paulovelho

Geral

Os pandas não merecem

Em 2016, pandas deixaram de receber a classificação de “ameaçados de extinção”[1]https://www.bbc.com/news/world-asia-china-57773472. Eles ainda caem na categoria “vulneráveis”, mas à medida que o número de animais da espécie cresce, o risco de extinção diminui. É uma grande vitória da humanidade, por um trabalho feito pela própria humanidade. Fica difícil jogar os méritos da conquista no trabalho feito pelos próprios pandas, uma vez que eles não se esforçam absolutamente nada para a preservação do futuro da espécie. Talvez não seja um abuso dizer que é uma vitória dos homens apesar dos pandas.

Pandas não se importam em procriar, não se esforçam para arrumar parceiros, adoram a solidão e são usados como arma diplomática pela China, que é dona de todos os 1800 animais da espécie[2]mais ou menos por aí que habitam o planeta e todas as eventuais crias que eles têm depois de muitos dates fracassados.

É tanta dificuldade que soa natural levantar a questão: eles merecem tanto trabalho?

Negócio da China

Economicamente, talvez a resposta seja “sim”. Quando o assunto é atrair público, pandas são os Beatles dos animais. Zoológicos conseguem sair de crises financeiras com a adição de pandas. O número de visitantes no primeiro ano de um panda em um zoológico pode aumentar até 70%. O zoológico de Edimburgo, que recebia cerca de 8000 visitantes em um dia qualquer de dezembro viu esse número subir para 56000 em 2011, com a exibição do casal de pandas Tian Tian e Yang Guang[3]dados tirados deste artigo: https://www.theguardian.com/world/2015/aug/25/everything-about-panda-sex-edinburgh-zoo-long-read – e vou falar muito dele aqui.

Mas não é qualquer circo di Napoli que consegue montar uma exibição de pandas. O investimento inicial é alto: para receber um animal, o zoológico de Adelaide, na Austrália, gastou 8 milhões de dólares só na construção de um habitat de exposição do bicho. Provavelmente ele ficava numa cobertura no Leblon.

Pandas são os animais de manutenção mais cara em um zoológico, podendo custar até cinco vezes mais do que cuidar de um elefante e até duas vezes mais do que jantar no aeroporto. Apesar de ursos comuns serem onívoros, os pandas decidiram seguir a cartilha dos veganos e se alimentam exclusivamente de bambu. Sim, além de tudo, quando vão em um churrasco, os pandas levam melancia pra colocar na grelha. Já o bambu, além de gerar péssimas piadas na platéia do Silvio Santos, é bem pobre em nutrientes. Como conseqüência, os pandas comem sem parar, podendo comer até 12 quilos do alimento por dia. Soma-se a tudo isso os gastos em um biólogo entendido do assunto e em delegações chinesas que vão ficar monitorando a saúde do bicho.

Mas, com certeza, ninguém ganha tanto com os pandas quanto a China, essa gigantesca agenciadora da carreira dos ursos, uma verdadeira Tom Parker dos animais. Os pandas pertencem todos ao governo da China e são sempre alugados, num contrato cheio de restrições e que garante que qualquer cria que o animal venha a dar também vai de volta pros chineses. Os contratos de locação dos animais duram pelo menos dez anos, ao valor aproximado de um milhão dólares por ano. Se os pandas tiverem filhos no período de aluguel, pagamentos extras devem ser feitos.

E nem é tão simples: o governo chinês que aprova a ida dos pandas. Então, além de ter grana sobrando e bambu suficiente para construir uma vila na praia, o país deve manter uma boa política com a China, que, se gostar do lugar e achar que vale a pena investir em uma relação diplomática, vai oferecer a oportunidade de alugar um panda, como se esses animais fossem representantes fofos de uma embaixada.

A prática é bem antiga: em 685 (é isso mesmo, não esqueci de colocar o “1” na frente do ano), durante a dinastia Tang, o imperador chinês Wu Zetian enviou um par de pandas ao imperador japonês Tenmu, como forma de estabelecer um contrato de paz entre os impérios[4]China! https://edtimes.in/this-is-how-china-owns-all-the-giant-pandas-in-the-world.

A idéia de dar pandas como presente diplomático voltou com tudo na década de 1970, no governo de Mao Tsé-Tung. Ele inclusive deu um casal de animais até para o presidente Nixon. A prática ficou conhecido como Panda Diplomacy[5]https://en.wikipedia.org/wiki/Panda_diplomacy e foi levemente alterada na década de 80 quando eles perceberam que poderia ser bem mais lucrativo alugar pandas ao invés de sair distribuindo. Quem não curtia muito misturar pandas com política era Margaret Thatcher, que em 1981, numa viagem para visitar Ronald Reagan, se recusou a dividir um avião com um panda[6]Espero ver na próxima temporada de “The Crown”: https://www.nbcnews.com/news/world/margaret-thatcher-refused-take-panda-flight-u-s-n833396 que ia ser levado aos Estados Unidos para procriar (para deixar claro: quem ia procriar era o panda e iria procriar com outro panda, não com o Ronald Reagan). “Pandas e políticos juntos não trazem bons presságios”, teria dito ela.

Quem sabe disso é a Tailândia, que teve a relação com a China levemente abalada depois que o urso panda Chuang Chuang morreu em um zoológico no país em 2019. A China mandou uma delegação inteira para periciar a situação e confirmar que o panda não tinha sofrido maus tratos e mantinha produtos de qualidade na sua dieta. A conclusão, para a sorte da Tailândia, era que o animal tinha sofrido um ataque cardíaco. Antes disso, em 2014, um panda que seria enviado à Malásia ficou no meio de uma tensão internacional. A China não estava gostando do jeito que o país estava trabalhando no caso do sumiço do avião MH370, lotado de chineses. Esse impasse atrasou o envio dos pandas em alguns meses.

Como se não bastasse essa dificuldade toda, há ainda o problema que a China costuma ser sacana. Em 1991, pesquisadores e cuidadores que trabalhavam na reprodução de um panda em um zoológico de Londres descobriram que a panda fêmea chamada Ming Ming, que tinha sido enviada à Inglaterra com o único propósito de reproduzir, era infértil. Não só isso, mas eles também descobriram que a China sabia disso, e os próprios chineses já haviam tentado inseminar artificialmente o animal pelo menos uma dúzia de vezes.

E esse é o segundo problema com os pandas: além de armas políticas, eles tem um problema sério com a reprodução.

Tinder de panda

A minha percepção pessoal sobre pandas começou a mudar em 2015, por conta deste excelente e gigantesco artigo do jornal The Guardian (fortemente referenciado em diversas partes deste texto). Entitulado “Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo dos pandas (mas estava com medo de perguntar)”, ele foi o catalisador responsável por me jogar em uma espiral de artigos sobre pandas que foram aos poucos me ajudando a alimentar o ódio por esses animais.

Se parece que eu não me importo com os pandas, a dura realidade é que os pandas não se importam com os pandas. Eles não estão nem aí para a própria espécie e preferem ficar comendo e rolando morros do que criar vínculos sociais ou tentar arrumar date em barzinho.

Solitários tal qual millenials cansados, os pandas preferem ficar sozinhos e comendo o dia todo do que se reunir para jogar um truco ou assistir uma série. Zoológicos com mais de um animal os mantém em locais separados e organizam os encontros quando a fêmea chega no período fértil. As fêmeas ovulam uma vez por ano, então dá pra imaginar a expectativa dos tratadores por esse momento.

Mas, mesmo com tanta preparação, quando há um encontro, dificilmente rola uma trepada: é raro o macho demonstrar interesse. Em 2020, dois pandas finalmente fizeram amorzinho gostoso no zoológico de Ocean Park, em Hong Kong, sendo um dos únicos casais que conseguiram transar em tempos de pandemia[7]https://www.bbc.com/portuguese/geral-52100140. A grande celebração foi porque esse casal estava sendo shipado há dez anos. Imagina passar uma década inteira de “oi, sumida”, até finalmente rolar algo.

O macho é lento como um blogueiro de texto cômico-científicos, mas a fêmea também não ajuda: por algum motivo ela pode apresentar gravidez psicológica com todos os sintomas, incluindo liberação de hormônios e até produção de leite. Isso movimenta equipes inteiras de biólogos esperando um bebê-panda que não está lá. A mãe-panda também pode reabsorver o óvulo fecundado pelo tecido do útero, o que é praticamente um enredo de filme de terror. Ultrassonografias nem ajudam tanto, já que os fetos são tão minúsculos que fica até difícil vê-los nesses exames.

O tamanho de um bebê panda após nascer é outro empecilho que nos faz questionar como foi possível tal espécie sobreviver por tanto tempo. Eles medem entre 10 a 15 centímetros e nascem cegos, só abrindo os olhos depois de 6 a 8 semanas. Além de cegos, também parecem que não querem ver. Bebês-panda são extremamente sensíveis e têm uma alta taxa de mortalidade, por isso precisam de cuidados e atenção 100% do tempo.

Cuidados que a mãe não está sempre a fim de dar. Também não é incomum para pandas parirem gêmeos, principalmente quando a fertilização acontece em cativeiro, por inseminação artificial. Porém, quando isso acontece, geralmente a mãe simplesmente abandona um dos filhotes porque é coisa demais pra ela prestar atenção[8]aqui: https://www.bbcearth.com/news/the-panda-who-didnt-know-she-had-twins, mas quem sou eu para julgar?. Quando há uma equipe de profissionais por trás, uma técnica comum empregada é ir trocando os bebês sem que a mãe perceba[9]Ver também: The Rehearsal, S01-E02, para que ela vá revezando os cuidados entre os dois filhos, mas achando que só pariu um. 

Se eles mesmo não querem procriar e nem cuidar de seus herdeiros, porque nós, seres humanos, gastamos tanto tempo, suor e dinheiro fazendo com que eles se reproduzam? Cuidadores de pandas frequentemente se vestem de pandas para e usam perfume de urina de panda para disfarçar o cheiro e a aparência dos humanos e não angustiar os animais com o contato de outra espécie[10]parece muito uma esquete de Monty Python: https://www.bloomberg.com/news/photo-essays/2016-09-28/dressing-up-in-a-panda-suit-can-really-make-a-difference#xj4y7vzkg. É dedicação demais para uma espécie que preferia não estar mais viva.

créditos: Bloomberg

O naturalista Chris Packham compartilha do sentimento que a humanidade deve deixar os pandas morrerem, se eles assim o desejarem, como se eles tivessem por conta própria decidido praticar a eutanásia de uma espécie inteira. “Deixe os pandas partirem com um mínimo de dignidade”, diz Packham. Extinção é uma parte da vida na terra. Há outros animais que estão em situações piores do que os pandas mas não recebem tanta ajuda ou atenção porque não são fofinhos. Como também disse o comediante George Carlin: “90% de todas as espécies que já habitaram nosso planeta estão extintas (…) Deixe-as ir graciosamente. Deixem a natureza em paz. Nós já não fizemos o suficiente?”[11]gênio, daqui: https://www.lingq.com/en/learn-english-online/courses/87644/george-carlin-saving-the-planet-232105/ ou se você preferir ouvir ele falando, é melhor ainda

Ninguém está propondo sair por aí com um fuzil e matar todo panda que vê pela frente, é só colocar a mãozinha na consciência e julgar se vale a pena todo esse esforço.

O único animal que parecia estar legitimamente preocupado com o futuro da própria espécie era Pan Pan, uma espécie de Pelé dos pandas, não pela quantidade de gols, mas pelo número de filhos deixados. Mais promíscuo do que um gay da Santa Cecília, Pan Pan era um transão, sempre com o pau na testa. Não podia ver uma fêmea dando mole que lá ia ele, chamar a parceira para uma noite de Metflix. Entre filhos e netos, Pan Pan conta com mais de 130 descendentes, o que significa que se você encontrar um panda em cativeiro, há cerca de 25% de chances dele conter genes de Pan Pan. Imagina o quanto ele não pagava de pensão.

Pan Pan morreu em 28 de dezembro de 2016, aos 31 anos. Na época, ele era o panda macho mais velho do mundo, com o equivalente a mais de 100 anos para um humano.

esta foto tem a melhor legenda que eu encontrei em minhas pesquisas (créditos)

Transar pra quê?

É muito difícil imaginar como pandas sobreviveram por tantos milênios soltos na natureza tendo toda essa dificuldade para se reproduzir. Mas a reprodução em um ambiente selvagem não segue os mesmos ritos da reprodução em cativeiro. O biólogo George Schaller passou cinco anos observando os animais em seu habitat selvagem na década de 80. Os rituais de acasalamento duram dias, se não semanas.

