: mais de 15% ao ano” (http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2015/05/com-longa-historia-no-brasil-rugby-volta-olimpiadas-apos-92-anos.html) – os números das seis federações filiadas à CBRu, porém, apontam 11 mil.
2 resultados do salto em altura 1960: 3 Se você ainda assim quiser tentar se aventurar pelo vôlei, segue um artigo de 20 páginas analisando a forma mais eficiente de fazer o melhor saque possível:
http://volleyball.qc.ca/sites/default/files/volley_files/FORE/FORE_AnalysisVolleyballJumpServe.pdf (University of Manitoba – cuidado: PDF)
4 Há um ditado (que a BBC diz que é um ditado popular no Brasil, mas que o Google mostra que é um ditado popular na BBC) que diz que “Vôlei é o esporte número um no Brasil; Futebol é uma religião”. Então não, não vou nem tentar fazer contas sobre o futebol aqui.
5 Ver também: Viola (1994), Ricardinho (2006)
6 http://www.cbda.org.br/cbda/natacao/atletas – Foi bem fácil obter dados relativos aos esportes aquáticos graças ao excelente site da CBDA. Não só todos os atletas registrados constam no site, como também é possível ver gráficos de tempos e histórico de competições de cada um – como este excelente perfil de Cesar Cielo http://www.cbda.org.br/cbda/atleta/perfil/registro/067794/cesar-augusto-cielo-filho. As federações deviam ser todas igualmente cuidadosas com seus dados esportivos – isso traz efetivamente um fortalecimento ao esporte.
7 https://www.youtube.com/watch?v=6muqVXTuZLU
8 http://www.cbda.org.br/cbda/saltoornamental/atletas
9 Atletas praticantes, de acordo com a CBCa – Confederação Brasileira de Canoagem – http://www.canoagem.org.br/
Canoagem Velocidade: 1204
Canoagem Slalom: 694
10 Dados unificados da canoagem: SLALOM + SPRINT
Praticantes: 1808
Delegação olímpica brasileira: 13
11 http://www.marketplace.org/2012/07/31/life/london-2012/dressage-not-your-average-horse-play
12 http://www.fph.com.br/artigos/o_hipismo – A federação paulista possui cerca de 5000 afiliados, o que corresponde a 82% do total nacional. Assim chegamos a esse número.
13 http://noticias.r7.com/brasil/em-12-anos-2680-armas-de-praticantes-de-tiro-foram-roubadas-furtadas-ou-perdidas-21092015
14 “No final da década de 1990, havia no Brasil cerca de mil praticantes de tiro com arco, sendo 500 filiados à CBTarco. Hoje, não passam de 700, e somente 300, filiados.”, fonte: http://esporte.uol.com.br/olimpiadas/ultimas/2004/07/19/ult2276u1.jhtm – como os dados são de 2004 e a CBTarco ignorou solenemente meus e-mails, estou usando os dados mais pessimistas como base de contas, considerando um universo de 700 arqueiros.
15 oi, eu sou imprensa!
16 É um valor aproximado. No cálculo da média, tive que deixar de fora o hipismo que tem mais filiados do que likes (extremamente suspeito não? Deve ser lavagem de dinheiro isso aí) e estava fodendo com minha média-número-mágico.