No meio da neve, escondido entre bambus, como crianças tentando ver um show de stripper em um filme dos anos 90, Schaller testemunhou uma panda fêmea em um período fértil no alto de uma árvore enquanto cinco ou seis machos se estapeavam e jogavam uns aos outros de penhascos, todos lutando para ser o grande fodelão e poder transar com a fêmea. Não parece nada com o marasmo desses animais ignorando uns aos outros em cativeiro.

Talvez seja esse realmente o problema: pandas na natureza vivem a vida de solteiro. É aquele fervo, toda noite passar um perfuminho, mandar mensagem para meia dúzia de contatinhos e sair pra balada encher a cara e tentar colar nas pandinhas até uma delas não ter amor próprio o suficiente para topar ficar com ele. Pandas em cativeiro vivem a vida de casado. Ano após ano, são expostos à mesma fêmea, que fica lá com ele, na segurança de uma vida tediosa.

A destruição do habitat natural dos pandas é, no fundo, a grande responsável pelas dificuldades que os animais enfrentaram nas últimas décadas para sobreviver. Eles parecem não ter tantos problemas reprodutivos nas reservas naturais protegidas da China, longe da presença humana.

No caso dos habitats cuidadosamente planejados de um cativeiro, parece que os homens lutaram tanto pra deixar a vida dos animais mais “fácil” e confortável que talvez atingimos um ponto no qual isso começou a ser danoso para a própria espécie[12]https://www.theguardian.com/science/2021/sep/20/too-much-of-a-good-home-is-bad-for-panda-mating-goldilocks. Obviamente que seria um espetáculo e eu pagaria muito caro para ver pandas se estapeando até a morte, mas é um cenário impossível de se reproduzir em um zoológico – pelo menos sem atrair a atenção da Luísa Mell, e ninguém quer isso. Mas fornecer um ambiente com 100% de conforto não está funcionando e cientistas já começam a estudar cenários com meros 80% de conforto, só pra ver se esses animais fazem alguma coisa. Longe de mim querer ser coach, ainda mais de panda, mas talvez eles precisam fugir da sua zona de conforto.

E se ressoa com você o estilo de vida dos pandas, de uma vida tranquila, comendo o tempo todo, brincando e preferindo fazer nada do que sair por aí em busca de acasalamento, então há uma grande chance de você pertencer à geração Z.

Parece difícil julgar os pandas sendo parte de uma geração que prefere fazer absolutamente qualquer outra coisa do que interagir com semelhantes. A tecnologia – e os smartphones, particularmente – tornaram nossas vidas tão confortáveis que qualquer encontro pessoalmente acaba se tornando um martírio para o jovenzinho médio. O número de jovens que se encontram pessoalmente (em festas ou qualquer outro tipo de reunião) com amigos de forma regular caiu mais de 40% entre 2000 e 2015[13]https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2017/09/has-the-smartphone-destroyed-a-generation/534198/. Eles não sabem mais conviver em sociedade e, tal qual pandas, não sabem o que fazer quando encontram outro da mesma espécie pessoalmente.

O caso é tão sério que o Japão lançou uma campanha para INCENTIVAR jovens a beberem[14]sendo honesto, essa medida foi proposta principalmente como uma tentativa de recuperar parte da economia  https://www.nytimes.com/2022/08/19/world/asia/japan-alcohol-contest.html. Tomados por uma preguiça de sair de casa para fazer qualquer coisa, a geração atual também não está procriando. Em 2005, um terço dos japoneses entre 18 e 34 anos eram virgens. Em 2015, esse número pulou para 43% e o número de pessoas que dizia que não pretendia casar também cresceu[15]este artigo aqui é assustadoramente bom e eu não explorei quase nada dele neste texto: https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2018/12/the-sex-recession/573949/. Esse desinteresse por lá ganhou o nome de “sekkusu shinai shokogun“, ou “síndrome do celibato”. É curioso que o Japão também é um dos maiores consumidores de pornografia do mundo[16]no Japão que surgiu algumas coisas que você não deve procurar no Google, como o bukkake, o hentai, e o tentacle porn, que eu cito aqui só pra render cliques dos sites de busca e líder mundial no design de sex-dolls ultrarealistas. O sexo solitário, se é que os leitores me entendem, se tornou algo tão banal e acessível que bate a preguiça no jovem de ter todo esse trabalho de relacionar-se[17]Inclusive tem aqui uma notícia falando do hit que se tornou um vídeo de um panda se masturbando: https://www.mirror.co.uk/news/technology-science/science/panda-masturbation-video-released-china-4480699 . Para piorar, também parece estar havendo uma epidemia de disfunção erétil nos jovens e eu só joguei essa frase aqui para que todos nós homens possamos usá-la como desculpa na próxima vez que acontecer conosco.

Cientistas e sociólogos estão realmente bem preocupados com o desinteresse pelo sexo da geração que alguns chamam de iGen – essa molecada que não existiu em um tempo sem internet e já cresceram rodeados por telas.

Pensando por esse ponto de vista, pandas aversos à reprodução devem ter o mesmo sentimento que os jovens têm quando os tios perguntam dos namoradinhos e namoradinhas na ceia de natal. Se já é desconfortável viver com essa pressão, imagina te meterem em um encontro que você não quer, com alguém que também preferia não estar lá e ficarem assistindo, torcendo para o sexo rolar. Porque fazemos isso com os pandas?

Talvez os pandas realmente não mereçam, e essa frase não é mais uma crítica aos pandas, mas deveria soar como uma crítica à humanidade.

Deixem os pandas em paz, nem que seja para eles morrerem virgens.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 https://www.bbc.com/news/world-asia-china-57773472
2 mais ou menos por aí
3 dados tirados deste artigo: https://www.theguardian.com/world/2015/aug/25/everything-about-panda-sex-edinburgh-zoo-long-read – e vou falar muito dele aqui
4 China! https://edtimes.in/this-is-how-china-owns-all-the-giant-pandas-in-the-world
5 https://en.wikipedia.org/wiki/Panda_diplomacy
6 Espero ver na próxima temporada de “The Crown”: https://www.nbcnews.com/news/world/margaret-thatcher-refused-take-panda-flight-u-s-n833396
7 https://www.bbc.com/portuguese/geral-52100140
8 aqui: https://www.bbcearth.com/news/the-panda-who-didnt-know-she-had-twins, mas quem sou eu para julgar?
9 Ver também: The Rehearsal, S01-E02
10 parece muito uma esquete de Monty Python: https://www.bloomberg.com/news/photo-essays/2016-09-28/dressing-up-in-a-panda-suit-can-really-make-a-difference#xj4y7vzkg
11 gênio, daqui: https://www.lingq.com/en/learn-english-online/courses/87644/george-carlin-saving-the-planet-232105/ ou se você preferir ouvir ele falando, é melhor ainda
12 https://www.theguardian.com/science/2021/sep/20/too-much-of-a-good-home-is-bad-for-panda-mating-goldilocks
13 https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2017/09/has-the-smartphone-destroyed-a-generation/534198/
14 sendo honesto, essa medida foi proposta principalmente como uma tentativa de recuperar parte da economia  https://www.nytimes.com/2022/08/19/world/asia/japan-alcohol-contest.html
15 este artigo aqui é assustadoramente bom e eu não explorei quase nada dele neste texto: https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2018/12/the-sex-recession/573949/
16 no Japão que surgiu algumas coisas que você não deve procurar no Google, como o bukkake, o hentai, e o tentacle porn, que eu cito aqui só pra render cliques dos sites de busca
17 Inclusive tem aqui uma notícia falando do hit que se tornou um vídeo de um panda se masturbando: https://www.mirror.co.uk/news/technology-science/science/panda-masturbation-video-released-china-4480699
Geral

Cavalos de Potência

A greve dos caminhoneiros de maio de 2018 no Brasil trouxe ao brasileirinho médio escassez de combustível nos postos de gasolina – um período da história que deveria ser chamado de “a crise do sembustível[1]eu realmente preciso de  um editor que me force a cortar esse tipo de piada – além de caos, uma enxurrada de memes e o retorno triunfal de Sula Miranda ao topo das paradas. O atual aumento estratosférico no preço do produto nos fez voltar àquela época. Dar uma carona hoje é um grande gesto de amor. Escolher sair de casa já é uma decisão a ser friamente pensada.

Frente a um problema de tais proporções, é natural que o cidadão procure soluções alternativas. Enquanto os motores EmDrive[2]ver também: <a href=”http://nrt.paulovelho.com.br/bora-pra-marte/”>http://nrt.paulovelho.com.br/bora-pra-marte/</a> não são uma realidade, o pessoal se vira fazendo entregas delivery a cavalo, que nos trazem fotos ótimas de jóqueis usando capacetes de motociclistas nas ruas de Pinheiros.

fonte: estadão

Na época da greve, fiz alguns cálculos extremamente amadores tentando resgatar os custos de manutenção de um cavalo. Com o novo aumento nos valores da gasolina, me sinto obrigado a resgatar o texto antigo, dar um tapa nele (e nem foi um tapa tão grande, a semana de trabalho tá puxada) e republicar atualizando alguns dados.

Será que um cavalo realmente seria um excelente meio de transporte alternativo.

O custo do trote

O desempenho da montaria é evidentemente, menor do que o de uma Honda Biz 125. Um cavalo de montaria militar bem treinado é capaz de percorrer mais de 80km por dia. São Paulo, cheia de seus altos e baixos (geográficos e filosóficos), seria um desafio ligeiramente maior para seu novo veículo. É seguro assumir um desempenho médio de 60km por dia. Isso é distância suficiente de ida e volta para alguém que more na Lapa e trabalhe na Berrini.

Um cavalo em velocidade de galope pode alcançar até 45km/h. O suficiente para tomar algumas multas nos bairros residenciais. Porém, para a longa distância de ida e volta do trabalho, é mais seguro assumir uma velocidade mais baixa, entre um trote e um galope. Apesar de diversas fontes quanto à velocidade de um eqüino serem divergentes, os valores a serem adotados nos cálculos são de uma velocidade média de 12km/h. O valor é um pouco abaixo da média de velocidade dos cavalos campeões da maratona homem-cavalo, um evento que ocorre todos os anos desde 1980 no País de Gales: humanos e eqüinos disputam quem percorre mais rápido os 35km do percurso[3]Na prova de junho de 2017, da época de publicação do texto original, 650 humanos e 60 cavalos participaram. O vencedor tinha quatro patas. Mas por duas vezes, em 2004 e 2007, a prova foi vencida por humanos. Toma essa, Pepe Legal![4]<a href=”https://en.wikipedia.org/wiki/Man_versus_Horse_Marathon”>https://en.wikipedia.org/wiki/Man_versus_Horse_Marathon</a>. Nessa velocidade, o caminho casa-trabalho pode ser percorrido em uma hora e quarenta minutos por trajeto, um tempo excelente para os padrões paulistas de trânsito.

Aos cavaleiros de primeira viagem, a recomendação é comprar um da marca raça Mangalarga, mais dóceis e ideais para passeio[5]Lembrando sempre que vocês estão recebendo dicas sobre cavalos de um programador que queria ser humorista, morou a vida toda em cidades grandes e não sabe montar em uma sela sem a ajuda de um banquinho. Meu cavalo favorito é o Bojack Horseman. Não sigam minhas recomendações.. Apesar de ser possível encontrar alguns animais no Mercado Livre por até R$6.000, é recomendável gastar um pouco mais e comprar um animal já treinado. Com um pouco de pesquisa e dedicação ao assunto, dá pra comprar um excelente cavalo por R$12.000[6]se quiser gastar um pouco mais pra impressionar os amiguinhos, por R$18.000 dá pra comprar o filho do grande Narayan do Vale da Prata, campeoníssimo em pista, sua produção tem arrebentado nas pistas da associação do pampa, como na ABCCMM. Dominante acabou de completar 3 anos, já registrado no definitivo e com toda uma vida reprodutiva e carreira de pista pela frente.[7]dados não atualizados do texto de 2018. Dominante deve ter 7 anos agora. Uma pechincha, se comparado com o custo de um cavalo olímpico.[8]Outrora aqui estimado em cerca de 100 mil dólares: <a href=”http://nrt.paulovelho.com.br/bora-pra-toquio/”>http://nrt.paulovelho.com.br/bora-pra-toquio/</a> No valor de compra, o eqüino custa quase o mesmo que uma moto básica.

Entre os custos escondidos na aquisição do seu novo veículo, estão a sela (cerca de R$500) e ferraduras (por R$150 dá pra comprar ferraduras e cravos para uma vida toda). E, há de se considerar, evidentemente, a “gasolina” eqüina: aproximadamente 4kg de feno e 4kg de ração por dia, além da grama que sai de graça; é só deixar seu veículo parado em algum dos parques da cidade que nunca recebem os devidos cuidados da prefeitura. Com isso o gasto médio diário é de R$30[9]Aumentei um pouco mais o valor base para contar coisas como vermífugo e shampoo. Ainda assim é um valor coerente. (voltando a lembrar que você está recebendo dicas eqüinas de um cartunista fracassado).

Comparando com o valor gasto para abastecer uma motoca média, onde o gasto médio é de 20km por litro de gasolina[10]motoca do Sid, o custo para o mesmo percurso seria de R$24 por dia[11]Arredondando o valor para R$8/litro e mais um valor aproximado de R$1300 de manutenção por ano. Novamente dados da motoca do Sid.. É um valor alto até mesmo para um carro[12]Enchendo o tanque três vezes e meia por mês, o valor gasto em combustível é de R$40 por dia. Dados obtidos pela média de consumo de dois sócios aqui na firma..

A gasolina realmente está bem mais cara – as contas originais de 2018 davam a metade do valor obtido em 2022. Mas, mesmo assim, Ford tinha razão: o cavalo é um péssimo substituto da força motora locomotiva. Só serve mesmo para que você possa chegar na menininha da firma fantasiado de realeza com a cantada “seu príncipe chegou”, ou para usar a frase “o castigo vem a cavalo” em novas conotações. O valor disso é inefável.

Apesar de ser uma boa alternativa ao motoboy padrão, o eqüino como transporte não serve para a família tradicional brasileira, composta de pais conservadores e filhos revoltados comunistas. Mas se a guerra continuar e o mundo perder o apoio do petróleo, quem sabe não voltamos todos ao mundo das carroças…

Fontes e referências

Fontes e referências
1 eu realmente preciso de  um editor que me force a cortar esse tipo de piada
2 ver também: <a href=”http://nrt.paulovelho.com.br/bora-pra-marte/”>http://nrt.paulovelho.com.br/bora-pra-marte/</a>
3 Na prova de junho de 2017, da época de publicação do texto original, 650 humanos e 60 cavalos participaram. O vencedor tinha quatro patas. Mas por duas vezes, em 2004 e 2007, a prova foi vencida por humanos. Toma essa, Pepe Legal!
4 <a href=”https://en.wikipedia.org/wiki/Man_versus_Horse_Marathon”>https://en.wikipedia.org/wiki/Man_versus_Horse_Marathon</a>
5 Lembrando sempre que vocês estão recebendo dicas sobre cavalos de um programador que queria ser humorista, morou a vida toda em cidades grandes e não sabe montar em uma sela sem a ajuda de um banquinho. Meu cavalo favorito é o Bojack Horseman. Não sigam minhas recomendações.
6 se quiser gastar um pouco mais pra impressionar os amiguinhos, por R$18.000 dá pra comprar o filho do grande Narayan do Vale da Prata, campeoníssimo em pista, sua produção tem arrebentado nas pistas da associação do pampa, como na ABCCMM. Dominante acabou de completar 3 anos, já registrado no definitivo e com toda uma vida reprodutiva e carreira de pista pela frente.
7 dados não atualizados do texto de 2018. Dominante deve ter 7 anos agora
8 Outrora aqui estimado em cerca de 100 mil dólares: <a href=”http://nrt.paulovelho.com.br/bora-pra-toquio/”>http://nrt.paulovelho.com.br/bora-pra-toquio/</a>
9 Aumentei um pouco mais o valor base para contar coisas como vermífugo e shampoo. Ainda assim é um valor coerente. (voltando a lembrar que você está recebendo dicas eqüinas de um cartunista fracassado)
10 motoca do Sid
11 Arredondando o valor para R$8/litro e mais um valor aproximado de R$1300 de manutenção por ano. Novamente dados da motoca do Sid.
12 Enchendo o tanque três vezes e meia por mês, o valor gasto em combustível é de R$40 por dia. Dados obtidos pela média de consumo de dois sócios aqui na firma.
Geral

Telegrama Legal

Em 17 de abril deste ano (para referências futuras: estamos em 2021 – ou presos em março de 2020, ainda não consigo apurar com clareza), a sonda New Horizons atingiu a distância de 50 AU da Terra. AU é uma unidade de medida astronômica (AU = astronomical unit) cujo propósito é medir grandezas gigantescas, como distâncias espaciais ou o tamanho das pernas da Camilla de Lucas. 01 AU é a distância média da Terra ao Sol, o equivalente a 149.597.870.700 metros (ou 3.561.854 maratonas).

Lançada em 19 de janeiro de 2006, a sonda foi o quinto objeto construído pelo homem a atingir a marca – e também a quinta sonda lançada aqui da Terra com capacidade de deixar o Sistema Solar e atingir os confins inexplorados do Universo. Não que ficar confinado ao nosso Sistema Solar seja um problema de espaço: se o Sol fosse do tamanho de um grão de areia, o sistema solar ocuparia uma área equivalente à sua mão. E ele é apenas uma de várias estrelas que compõem a via láctea. Se o sistema solar fosse do tamanho de sua mão, a via láctea seria um pouco maior do que o Brasil[1]https://nightsky.jpl.nasa.gov/news-display.cfm?News_ID=573. A via láctea nem é a maior das bilhões de galáxias que fazem parte do Universo. Tem coisa pra cacete pra explorar lá fora.

Com tanto Universo e tanto espaço, as chances da New Horizons esbarrar em alguém são quase nulas. Não que esse seja o objetivo dela: ela vai passar pelo cinturão de Kuiper e sobrevoar (o agora ex-planeta) Plutão. Por conta disso, como uma última homenagem, a sonda carrega as cinzas do astrônomo Clyde W. Tombaugh, que descobriu Plutão em 1930[2]curiosidade: desde que foi descoberto, Plutão ainda não conseguiu terminar uma volta sequer em torno do Sol. Deixa ele, coitado, cada um vai no seu tempo.. Ela também leva um pequeno pedaço do foguete SpaceShipOne; um CD com imagens do time que trabalhou no projeto e outro CD com 434 mil nomes de pessoas sem pendências no Serasa que acharam legal mandar suas alcunhas para o espaço; duas moedas de 25 cents; duas bandeiras dos Estados-Unidos; e um selo de 1991 com os dizeres “Pluto: not yet explored”.

hey, pluto!

Dado esse monte de tralha inútil, se a sonda for hipoteticamente interceptada por seres alienígenas, nada do seu conteúdo será aproveitado: com a eventual inflação, as moedas de 25 centavos só vão se desvalorizar, dificilmente o selo seria aceito pelos correios mais próximos e tal qual usuários da Apple, alienígenas também não devem ter nenhum aparato capaz de ler CDs.

Se parece o desperdício de um bom mensageiro, realmente é. As outras quatro sondas com capacidade de deixar nosso sistema solar enviaram mensagens muito mais úteis para o inexplorado mundo lá fora. A NASA dá passos para trás em comunicação espacial se comparado com o trabalho que ela fez na década de 70 com a imprescindível ajuda de um dos mais conhecidos e amados astrônomos que já existiram: Carl Sagan.

Figurinha de Zap

Nascido em 1934 em New York, filho de um imigrante soviético com uma dona de casa americana, Sagan foi o homem que explicava o espaço bem no auge da era espacial. Ele foi o primeiro grande divulgador científico quando Atila Iamarino ainda nem sonhava em existir. A série Cosmos colocou Carl Sagan como arauto da sabedoria e ele passou a receber infindáveis cartas e até telefonemas com todo tipo de mensagem de todo tipo de maluco, em especial grupos cristãos que criticavam-no pelo seu ateísmo ou pela insistência dele em defender teorias absurdas como a de que o homem e os macacos descendem de um ancestral comum. O culto à celebridade de Sagan pode ser comparável ao astrofísico que herdou a série Cosmos recentemente: Neil deGrasse Tyson, que aos 17 anos conheceu Sagan, professor da Universidade de Cornell na época.

Mesmo antes de ter seu próprio programa de TV, Carl Sagan já tinha certa fama: ele participou de diversas atividades com a NASA. Uma delas foi no lançamento das sondas Pioneer 10 e Pioneer 11, nos anos de 1972 e 1973. Sagan que tinha a comunicação com seres alienígenas como um grande foco de seus estudos, foi contactado pelo jornalista Eric Burgess sobre a possibilidade de usar as sondas para mandar uma mensagem aqui da Terra: como era a primeira vez que a humanidade estava construindo algo que seria capaz de romper os limites do Sistema Solar, não saberíamos onde essas sondas poderiam chegar. Ele ficou tão empolgado com a idéia de transformar uma sonda de mais de 250 quilos em um pombo-correio intergaláctico que encheu o saco da NASA até eles concordarem em deixá-los enviar alguma coisa. Ele chamou o astrônomo Frank Drake e a artista Linda Salzman para ajudarem. A agência deu a eles três semanas para fazer uma cartinha que fosse minimamente compreensível para qualquer ser dotado de alguma inteligência que, a despeito da raríssima possibilidade, interceptasse a nave.

Linda Salzman era esposa de Carl Sagan na época, numa evidente prática de nepotismo; e Frank Drake, além do nome de personagem da Marvel, era amigo e parceiro de Sagan em diversos projetos e é o cientista responsável por formular a “Equação de Drake”, uma conta probabilística que estima a quantidade de civilizações com capacidade e tecnologia de comunicação existentes na via láctea[3]Eu queria muito me estender sobre esta equação, porque ela é legal pra cacete; mas eu me contive e guardei os parágrafos para um futuro texto novo sobre o tamanho do Universo. A equação tá aqui, ó: https://www.seti.org/drake-equation-index.

O resultado, impresso em uma liga de alumínio anodizado em ouro de 15cm x 22cm, especialmente produzido para durar milhões de anos, é o seguinte:

Pioneer Plaque

Mesmo numa sociedade que se comunica unicamente através de emojis e figurinhas de WhatsApp como a que vivemos, analisar a mensagem não é algo trivial, mas é completamente possível, para formas de vida minimamente inteligentes[4]https://www.ceros.com/inspire/originals/pioneer-plaque-design/.

O item mais óbvio é o casal peladão em destaque. Sim, a primeira mensagem enviada para fora da nossa galáxia foi um nudes. Quando visitarem nosso planeta, ETs já seriam capazes de nos reconhecer como as criaturas dominantes e já sabem o movimento de braço ideal para fazer um high-five. Quem sabe eles param de abduzir inocentes vaquinhas em cidades do interior agora. Isso, claro, se eles não analisaram a placa em outra orientação e agora acham que somos seres rastejantes de 60 centímetros de altura e 1,80m de comprimento. Atrás do casal, uma representação gráfica da sonda para ajudar a desvendar a escala do ser humano médio.

A linha de baixo é o nosso endereço. Temos que torcer para que o Google Maps da sociedade espacial seja melhor que o nosso pra poder matar a charada que é óbvia para nós, que moramos aqui: estamos na terceira bola flutuante de distância da estrela gigantesca. As linhas em cada bolota são a distância do planeta em relação ao Sol, em números binários confusos para ser mais nerd, já que algarismos arábicos não iam significar nada mesmo.

O óbvio acaba aí, o resto depende da especulação do pessoal do Reddit lá dos outros planetas, mas dá pra entender se estudiosos quebrarem a cabeça nele o suficiente: o asterisco bagunçado é um mapa Universal de onde está nossa galáxia, com as marcações sendo a medição de distância em binários confusos. É um negócio chamado “mapa pulsar”. Um pulsar é uma estrela de nêutrons que emite pulsos magnéticos em períodos constantes e únicos. Há 14 linhas representando 14 estrelas e todas conectando com o Sol e é assim que os aliens encontrariam nosso sistema solar, numa espécie de CEP interestelar.

As duas bolotas no topo são a chave necessária para traduzir a charada. São representações do hidrogênio, o elemento mais abundante do Universo.

O detalhe é que cada átomo de hidrogênio está em um estado de energia (como é possível ver pela posição do elétron) e, portanto, a linha que conecta eles seria a transição de um estado para o outro. Essa transição gera uma radiação eletromagnética que é a base para todas as medidas da placa: é uma onda de aproximadamente 21 centímetros que seria a base para ser usada no símbolo 1 de todos os valores binários confusos da placa. Se corretamente decifrado, uma sociedade pode concluir que temos a matemática mais confusa do Universo e até vão preferir evitar nos visitar para não ter que trabalhar em problemas desse tipo.

Além de nossa posição geográfica, o cálculo das ondas eletromagnéticas do hidrogênio e dos pulsos das estrelas de nêutrons também são um indicativo da data que a sonda foi enviada. Isso é crucial, porque pode levar milhões de anos para alguém achar a mensagem.

A NASA encerrou os trabalhos com a Pioneer 11 em 1995. A missão da Pioneer 10 durou mais: foi encerrada em março de 1997, quando o sinal da sonda ficou tão fraco que se tornou muito difícil compreendê-lo. Mesmo assim, foi possível extrair dados coerentes de um sinal recebido em 2001, aplicando métodos tirados da Teoria do Caos para preencher as partes falhadas da recepção. O último sinal recebido da Pioneer 10 foi em 23 de janeiro de 2003 e na época a sonda estava a 12 bilhões de quilômetros da Terra. Uma última tentativa de contato foi feita em 4 de março de 2006, na última ocasião em que a antena da Pioneer estava alinhada com nosso planeta, mas nenhuma resposta foi obtida. Mesmo assim, 30 anos de uso não é nada mal para uma sonda que foi planejada para trabalhar por 21 meses[5]https://science.nasa.gov/science-news/science-at-nasa/2001/ast03may_1/, bem que minha mãe fala que antigamente eles faziam as coisas pra durar.

Lançamento literal de discos

A NASA, como qualquer criança que cresceu vendo a Xuxa sair de um disco voador e cair numa montanha de cartinhas, adorou esse negócio de mandar correspondência pro espaço. Para as sondas Voyager, destinadas a alcançar lugares onde nenhum ser humano audaciosamente jamais esteve, ela chamou de novo Carl Sagan e deu a ele mais tempo e liberdade para preparar a próxima mensagem. A Voyager 2 foi lançada em 20 de agosto de 1977. A Voyager 1 em 5 de setembro do mesmo ano. Espaço é assim mesmo: a numeração é toda bagunçada, não à toa que Star Wars começa no filme 4.

Sagan trabalhou por um ano como chefe de um comitê da Universidade de Cornell, destinado a construir um mini-guia do nosso planeta, tornando-o oficialmente o primeiro enciclopedista do Guia do Mochileiro das Galáxias, pode-se dizer. O resultado, mais do que uma simples imagem, foi um disco de LP feito de alumínio e ouro, contendo saudações em 55 línguas diferentes (incluindo português, para o caso daquela regrinha de “sempre tem um brasileiro” valer também para outras galáxias), diversos sons como latidos de cachorro, coaxar de um sapo, buzina de navio, uma baleia falando baleiês, e sons de chimpanzés, elefantes e pássaros – alguns dos exemplos estão disponibilizados pela NASA aqui. E é claro, sendo um LP, tem músicas: Bach, Beethoven e a intergalática “Johnny B. Goode”, de Chuck Berry.

Infelizmente a comunicação espacial não é tão simples quanto meter um disco numa nave e torcer para que alienígenas coloquem o negócio para tocar na vitrola mais próxima, então instruções de como tirar som de uma placa de alumínio foram anexadas na capa do disco, deixando ele com o estilão que marcaria as capas dos álbuns da década de 80:

As placas enviadas com a Pioneer realmente deixaram o time de comunicação alienígena americano bem ousado. Requer uma certa quantia de boa vontade acreditar que qualquer pessoa que nunca viu um LP tocando na vida vai conseguir montar um aparelho e tocar um disco usando apenas as instruções apresentadas, mas valeu a tentativa:

Começando dos dois itens de baixo, que já são conhecidos: o CEP da nossa galáxia usando o mapa pulsar de 14 linhas e os dois átomos de hidrogênio definindo o valor temporal e métrico para o restante das ilustrações.

Acima, do lado esquerdo, as duas imagens ensinam como tocar o disco – o carrinho que aparece no desenho para ser passado pelo LP foi enviado junto com a nave. Os dois desenhos mostram o disco visto de cima e de frente, e as marcações são valores em binário confuso (aquele usando os átomos de hidrogênio como chave) para assinalar a velocidade de rotação do disco. São esses desenhos que provavelmente também serviram de inspiração para a produção dos manuais de instruções da IKEA.

Mas colocar o disco para tocar é só metade do caminho para extraterrestres. Isso porque, além de cerca de uma hora de músicas e saudações terráqueas, o disco também contém 115 imagens[6]https://voyager.jpl.nasa.gov/galleries/images-on-the-golden-record/ codificadas de forma analógica em formato sonoro. São imagens de carros, prédios, animais, ilhas, moléculas químicas e, é claro, seres humanos – mas dessa vez vestidos, já que a NASA foi supostamente criticada por colocar imagem de gente pelada em uma mensagem que poderia ser interceptada por crianças alienígenas.

Como decodificar essas imagens é o que ensina as duas ilustrações do lado direito, o manual mais complexo e mais simplificado de como converter ondas sonoras em imagens. A explicação é mais confusa do que Tiago Leifert detalhando o funcionamento das provas do BBB: Primeiro temos o desenho das ondas e o tempo de cada intervalo de pico/vale em binário confuso. Logo abaixo, o retângulo com as linhas se aglomerando indicam a direção de posicionamento das ondas (de cima para baixo, da esquerda para a direita) para formar a imagem. Se corretamente decodificado, o primeiro resultado será um círculo (que é a imagem de baixo).

círculo obtido pelo meu próprio algoritmo

Como eu não tenho um pingo de amor próprio e o menor respeito pelo meu tempo livre, chafurdei minha fuça em códigos python e tratamentos de ondas de som para ver se conseguia tirar as imagens dos áudios enviados na Voyager. Foi uma tarefa de programação extremamente complexa e maçante, praticamente impossível de converter em um texto pseudo-científico até mesmo para este blog aqui. Mas, para quem gosta de programação e tem interesse em ver o código e o procedimento detalhado, pode conferir neste repositório de github

O resultado é satisfatório o suficiente para que eu entendesse como funciona o processo todo, mas dificilmente me daria uma nota 10 em um trabalho de graduação (estou inclusive mandando o projeto final para o meu antigo orientador e aguardo seu parecer).

Excluindo-se a parte extremamente nerd envolvendo contas matemáticas de ondas sonoras e loops gigantescos, alguns dos resultados estão a seguir:

Eu não sou o mais inteligente dos programadores – entre deixar o código engraçado ou performático eu sempre escolho a primeira opção -, mas é evidente que mesmo para programadores experientes, extrair essas imagens não é uma tarefa trivial. E isso quase 45 anos depois que os gênios da NASA criaram esses algoritmos na mão: hoje, mesmo fazendo uso de ferramentas que facilmente convertem o som em ondas sonoras, as ondas em números, e os números em pixels, não foi nada fácil tirar imagens dos sons.

Parece difícil aceitar que aliens eventualmente seriam capazes de fazer esse trabalho todo só olhando essa imagem, mas se civilizações extraterrestres forem tão inteligentes e organizadas quanto gostamos de pensar, é plausível. Menos plausível é a idéia de que a sonda seria interceptada por ETs. O mais provável é que ela vagueie pelo espaço por milhões e milhões de anos e jamais cruze com qualquer outra forma de vida.

Loucuras de amor

Se acontecer o improvável, os discos da Voyager forem encontrados, os chiados forem transformados em imagem e a vida no nosso planeta for estudada por outras civilizações espaciais, há uma última mensagem que nem nós seríamos capazes de decifrar com nossa tecnologia atual. Por volta do minuto 20, perdido entre diversos sons, há um chiado incompreensível que pode muito bem ser confundido com alguma falha de gravação:

O som são ondas cerebrais, um eletroencefalograma convertido em som:

Essa é a análise do cérebro de Ann Druyan, uma das cientistas que faziam parte do time que estava compilando material para criar o disco de ouro. A idéia de colocar ondas cerebrais no disco foi da própria Ann – se houver alguma chance de uma tecnologia ainda desconhecida por nós ser capaz de recuperar ondas de pensamentos e convertê-las em algo legível, esses pensamentos seriam um dos materiais mais importantes para entender a vida humana na terra.

Gravado em 3 de junho de 1977, Ann fez um pequeno roteiro para guiar seus pensamentos: pela filosofia e história da humanidade, por tudo que somos e desejamos ser. Mas dois dias antes do exame cerebral, Ann Druyan e Carl Sagan ficaram noivos. Os pensamentos de Ann facilmente se desviaram para o mais puro amor, pela imensa paixão que ela sentia por Carl Sagan. Se em algum momento for possível converter essas mensagens cerebrais em pensamentos ou emoções, o resultado seria uma das mais belas declarações de amor já feitas.

É uma mensagem gravada em um disco de ouro produzido para durar milhões de anos e enviado ao espaço sideral, destinada a atingir o desconhecido e chegar onde nenhum ser humano jamais chegará. É a versão mais nerd, duradoura e de maior alcance possível daqueles carros de som com declarações de amor que o Gugu mandava na casa de casais. Belo e poético.

Ann Druyan e Carl Sagan se casaram em 1981 e ficaram juntos até a morte de Sagan, em 20 de dezembro de 1996. Ambos cientistas céticos, Druyan declarou posteriormente em uma entrevista:

“Quando meu marido morreu, ele era tão famoso e conhecido por não ser um crente, que muitas pessoas vinham até mim – e isso ainda acontece às vezes – e perguntavam se no final da vida Carl mudou e se converteu a acreditar em uma vida após a morte. Também me perguntam frequentemente se eu acho que o verei novamente. Carl encarou sua morte com uma coragem inabalável e nunca buscou refúgio em ilusões. A tragédia era que nós sabíamos que nunca nos veríamos novamente. Eu não espero jamais me reunir com Carl. Mas, a coisa maravilhosa é que, quando estávamos juntos por quase vinte anos, nós vivemos com uma vívida apreciação de quão bela e preciosa a vida é. Nunca banalizamos o significado da morte fingindo que era qualquer outra coisa que não uma despedida final. Cada momento que nós estivemos vivos e juntos era milagroso – não no sentido de inexplicável ou sobrenatural. Nós sabíamos que éramos agraciados com o acaso… Essa chance pura que podia ser tão generosa e gentil… Que pudemos nos encontrar um ao outro, como Carl lindamente escreveu em Cosmos, na vastidão do espaço e na imensidão do tempo… Que nós pudemos ficar juntos por vinte anos. Isso é algo que me sustenta e é tão mais significativo… A forma como ele me tratava e como eu o tratei, como cuidávamos um do outro e de nossa família enquanto ele viveu. Isso é tão mais importante do que a idéia que eu vou vê-lo novamente algum dia. Eu não acho que eu jamais verei Carl novamente. Mas eu o vi. Nós vimos um ao outro. Nós nos encontramos no cosmos e isso foi maravilhoso.”

~ Ann Druyan[7]https://www.goodreads.com/quotes/506561-when-my-author-husband-10538-died-because-he-was-so-famous-and

Para disfarçar essas lágrimas aí e acompanhar onde estão as sondas Voyager neste exato minuto, a NASA tem um sitezinho legal: https://voyager.jpl.nasa.gov/mission/status/

Fontes e referências

Fontes e referências
1 https://nightsky.jpl.nasa.gov/news-display.cfm?News_ID=573
2 curiosidade: desde que foi descoberto, Plutão ainda não conseguiu terminar uma volta sequer em torno do Sol. Deixa ele, coitado, cada um vai no seu tempo.
3 Eu queria muito me estender sobre esta equação, porque ela é legal pra cacete; mas eu me contive e guardei os parágrafos para um futuro texto novo sobre o tamanho do Universo. A equação tá aqui, ó: https://www.seti.org/drake-equation-index
4 https://www.ceros.com/inspire/originals/pioneer-plaque-design/
5 https://science.nasa.gov/science-news/science-at-nasa/2001/ast03may_1/
6 https://voyager.jpl.nasa.gov/galleries/images-on-the-golden-record/
7 https://www.goodreads.com/quotes/506561-when-my-author-husband-10538-died-because-he-was-so-famous-and
Geral

Uma breve história da medicina

Houve uma época em que a medicina não tinha praticamente relação nenhuma com a política. Os mais jovens não devem se lembrar, mas as decisões de quais remédios tomar em caso de determinada doença ou a confiança em uma vacina cabia a médicos e cientistas e não a autoridades políticas. Quem viveu sabe: impossível não sentir saudades de 2018.

No ano de 2020 tudo mudou: médicos foram jogados no meio de guerras partidárias e acreditar ou não em conclusões científicas dependia de quem a pessoa votou. Os únicos cientistas que estavam acostumados a lidar com pressões políticas eram aqueles que estudavam as mudanças climáticas, e agora os infectologistas se tornaram alvo de robôs difamadores muito dedicados. Alguém conhecer o Atila Iamarino nos dias de hoje está menos relacionado com uma explicação científica dada por ele em um nerdcast de 2013; é mais provável que o nome tenha aparecido em um grupo de WhatsApp que contesta o formato da terra.

Enquanto assistimos embasbacados à era do grande delírio, o crescimento do movimento anti-vax e a negação de resultados científicos só porque vão contra convicções pessoais políticas, há de se lembrar que a medicina passou por poucas e boas para chegar até aqui.

Ervas e magia

É difícil dizer quando a medicina moderna surgiu. Uma busca no Google por “First doctor” traz como resultado o nome de William Hartnell, ator que interpretou Doctor Who entre 1963 e 1966. Não é bem o que eu estava procurando, mas que série velha, não?

O grego Hipócrates (460A.C – 370A.C) é considerado o pai da medicina e talvez a primeira pessoa a ignorar o que um paciente está falando e terminar uma consulta dizendo “é só uma virose”. Aquele juramento de ser um médico bonzinho, legal, que trataria a Regina Duarte com o mesmo cuidado que trataria a Fernanda Montenegro, que todos os formados em medicina fazem, se chama “juramento de Hipócrates”[1]Anotação: Trocadilho óbvio removido. Buscar uma piada melhor. Mas a busca por tratamentos médicos vêm até de antes dele.

Desde que o homem das cavernas topou com o mindinho em uma pedra, ele já busca soluções para curar as dores e funcionamentos incorretos do corpo. Antes do homem ser homem a medicina já existia: primatas ficaram bons em usar certas ervas em determinadas condições físicas, mesmo que elas tenham um gosto amargo e pouco valor nutricional[2]https://www.npr.org/sections/health-shots/2013/04/09/176694090/on-call-in-the-wild-animals-play-doctor-too?/. Logo, para o homo-sapiens, o uso de elementos da natureza para tratar mazelas existe desde sempre, apesar de que ninguém ia muito a fundo sobre as causas das doenças: geralmente elas eram associadas com algo totalmente fora de controle: é culpa de Deus, das estrelas, de demônios, de maldições… até o vírus da gripe tem o nome de influenza (em inglês diminuído para flu) porque os italianos achavam que aquele monte de gente ficava espirrando no começo do inverno por influência das estrelas.

Quando foram procurar responsáveis pela Peste Negra, que matou um terço da população européia entre os anos de 1346 e 1353, os estudiosos chegaram à conclusão que o grande culpado era Deus. Mas como Ele estava muito longe, acabaram metendo a culpa nos judeus mesmo[3]https://www.bh.org.il/blog-items/700-years-before-coronavirus-jewish-life-during-the-black-death-plague/, que estavam mais fácil de perseguir. Hitler curtiu.

A era medieval, particularmente, foi um show de horrores da medicina. Lembro-me de uma visita ao castelo de Warwick, na Inglaterra: em uma das salas havia um ator atrás de uma mesa abarrotada de ervas e instrumentos, simulando um médico medieval bradando curas para diversos tipos de mazelas: Amuletos, orações e feitiços poderiam ser usados para qualquer caso; Leprosos deveriam entrar em lockdown e só receber comida pelo iFood; Sanguessugas poderiam ser usados em tratamento cardíacos, para desobstruir veias e tratar de problemas circulatórios; Dependendo do médico, fumar tabaco poderia ser o remédio recomendado (não para câncer de pulmão, imagino). Resumindo: não era uma época boa pra ficar doente, nem o atestado para faltar no trabalho valia a pena.

Imagine, por exemplo, que você estivesse com uma puta dor de cabeça. O doutor poderia recomendar um procedimento chamado trepanação, que é pegar uma broca e abrir um buraco no seu crânio: uma abertura para os maus espíritos poderem sair. Humanos furam suas cabeças há milhares de anos, e esqueletos de pessoas que passaram pelo processo já foram encontrados em culturas muito distantes – e dificilmente isso tenha se originado de um desafio de grupo de WhatsApp. Até o John Lennon recomendou que Paul e Linda McCartney fizessem uma trepanaçãozinha inocente[4]https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2017000500307 (mas ele também já devia estar na fase do LSD). O segredo para tantas pessoas terem passado por isso no passado é que funciona: alivia a pressão craniana, o que melhora no caso de dor. Não a dor de uma broca cortando seus ossos, é claro, afinal o processo era feito sem anestesia.

Um brinde à anestesia

Pouco se fala sobre a importância do desenvolvimento da anestesia, mas ninguém gostaria de viver em um mundo sem ela. Pode parecer óbvio a partir do momento que se pensa na linha do tempo da medicina, mas é aterrorizante imaginar que os procedimentos cirúrgicos surgiram antes das anestesias. Pelo menos antes das anestesias modernas, já que o uso de ópio e ether como forma de alívio das dores existe praticamente desde sempre.

Como é possível ver em filmes de grandes conflitos medievais, o álcool era também normalmente usado como anestésico: seja beber para suportar a dor ou encher a cara até entrar em coma alcóolico. Foi o principal anestésico durante a guerra civil americana, e os soldados tomavam um goró e mordiam um pano enquanto o senhor doutor cortava pernas e braços fora com uma desenvoltura tarantinesca.

A outra terrível opção era passar pelos procedimentos cirúrgicos sem anestesia nenhuma. O paciente sentia tudo por dentro, como se estivesse assistindo um filme da Pixar pela primeira vez. Era algo tão terrível que fez surgir o aterrorizante conceito de “cirurgia surpresa”: os médicos se recusavam a dar informações ao paciente sobre a operação e, no dia D e hora H, simplesmente batiam na porta do incauto doente para uma cirurgia. Tudo isso para evitar que o paciente cometesse suicídio na noite anterior. Em 1810, por exemplo, o cirurgião de Napoleão Bonaparte executou uma mastectomia surpresa na escritora Fanny Burney que relatou o procedimento de forma até desconfortável[5]…a terror that surpasses all description… when the dreadful steel was plunged into the breast—cutting through veins, arteries, flesh, nerves… I began a scream that lasted unintermittingly during the whole time of the incision, and I almost marvel that it rings not in my ears still!… When the wound was made and the instrument withdrawn, the pain seemed undiminished, for the air that suddenly rushed into those delicate parts felt like a mass of minute but sharp poniards… when again I felt the instrument, describing a curve, cutting against the grain, while the flesh resisted in a manner so forcible as to oppose and tire the hand, then, indeed, I thought I must have expired.[6]como descrito no livro The Pain Chronicles, de Melanie Thernstrom.

Foi só lá pela metade do século XIX que as anestesias em processos operatórios viraram padrão, com o uso cuidadosamente administrado de clorofórmio, gases que te apagam por completo, e drogas que colocam no seu martini e você acorda horas depois numa banheira de gelo sem um dos rins, mas não precisou pagar a conta do bar pelo menos, dependendo do bistrô pode até valer a pena.

Da varíola ao coronga

Se você (como eu) nasceu depois de 1978, então nunca ficou preocupado com a varíola. O último caso da doença foi diagnosticado em 26 de outubro de 1977, na Somália, e a erradicação da varíola é um atestado dos grandes feitos da medicina na história e a prova definitiva que as vacinas funcionam sim. Mas essa vitória não foi fácil: ela levou 200 anos de batalhas; inclusive aqui no Brasil, num episódio chamado “Revolta da vacina”: em 1904, o povo, extremamente burro, se recusou a ser vacinado contra uma doença que estava afetando a eles mesmos. Sorte que, mais de um século depois, a população ficou mais inteligente, né?[7]eu chorei de desgosto escrevendo essa frase

Quem desenvolveu a vacina contra a varíola foi Edward Jenner, em 1796. Naquele tempo, o tratamento contra a doença se baseava em triturar e aspirar cascas de feridas de outros doentes, o que, convenhamos, é o princípio básico de uma vacina: colocar no corpo de um ser humano saudável pedaços enfraquecidos do vírus para que o sistema imunológico se prepare quando o vírus de verdade chegar. A grande merda desse processo é que era fácil errar na mão e espalhar ainda mais a doença.

Jenner teve a astúcia de perceber uma análise estatística típica dos comentaristas de NFL: as moças que ordenhavam leite de vaca geralmente não ficavam doentes. Ao invés de falar “olha, que interessante” e abrir o rocket league para mais uma partida como eu geralmente faço, Jenner foi estudar o caso (e provavelmente tentar se engraçar com uma das moças) e descobriu que elas na verdade tinham sido contaminadas com varíola bovina, uma parente distante da varíola humana que não faz mal pra ninguém, coitada. Jenner chegou num piá que ficava lá pelos arredores jogando bola sozinho chamado James Phipps e perguntou se ele queria brincar de ser cobaia. Sem saber como era o jogo, o moleque aceitou: Jenner então infectou-o com o vírus da varíola bovina e, depois de umas semanas, chamou o garoto de novo e infectou ele com o vírus da varíola humana. Eram outros tempos, ninguém se importava muito com ética médica, tava tudo bem. Ainda mais porque James não desenvolveu a doença. E pimba: assim foi criada a primeira vacina; testes iniciados direto na fase 3 com universo de uma pessoa, a Anvisa vai ficar louca da vida quando descobrir isso.

A vacina da varíola foi um marco importante da história da humanidade: só nos últimos 100 anos de história da doença, mais de 500 milhões de pessoas foram desfiguradas ou morreram. Após sua erradicação, a OMS teve que decidir o que fazer com os estoques de vírus que ainda existiam em laboratório. Por um lado, se fossem destruídos, o vírus desapareceria para sempre, por outro, se fossem destruídos, o vírus desapareceria para sempre[8]eu sei, foi de propósito. O único risco seria uma liberação acidental (ou não) dos agentes causadores de varíola – atirar um vidro desses num estádio cheio poderia causar um problemaço. Em 2011, a OMS considerou que esse risco era mínimo (quase inexistente) e manter exemplares da varíola poderia ser útil para pesquisas no futuro.

A forma como as vacinas são desenvolvidas não mudou muito de 1796 até 2020. No geral o processo é o mesmo: infectar pessoas saudáveis com o agente transmissor inativado ou enfraquecido para que o corpo desenvolva os anticorpos contra a doença por conta própria. É assim que funciona a CoronaVac, a principal solução contra o Covid para nós, pobres brasileiros.

O ano de 2020 trouxe uma revolução também no desenvolvimento de vacinas. A começar pela velocidade de produção: antes do covid o tempo para a produção de uma vacina era de, no mínimo, quatro anos. Obter um medicamento confiável em menos de um ano era um absurdo impensável até março do ano passado. Para se ter uma idéia, foi só em fevereiro de 2020 que tivemos a vacina aprovada para conter a epidemia de ebola de 2014. Mas essa epidemia ficou contida na África, então ninguém estava preocupado de verdade.

A maior revolução foi na forma como as vacinas são desenvolvidas: ao invés de usar o princípio causador da doença, as vacinas de RNA mensageiro usam a “receita”. A vacina carrega dentro de si instruções “escritas” em RNA que chegam ao DNA dizendo como é o anticorpo que deve ser produzido. Parece algo extremamente futurista e é. É assim que funciona a vacina da Pfizer e da Moderna, as primeiras produzidas com a nova técnica, o único avanço realmente notável nas vacinas em 224 anos de história.

A guerra contra as bactérias

A Pfizer tem um bom histórico de estar à frente na evolução dos medicamentos. No começo da década de 40, eles foram importantíssimos na produção de penicilina para os soldados americanos na Segunda Guerra, o que ajudou na vitória aliada. A penicilina veio em boa hora: os soldados de ambos os fronts estavam apanhando feio na batalha contra as bactérias. Na guerra, doença matava mais do que bala. Na época, os soldados ainda usavam a sulfonamida, aquele pó branco que você vê os soldados jogando nos ferimentos em filme de guerra. A sulfa não era tão boa assim, não funcionava tão bem, muitas bactérias estavam se tornando resistentes e parecia demais com cocaína, não ia pegar bem gravar “O resgate do soldado Ryan” no Projac.

A Pfizer fabricou mais de 90% da penicilina usada pelos Estados Unidos[9][10]https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2048009/ e beleza, era isso, ele só queria mesmo deixar o currículo lattes mais impressionante. Precisou de um confronto terrível que matasse pessoas com a velocidade do John Wick se vingando por seu cachorrinho para desenterrarem essa descoberta e a aplicarem: tempos difíceis requerem medidas urgentes, a gente sabe disso agora mais do que nunca[11]mais em https://tecnoblog.net/meiobit/433487/penicilina-a-droga-magica-made-in-usa-que-salvou-hitler.

Graças aos antibióticos, fazemos parte de uma geração que até nem se importava tanto em ficar doente: não precisava ir pra escola e a amoxicilina tinha gosto de morango, era uma delícia; um século antes, as crianças tinham as mesmas doenças e a mãe simplesmente falava “é isso, meu filho vai morrer, sorte que eu tenho oito desses, foi bom ter engravidado tanto”. Não entendo o pessoal que fica dizendo “nasci na época errada, bom mesmo eram os anos 1920”.

Placebo pla que te quero

Por falar em remédio bom, sendo um cidadão que toma engov® para todas as situações adversas possíveis: de uma dor de cabeça leve a uma fratura exposta; posso dizer que sou um grande entusiasta de placebos. Para quem não sabe: placebos são substâncias que não possuem nenhuma propriedade farmacológica e ainda assim são aplicadas para um tratamento. Tipo a homeopatia. E placebos funcionam em pelo menos 30% dos casos: são certamente responsáveis pelo maior número de curas médicas da história da humanidade. Aliás: pesquisas apontam que os placebos funcionam mesmo quando sabemos que são placebos. Não é à toa que a palavra “placebo” vem do latim “dar prazer, satisfazer”.

Eles são comumente usados em pesquisas médicas: nosso corpo às vezes consegue ser tão maravilhoso que atrapalha. No caso de uma doença, a partir do momento que começamos um tratamento, o corpo já vai achando que “beleza, o malandro tá tratando disso daqui, então já posso ficar melhor” e melhora. Para o desenvolvimento de novos medicamentos, o placebo é usado como grupo de controle: para os testes de eficácia de uma vacina, por exemplo, 1000 pessoas podem ser vacinadas com o princípio ativo correto e 1000 pessoas com o placebo – a vacina real precisa, obrigatoriamente, fornecer melhores resultados do que o placebo. A eficácia da vacina é definida por quão melhor são esses resultados.

Qualquer coisa pode ser um placebo: pílulas de açúcar, injeções de água, tabletes de farinha, e até cirurgias. Especialmente em casos de dores crônicas, como dor no joelho ou nas costas, os médicos podem fazer uma cirurgia inteira de placebo: eles aplicam anestesia local, imitam os sons de um procedimento cirúrgico (tipo aquele policial do Loucademia de Polícia), e podem até deixar uma marca para parecer que algo foi feito ou mostrar um vídeo do procedimento sendo feito de verdade em outra pessoa – mas eles não fazem nada. É um trabalhoso mundo de faz de conta que dá resultados[12]uau: https://www.bmj.com/content/348/bmj.g3253.

Vai de encontro com outro estudo que mostra que quanto mais complexo o tratamento falso, maiores as chances de resultado positivo[13]https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4633056/. Uma cirurgia placebo funciona melhor do que uma vacina placebo que funciona melhor do que tomar 3 comprimidos placebo por dia que funcionam melhor do que tomar um comprimido placebo por dia que funciona melhor do que tomar uma gota, mesmo que seja administrada pelo Zé Gotinha. Até a cor dos medicamentos influencia em seus resultados: medicamentos azuis estão relacionados com doses noturnas e podem induzir ao descanso enquanto medicamentos vermelhos inconscientemente se ligam com agitação e é por isso que as pílulas de cafeína que eu consumo recentemente foram alteradas para serem alaranjadas ao invés da tradicional cor branca.

É para criar um efeito placebo mais poderoso que tratamentos alternativos geralmente envolvem procedimentos complexos e inusitados, como o uso de copos pressurizados, velas aromáticas, cheques milionários passando mais pra lá do que pra cá e milhares de agulhas perfurando o seu corpo, como se o objetivo fosse lhe transformar em um boneco voodoo de você mesmo. 

O poder da oração

Ao contrário do que a definição de placebo pode fazer parecer, rezar não é um placebo. Alguns cientistas diferem nessa concepção – afinal, rezar é um procedimento sem princípios ativos que pode ser empregado na cura de alguém. Voltando para a Idade Média, um dos tratamentos que lhe poderiam ser recomendados seria rezar a Deus pelo perdão, afinal, se Ele te enviou uma doença é porque teve algo que você fez que Ele não curtiu muito.

Passou-se o tempo que curandeiros eram consultados para a cura de doentes, mas até mesmo os tratamentos de cura mais notáveis envolviam processos como chás, ervas, velas, danças e atitudes exóticas.

E é impossível falar de orações em um texto médico sem citar um dos meus estudos favoritos: “Estudo dos efeitos teraupêticos das orações intercessórias em pacientes cardíacos: um ensaio randômico multicêntrico de incerteza e certeza de receber orações”[14]este daqui: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16569567/.

No estudo, pacientes de seis hospitais dos Estados Unidos foram randomicamente colocados em 3 grupos:

  • em um dos grupos, eles eram informados que receberiam orações por suas melhoras e, efetivamente, recebiam 14 dias de orações intercessórias.
  • em um dos grupos, eles eram informados que poderiam ou não receber orações por suas melhoras e não recebiam orações.
  • em um dos grupos, eles eram informados que poderiam ou não receber orações por suas melhoras e recebiam 14 dias de orações intercessórias.

Dos grupos que não sabiam se teriam orações, aqueles que não tiveram intercessões divinas apresentaram complicações em 51% dos casos. Dos que receberam orações, as complicações aconteceram em 52% dos casos. Já do grupo que foi avisado que receberiam orações e efetivamente receberam suas preces, as complicações apareceram em 59% dos casos. Então, se algum dia eu tiver um problema do coração, não rezem por mim. Ou, se rezarem, não me avisem.

Mas uma das partes que mais me fascina nesse estudo é que me entretém muito a idéia de um pesquisador sério entrar em um quarto de hospital com uma prancheta nas mãos, chegar pro pobre paciente com problemas de coração e dizer, com toda a seriedade “Fique tranqüilo. Alguém vai estar rezando por você. Ou não. Talvez. Você nunca saberá!”

Estes cientistas maravilhosos e suas éticas contestáveis

Essas pesquisas científicas incríveis evidentemente não passam batidas pela mente de filósofos procurando trabalho. Pensando em testes com vacinas, por exemplo, é eticamente correto você vacinar uma pessoa com água com açúcar (considerando que ela tenha caído no grupo placebo) e mandar ela embora induzindo-a a acreditar que está vacinada?

Talvez a pergunta a ser feita é: existe outro jeito? Provavelmente não. Mais de duzentos anos depois que Edward Jenner infectou propositalmente o garoto James Phipps com varíola para testar sua vacina preventiva, ainda não tem um jeito melhor de ver se um remédio funciona do que aplicando em uma cobaia e jogando um punhado de vírus na fuça dela.

No caso da febre amarela, os cientistas não acharam crianças enxeridas nas proximidades e tiveram que testar várias soluções neles mesmos: o americano Stubbins Ffirth (1784–1820) queria provar que a doença não era contagiosa, então fez o que qualquer pessoa convicta faria no seu lugar, fez alguns cortes no braço e passou o vômito de doentes ali. “Não me convenceu”, disse a tia de alguém no Facebook, então ele começou a passar o vômito no globo ocular, beber, cheirar, chafurdar no gorfo de doentes. “Não me convenceu ainda”, continuou dizendo a tia de alguém, mas foda-se, a comunidade científica já tava aceitando que a febre amarela não era contagiosa e que o Ffirth era meio lelé.

Anos depois, em 1900, o epidemiologista Jesse William Lazear ouviu o que todo epidemiologista ouviu em 2020: “vai pra Cuba”. Só que ele realmente foi, para estudar a mesma doença. Em busca da forma de transmissão da febre amarela, Lazear deixou-se picar 11 vezes por mosquitos que tinham picado outros pacientes. Ele desenvolveu a febre amarela e morreu, provavelmente esfregando na cara de todo mundo um “eu tinha razão!”.

Entre os resultados positivos de médicos extremamente confiantes em si mesmos, temos o cientista Werner Forßmann, que desenvolveu uma técnica de cateterização cardíaca, e para provar que funcionava, ele colocou um cateter em sua própria veia e foi empurrando ele até chegar no coração. Por isso, ele ganhou um Nobel de medicina em 1956[15]https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/1956/forssmann/facts/.

Mais recente, em 2005, quem ganhou o Nobel de medicina foi o médico Barry Marshall, por ter provado, em 1984, que a úlcera poderia ser causada por uma bactéria, e não só por stress. E, para provar que ele estava certo, ele fez o que qualquer pessoa faria pra ganhar uma discussão no twitter: bebeu um tubo de ensaio com a bactéria H. pylori e desenvolveu uma úlcera. Mas ganhou essa discussão. Em 2020, ele jogou seu carro contra uma cancela do estacionamento de um prédio que levava seu nome depois que o moço do estacionamento não deixou ele entrar, o que provou mais uma vez que Barry Marshall vai fazer o que for preciso para ganhar uma briga[16]2020 foi um ano e tanto para a ciência: https://www.theguardian.com/australia-news/2020/jun/08/nobel-prize-winner-barry-marshall-admits-driving-through-boom-gate.

Quem se inspirou com essas histórias e quiser ser cobaia da Covid-19, ainda dá tempo: basta se inscrever em testes de laboratórios e se voluntariar a ser contaminado com a doença. O FluCamp, em Londres, paga cerca de 4500 dólares para voluntários que aceitem pegar covid em nome da ciência: https://flucamp.com/. E você indo passar ano novo em Trancoso e ficando corongado de graça, né?

Quem não quiser chegar em níveis tão extremos, mas ainda quiser ajudar na história da medicina, não precisa beber o vômito de ninguém. Basta se informar. O ano de 2020 trouxe uma cooperação científica sem precedentes. A internet permitiu que estudos fossem compartilhados e analisados em tempo real por cientistas de todos os lugares do mundo. Foi assim que chegamos tão rápido em uma solução.

É esse também o motivo de tantas informações discrepantes durante todo esse tempo de pandemia: pegamos todas as informações frescas, sem tempo de contestação. Tudo era muito contraditório: primeiro máscaras não funcionavam, depois descobriram que funcionam sim; primeiro o lockdown era um exagero, depois descobriram que era uma solução eficaz; primeiro achavam que a cloroquina não servia pra nada, depois confirmaram que ela realmente não serve pra nada, porque esse idiota está mostrando uma caixa de remédios para uma ema, o que está acontecendo?

O método científico consiste em desenvolver uma teoria e, ao invés de fazer estudos para confirmá-la, os estudos são feitos para refutá-la. É assim que se avança: percebendo os próprios erros.

Para ser um cientista é necessário aceitar que estava errado. Tudo bem você ter duvidado da vacina em algum momento, é difícil acreditar que algo desenvolvido de forma tão rápida realmente dê certo. Duvidar da vacina agora, quando milhões de pessoas estão tomando e resultados positivos começam a aparecer, é insistir em um erro cretino. A teimosia não tem lugar na ciência, a solução para os imbecis restantes é simplesmente se recusar a acreditar nos resultados.

E a vantagem da ciência é que ela não tá nem aí se você acredita ou não: ela funciona da mesma forma.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 Anotação: Trocadilho óbvio removido. Buscar uma piada melhor
2 https://www.npr.org/sections/health-shots/2013/04/09/176694090/on-call-in-the-wild-animals-play-doctor-too?/
3 https://www.bh.org.il/blog-items/700-years-before-coronavirus-jewish-life-during-the-black-death-plague/
4 https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2017000500307
5 …a terror that surpasses all description… when the dreadful steel was plunged into the breast—cutting through veins, arteries, flesh, nerves… I began a scream that lasted unintermittingly during the whole time of the incision, and I almost marvel that it rings not in my ears still!… When the wound was made and the instrument withdrawn, the pain seemed undiminished, for the air that suddenly rushed into those delicate parts felt like a mass of minute but sharp poniards… when again I felt the instrument, describing a curve, cutting against the grain, while the flesh resisted in a manner so forcible as to oppose and tire the hand, then, indeed, I thought I must have expired.
6 como descrito no livro The Pain Chronicles, de Melanie Thernstrom
7 eu chorei de desgosto escrevendo essa frase
8 eu sei, foi de propósito
9 10 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2048009/
11 mais em https://tecnoblog.net/meiobit/433487/penicilina-a-droga-magica-made-in-usa-que-salvou-hitler
12 uau: https://www.bmj.com/content/348/bmj.g3253
13 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4633056/
14 este daqui: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16569567/
15 https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/1956/forssmann/facts/
16 2020 foi um ano e tanto para a ciência: https://www.theguardian.com/australia-news/2020/jun/08/nobel-prize-winner-barry-marshall-admits-driving-through-boom-gate
nRT

Galeões, Reais e Libras

O primeiro livro de Harry Potter foi lançado em 1997. O último em 2007. Nesse período de dez anos, que é o mesmo tempo que George R. R. Martin leva pra escrever dois capítulos do seu novo livro (ou que eu levo pra escrever dois nRTs, mas eu não ganho pra isso), a autora britânica J. K. Rowling criou um mundo fantástico, cheio de lugares mágicos escondidos, uma história canônica bem estabelecida, raças e criaturas diferentes e até um sistema monetário próprio baseado em moedas de ouro, prata e bronze.

Envolta em polêmicas e acusada de fazer comentários transfóbicos, a autora segue mudando o Universo canônico por ela criado para viabilizar a produção de filmes bostas. Não que ela precisasse: além do patrimônio de um bilhão de dólares (sem contar a marca Harry Potter estimada em 15 bilhões), em 2018 estima-se que seu lucro tenha sido de 54 milhões[1]https://www.businessinsider.com/jk-rowling-harry-potter-net-worth-author-millions-fortune-lifestyle-2019-4, com certeza uma grande porcentagem disso proveniente da venda de varetas de madeira a preço de iphone nos parques da Universal Studios. 

Mas não são as finanças pessoais da autora a coisa mais fantástica aqui exploradas, mas sim o sistema econômico por ela criado. Não parece que J. K. Rowling tenha pensado muito no assunto, como é possível perceber pelo bizarro sistema de conversões internas que regem o sistema financeiro inteiro:

“The gold ones are Galleons,” [Hagrid] explained. “Seventeen silver Sickles to a Galleon and twenty-nine Knuts to a Sickle, it’s easy enough[2]Harry Potter e a Pedra Filosofal, Capítulo 5.

A princípio parece bem simples: uma moeda de bronze é um nuque.
29 nuques são equivalentes a um sicle.
17 sicles são equivalentes a um galeão.
Logo, 493 nuques são equivalentes a um galeão[3]eu até que gostei dos nomes traduzidos das moedas. Obrigado à Marina Temple por abandonar o filho pequeno num canto pra poder confirmar para mim a tradução na coleção dela..

O fato de haver três degraus de conversão também não ajuda quem quiser pagar a passagem do ônibus com um galeão e está  esperando o troco. O cobrador já deve ter decorado a tabela (com valores aproximados):

1 Nuque1 Sicle1 Galeão
29 nuques493 knuts
0.035 sicle17 sicles
0.002 galeões0.06 galeões

Por deus, que sistema estúpido. Um sistema assim só pode ter sido desenvolvido por um bando de pessoas que ensinam Herbologia em detrimento da Matemática. Ou pelos ingleses, já que o sistema imperial deles não é muito mais inteligente do que isso[4]no qual 1 foot são 12 inches; 1 yard são 3 feet; e 1 mile são 1760 yards. Sério, qual o problema dessa galera em usar o sistema métrico?.

Outro ponto incrivelmente estúpido que merece destaque é que a escala de evolução de grandeza é baseada em números primos. Eu imagino que seja uma piada, numa espécie de humor inglês da matemática: qualquer decimal vai sempre gerar resto; e cobrar 3 galeões por duas jujubas gera valores quebrados em três tipos de moeda.

E se a gente imprimisse mais dinheiro?

Ter medidas de conversão estúpidas não limita a existência da moeda, obviamente. O dinheiro surgiu como referência para alguma coisa, não necessariamente como um valor exato. A libra esterlina, ainda usada no Reino Unido, por exemplo, é também uma medida de peso. Uma libra (ou um pound) pode ser arredondado para meio quilo e “esterlina” é um adjetivo para o grau de pureza da prata. Uma libra esterlina então seria meio quilo de prata boa. Coincidentemente esse era o valor de multa aplicado a um cidadão de Eshunna, um reino da Mesopotâmia de 4 mil anos atrás, que fosse condenado por ter mordido o nariz de outra pessoa (claro que é de outra pessoa, ele dificilmente conseguiria morder o próprio nariz). Podia se dizer então que a prata era o lastro da libra, o material ao qual o dinheiro tirava o seu valor. Assim, uma economia rica possuía um estoque de prata maior e tudo era mais simples[5]informações tiradas do livro Crash – uma breve história da economia, de Alexandre Versignassi.

Um lastro precisava ter duas características: Ser uma coisa que todo mundo queira e não ser muito abundante (senão não valeria nada). Já foram usados como lastros de moeda ouro, prata e sal (daí que vem o nome salário, inclusive).

Para a concepção do texto e das teorias aqui apresentadas, algumas suposições devem ser assumidas: o dinheiro não é feito do metal puro e a moeda não possui lastro. Adotar conceitos tão essenciais logo no início das teorias não é recomendável, afinal todo o resto há de ser embasado nesses fundamentos; porém após reler os sete livros e grifar todas as menções financeiras que encontrei[6]eu me dedico muito às coisas erradas, não foi possível chegar a conclusões assertivas – e a J.K. Rowling não responde meus tweets; a rede social dela parece estar bem movimentada ultimamente com outras polêmicas.

A refutação à idéia de que a moeda do mundo de Harry Potter seria produzida de metais preciosos vêm de conclusões tomadas baseando-se apenas na explicação de Hagrid acima colocada. Há pouco detalhamento do dinheiro usado[7]uma das descrições mais marcantes é no livro “…e a Ordem da Fênix”, onde é dito que Hannah Abbott’s eyes were as round as Galleons, mas se referir às moedas como “gold ones” não necessariamente indica que elas sejam feitas de ouro. “Gold e golden são usados intercambiavelmente”, diz a professora de inglês Renata Ungaretti. “As moedas de ouro de antigamente não eram todas de ouro, mas continham o metal. Então, quando se fala de dinheiro, gold pode ser tanto ‘feito de ouro’ quanto ‘banhado’, ‘com um tanto de’ ou algo assim.”[8]Valeu, Rê!. Na prática, gold é um substantivo e golden um adjetivo, mas quando se fala do dinheiro, ambas as formas são aceitas.

Isso elimina o plano genial criado por Harry Potter-Evans-Verres no spin-off-universo-alternativo Harry Potter and the methods of rationality. No livro, Petúnia, tia de Harry, se casou com um professor de Oxford. Assim, ao invés de ser criado por tios abusivos, Harry tem uma criação exemplar, com conceitos de ciência e raciocínio lógico sendo aplicados desde sua infância[9]sério, é muito bom: http://www.hpmor.com/. No quarto capítulo, ao descobrir a existência das moedas de metal precioso e saber de seu sistema de conversão, Harry Potter-Evans-Verres conclui que, toda vez que a relação entre ouro e prata atingir determinado valor, seria possível derreter suas moedas do mundo mágico, fazer a troca e converter o metal de volta nas forjas de Gringotts, gerando assim dinheiro de graça.

Quanto ao lastro, se pensarmos em um elemento normalmente usado para a função como o ouro, ele não faria sentido dentro do mundo de Harry Potter por conta da existência da Pedra Filosofal, que permitiria transformar qualquer metal em ouro. Com a abundância do metal, viria a hiperinflação e a derrocada da economia.

Em “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, uma nave cai em um planeta primitivo e a tripulação decide usar as folhas de árvores como moeda para a comercialização dos amendoins da nave. Com todo mundo imediatamente rico, o valor de um único amendoinzinho passou a ser praticamente uma floresta inteira. Essa história, que eu li nos meus 12 anos, explicou da forma mais didática possível o conceito de inflação: para voltar a recuperar o valor da moeda, os novos habitantes decidem queimar todas as florestas do planeta.

Essa hiperinflação voltou a ocorrer algumas vezes na história: governos imprimem mais dinheiro do que sua economia permite e a confiança naquela moeda se perde. Se uma nota não vale mais o meio quilo de prata boa que promete, ela perde valor. Quanto mais moeda em circulação, menos ela vale e mais notas são necessárias para comprar o mesmo produto.

Hoje em dia dificilmente alguma moeda possuí lastro. O Plano Real foi criado com a idéia de ter o dólar como lastro (lembra da época que um real era igual a um dólar?), mas em alguma curva de algum corredor do Ministério da Fazenda essa idéia foi abandonada. As moedas hoje seguem como “lastro” (ênfase nas aspas) a confiança de que o governo que as emite não vai quebrar. Soa aterrorizante concluir que a base de todo o capitalismo é “confiança”, parece aquelas histórias da Disney que o segredo para a vitória era só “amor”.

E eu não vou nem me atrever a citar o bitcoin, cuja base é o blockchain, porque honestamente essa é uma moeda mais mágica que qualquer galeão já pensou em ser.

Escape from Gringotts

Dentro do mundo mágico de Harry Potter, pelo menos, não parece haver um ministério da economia. O Ministério da Magia parece ocupado demais em definir regulamentos para a espessura do fundo de caldeirões para se preocupar com detalhes tão insignificantes quanto o funcionamento econômico de bruxos. Assim, todo o controle financeiro é feito pelos goblins de Gringotts, o único banco do mundo mágico. A cunhagem de moedas e controle de dinheiro em circulação aparenta ficar toda na mão dos goblins, uma raça desconfiada de todo mundo (eu também seria se tivesse o trabalho deles) e que claramente herdam as funções gerenciais entre si, em um esquema obviamente nepotista.

Para um grupo tão intrinsecamente relacionado com finanças, a forma como eles lidam com o dinheiro soa arcaica. O Banco Central mágico, representado pela imponência de Gringotts, funciona basicamente como uma série de cofres subterrâneos ligados por trilhos. Não à toa que foi criada uma montanha russa com essa premissa – ler o livro já passa essa idéia. Os cofres pertencem aos clientes que armazenam eles mesmos o dinheiro lá. É plausível presumir que parte do lucro de Gringotts venha do aluguel dos cofres, já que o banco não aparenta ter acesso às economias de seus clientes.

Isso é uma diferença crucial no formato das instituições financeiras dos trouxas e dos bruxos: nossos bancos usam e abusam do pobre dinheirinho suado de seus clientes. O dinheiro que você manda pro Itaú, por exemplo, é usado para o banco fazer empréstimos e/ou investimentos internos, que resultam em um rendimento. Uma mísera porcentagem desse rendimento é depositada na conta dos clientes que tiveram seu dinheiro usado nessas transações, como um incentivo a manter a conta bem abastecida na instituição (não é nenhum peso moral, banco não tem dessas coisas).

Gringotts não se permite fazer tais investimentos com dinheiro alheio. É também correto assumir que o dinheiro dos clientes não rende. Por conta da inflação, então, com o decorrer dos anos, todo mundo acaba perdendo dinheiro nessa brincadeira. É de se esperar que a inflação também ocorra no mundo mágico, como em toda economia em crescimento – e não há razões para duvidar que existe crescimento econômico também: a própria história apresenta um exemplo empreendedor dos irmãos Fred e George que no decorrer dos livros inauguram uma franquia de sucesso.

Harry Potter, aliás, se apresenta como o melhor economista dos livros ao preferir investir o seu dinheiro no negócio dos amigos do que deixá-lo parado nos cofres de Gringotts. Não que o fator econômico seja amplamente explorado: raramente personagens estão manuseando dinheiro, apesar da preocupação financeira existir. Dinheiro é um problema e tê-lo ou não tê-lo faz parte das características de diversos personagens: a família Weasley é notoriamente pobre enquanto Potter e os Malfoy são evidentemente ricos – e a dinâmica entre as riquezas dos personagens é amplamente explorada em pontos cruciais no decorrer dos livros. Mas ele sempre aparece em sua forma física e não parece existir “dinheiro virtual” – somente as fatídicas moedas estão circulando, entrando e saindo de bolsinhas de dinheiro.

A importância econômica, aliada à anarquia de controle governamental sobre o dinheiro criam um cenário quase apocalíptico: sem fontes oficiais para empréstimos (já que Gringotts dificilmente conseguiria suprir capital necessário para a atividade), fatalmente o mundo estaria repleto de agiotas (ou, no caso dos magos, Magiotas[10]dsclp). Certamente também não é cobrado imposto de renda, afinal, o controle sobre a riqueza de cada cidadão é nulo. O crime organizado encontra aí um ambiente próspero para crescer – e não há motivos para acreditar que ele não exista no mundo mágico, uma vez que há bruxos maus e diversas infrações como falsificações e roubos (até mesmo a Hermione falsifica dinheiro em determinada altura da história). Deve haver muito trabalho para um “auror” rastrear operações ilícitas ou de um funcionário conseguir reembolso de suas despesas, dada a ausência de cartões corporativos e notas fiscais.

A lavagem de dinheiro também deveria rolar solta naqueles pubs de Hogsmeade, se não fosse um pequeno detalhe: com a ausência de controle econômico governamental, não existem motivos para se lavar dinheiro no mundo mágico. É um problema a menos para se preocupar.

Mas também é difícil acreditar que um sistema tão rico e bagunçado não tenha interferências nas economias externas. O mundo mágico é camuflado e reservado, de acordo com a história, para a proteção dos próprios bruxos; mas também é plausível que ele assim o seja para a proteção dos trouxas, que veriam a derrocada de suas economias com a inclusão de uma bagunça tão grande no já complicadíssimo sistema financeiro em que vivemos.

Uma relação entre os dois mundos é inevitável: no segundo livro da série (“…e a Câmara Secreta”), os pais de Hermione, trouxas que são, vão ao beco diagonal para trocar libras por galeões, deixando claro que existe um sistema de conversão.

E, se existe um sistema conversão, então dá pra criar uma calculadora para isso.

Salvo pela cerveja

O valor de uma moeda é flutuante e definido basicamente no esquema oferta-demanda: Se há muita confiança na economia de um país, é natural que investidores queiram fazer negócios nele, usando assim a moeda local. Aumenta a procura, aumenta o preço. A economia depende da produção e vice-versa.

Como calcular então o valor de uma moeda fictícia, quando é impossível definir essa relação de oferta-demanda?

Uma das formas é pegar um item em comum e analisar o preço desse item em ambas as economias. É o princípio da Purchasing Power Party (PPP), uma teoria séria da economia. É nele que se baseia o Big Mac Index[11]último relatório aqui: https://www.economist.com/news/2020/07/15/the-big-mac-index, criado pela revista The Economist em 1986, que compara o preço do Big Mac em diversos países como uma forma de analisar suas economias. Basta então escolher um item que saibamos o preço nos livros e na moeda corrente e usar essa teoria para criar uma fórmula de conversão.

A boa notícia é que em diversos momentos do livro, os preços de produtos são anunciados. A má notícia é que nunca é o quilo do arroz. A gente sabe, por exemplo, o valor de um fígado de dragão (16 sickles per ounce, o que dá 33 galeões, 2 sicles e 25 nuques por quilo, na primeira matemática sem sentido que você vai encontrar neste texto, PF[12]pra não ficar me repetindo toda hora, vou abreviar o títulos dos livros: PF = Pedra Filosofal, CS = Câmara Secreta, PA = Prisioneiro de Azkaban, CF = Cálice de Fogo, OF = Ordem da Fênix, EP = Enigma do Príncipe, RM = Relíquias da Morte, BS = Bíblia Sagrada, KS = Kama Sutra e SdA = Sociedade do Anel), um chifre de unicórnio (21 galeões, PF), uma multa por andar por aí em um carro voador (50 galeões, CS), uma armadura feita por goblins (500 galeões, EP) ou um medalhão amaldiçoado (1500 galeões, EP). Porém nada disso nos ajuda nos cálculos, já que não é em qualquer esquina que se encontra um chifre de unicórnio e a gente ainda vai ter que esperar algumas décadas para descobrir o valor das multas para carros voadores.

Mas, dentre os itens apresentados na saga, há um que ultrapassa as margens das páginas. Sabemos, graças ao livro “…e a Ordem da Fênix” que Harry Potter pagou 6 sicles por 3 Butterbeer™[13]ele comprou 3 cervejas para distribuir pros amigos, fica a dica no Hog’s Head™, que é exatamente o mesmo pub existente no parque da Universal Studios™. O produto é o mesmo e o lugar é o mesmo; para a conversão ser feita de acordo com o princípio da PPP, só falta mesmo acertar o detalhe da data: os livros de Harry Potter se passam entre os anos de 1991 a 1998[14]com exceção do primeiro e último capítulos, eu sei…, assim “…a Ordem da Fênix” se passa durante o ano de 1995.

A data é importante porque, qualquer cidadão que já pagou R$1 num pacote de Trakinas de 200g cheio de deliciosa gordura trans sabe que os produtos tendem a ficar mais caros com o tempo. Em 1995, um Big Mac custava R$2,75. Não é só a inflação que dita o aumento dos preços dos produtos, mas é também o índice de poder de compra (CPI[15]consumer price index).

Quem quiser tomar uma Butterbeer™ hoje vai pagar US$7,99. Esse valor é um absurdo. No dia 18 de junho de 2010, na época de abertura de Hogsmead™, na Universal Studios™, uma Butterbeer™ custava US$2,99. Se o preço tivesse seguido de acordo com o índice de poder de compra norte-americano, uma Butterbeer™ não deveria custar mais do que 4 dólares [16]https://www.bls.gov/data/inflation_calculator.htm. Esse aumento abusivo impede que façamos as contas retroativas para descobrir o preço do produto há 25 anos atrás.

O rídiculo aumento deve ser então explicado pela lei da oferta e da procura: como tem um monte de trouxa querendo tomar sorvete derretido de baunilha a preço de lagosta, é natural que o capitalismo prevaleça e o parque suba o preço para testar o limite de gastos dos cidadãos e dos engenheiros civis. Mas, para chegar aos valores passados e obter a fórmula de conversão da moeda, o mais sábio a fazer talvez seja ignorar a interferência da indústria de entretenimento americana e considerar o valor da Butterbeer™ antes de virar artigo de luxo, assumindo o preço que ela tinha durante a abertura de Hogsmead™. Temos então em junho de 2010 o valor de $2,99 dólares. Isso seria o equivalente a £2,02, de acordo com as cotações dólar-libra do mesmo dia[17]https://www.poundsterlinglive.com/bank-of-england-spot/historical-spot-exchange-rates/gbp/USD-to-GBP-2010. Usando uma calculadora marota para descobrir o poder de compra de duas libras em 1995[18]https://www.officialdata.org/uk/inflation/2010?endYear=1995&amount=2.02, chegamos ao valor de £1,35 por cada Butterbeer™ comprada pelo bruxo[19]não o Ronaldinho Gaúcho™, o outro bruxo. Sendo assim, em 1995 um sicle equivalia a £0,675.

A calculadora mais simples possível seria essa:

[Link se o frame cair]

O conhecido monstro da inflação

Em 1995, a cotação libra-real era bem mais amigável: R$1,47 equivaliam a £1[20][22]https://www.wizardingworld.com/writing-by-jk-rowling/rappaports-law-en, considerado o blog canônico, ela cita o dragot como a moeda usada pelos bruxos nos Estados Unidos[23](“the Dragot is the American wizarding currency and the Keeper of Dragots, as the title implies, is roughly equivalent to the Secretary of the Treasury”). Provavelmente cada economia segue uma própria ordem monetária de acordo com o país que está contida – e a cotação de dragots para galeões deve seguir a mesma proporção da conversão de dólares para libras – a qual eu não vou calcular aqui porque vai envelhecer muito rápido e porque tem cálculos mais interessantes a serem examinados.

Nos cálculos adotados, a inflação existe, mas a taxa de conversão entre as moedas se mantém. Um galeão vai ser o equivalente a £11.34 tanto em 1995 quanto em 2020. A diferença é que quando o cálculo é feito no passado, atualizamos os valores para o ano corrente seguindo a função:

var currentYear = 2020;
function inflationCalculator (val, year) {
	let inflation = 5; // 5%
	let newValue = val + (val * inflation / 100);
	if( year == currentYear ) return newValue;
	return inflationCalculator(newValue, year+1);
}

O valor anual de inflação nesta fórmula está fixo em 5 porcento. Evidentemente que no código final eu optei por ser desnecessariamente acurado e uso uma tabela com os valores anuais de inflação para ajustar a subida de preço. Pela primeira vez eu também agradeço ao Reino Unido por não ter adotado o euro. A moeda surgiu em 1999 e deus me livre fazer esse monte de conta colocando aí no meio uma troca de moeda.

Se a Universal elevasse o preço da Butterbeer™ de acordo com a inflação britânica, ela deveria custar hoje cerca de US$ 3,50. Isso é o equivalente a aproximadamente 4 sicles. Também vai de encontro com nossa predição em alguns parágrafos acima. Entre 1995 e 2020 portanto, não é difícil acreditar que uma Butterbeer™ tenha dobrado de preço. E esse é o grande problema de deixar o dinheiro guardado em um cofre nos calabouços de um banco, sem que ele esteja rendendo: ao retirá-lo de lá, o poder de compra dele é muito menor. Os bruxos perdem dinheiro sem fazer nada.

Em 1994, no livro “…o Cálice de Fogo”, Harry Potter ganha um prêmio de 1000 galeões em um torneio. Na época isso era o equivalente a £11.399,00. Corrigindo o valor pela inflação, seria o equivalente hoje a £23.430,88. Na época, Harry Potter foi ousado e astuto e investiu o dinheiro todo no negócio dos irmãos Fred e George Weasley, que estavam abrindo uma loja de traquinagens. Pelas visitas feitas ao parque da Universal, o negócio foi um sucesso e certamente o investimento feito já rendeu mais do que isso. Se, ao invés da aplicação, Potter tivesse guardado o dinheiro em seu cofre de Gringots, ele ainda teria apenas os £11.399,00. Harry, além de tudo, é o melhor economista do Mundo Mágico.

A calculadora

A versão final da calculadora (disponível aqui) usa os anos dos livros para corrigir os valores de acordo com a inflação. Também aproveitei para facilitar a vida dos leitores e incluí os preços de uma cacetada de produtos que são citados no livro.

[Link se o frame cair]

Foi possível descobrir que o ônibus que Harry pegou no “…o Prisioneiro de Azkaban” custou na época cerca de £7,50 e uma varinha mágica custou na época quase £80. Por isso Rony insistiu tanto em usar a sua quebrada, esse negócio é caro.

E, a conclusão final é que eu certamente pagaria cerca de 300 reais em um chapéu sumidor de cabeça. Imagina o sucesso que eu não faria com as menininhas com um desses?

Fontes e referências

Fontes e referências
1 https://www.businessinsider.com/jk-rowling-harry-potter-net-worth-author-millions-fortune-lifestyle-2019-4
2 Harry Potter e a Pedra Filosofal, Capítulo 5
3 eu até que gostei dos nomes traduzidos das moedas. Obrigado à Marina Temple por abandonar o filho pequeno num canto pra poder confirmar para mim a tradução na coleção dela.
4 no qual 1 foot são 12 inches; 1 yard são 3 feet; e 1 mile são 1760 yards. Sério, qual o problema dessa galera em usar o sistema métrico?
5 informações tiradas do livro Crash – uma breve história da economia, de Alexandre Versignassi
6 eu me dedico muito às coisas erradas
7 uma das descrições mais marcantes é no livro “…e a Ordem da Fênix”, onde é dito que Hannah Abbott’s eyes were as round as Galleons
8 Valeu, Rê!
9 sério, é muito bom: http://www.hpmor.com/
10 dsclp
11 último relatório aqui: https://www.economist.com/news/2020/07/15/the-big-mac-index
12 pra não ficar me repetindo toda hora, vou abreviar o títulos dos livros: PF = Pedra Filosofal, CS = Câmara Secreta, PA = Prisioneiro de Azkaban, CF = Cálice de Fogo, OF = Ordem da Fênix, EP = Enigma do Príncipe, RM = Relíquias da Morte, BS = Bíblia Sagrada, KS = Kama Sutra e SdA = Sociedade do Anel
13 ele comprou 3 cervejas para distribuir pros amigos, fica a dica
14 com exceção do primeiro e último capítulos, eu sei…
15 consumer price index
16 https://www.bls.gov/data/inflation_calculator.htm
17 https://www.poundsterlinglive.com/bank-of-england-spot/historical-spot-exchange-rates/gbp/USD-to-GBP-2010
18 https://www.officialdata.org/uk/inflation/2010?endYear=1995&amount=2.02
19 não o Ronaldinho Gaúcho™, o outro bruxo
20 21 os bruxos são afetados pelo Brexit? Veremos no próximo nRT…
22 https://www.wizardingworld.com/writing-by-jk-rowling/rappaports-law-en
23 (“the Dragot is the American wizarding currency and the Keeper of Dragots, as the title implies, is roughly equivalent to the Secretary of the Treasury”)
nRT

Jantando com a Rainha

Não é novidade e nem segredo que eu sou um grande fã e entusiasta da realeza britânica. Dois anos atrás, eu publiquei um ensaio sobre a Rainha Elizabeth II (minha rainha viva favorita, depois da Ivete Sangalo), comentando dos poderes reais e outras curiosidades. Na ocasião, foi com um peso enorme no coração que eu cortei alguns parágrafos gigantescos que detalhavam as boas maneiras a serem seguidas caso um incauto leitor fosse convidado pra ir jantar qualquer noite dessas lá no Palácio de Buckingham.

Como por vezes acontece, revisitei algumas anotações antigas, e imaginei que informações de caráter tão útil e importante como essas não poderiam terminar no limbo da bagunça organizada de meu Google Drive, então resgatei esse arquivo e afundei minha fuça em tablóides ingleses e documentários obscuros de Youtube, destrinchando as regras de etiqueta, conduta e até os hábitos alimentares ridiculamente saudáveis seguidos pela Rainha. Não é surpresa que ela não seja lá muito adepta de hambúrgueres do Bob’s, catuaba e salgadinhos fofura de cebola, mas sua alimentação é bem mais restrita do que seria a minha, se fosse rei. E é ela que escolhe seu menu de refeições – não só o dela, mas o de qualquer convidado que venha a se sentar à mesa com a Rainha em algum de seus pomposos eventos.

E quem não quer dividir um PF com a Beth? Visitar o Palácio de Buckingham, comer feito um rei (literalmente) e depois sair contando vantagem pelo resto da vida. Este pequeno artigo visa ajudar o pobre leitor a atingir esse objetivo com maestria, pra ninguém fazer feio na frente daquele pessoal todo de sangue azul. É só ler essas dicas, treinar seu inglês, comprar sua passagem e aproveitar o rango real.

Entrando no Palácio

Talvez a parte mais difícil de jantar com a Rainha seja mesmo ser convidado para jantar com a Rainha. Não deve ser fácil dar match no Tinder e ela dificilmente vai ficar amiga de qualquer pessoa que esteja lendo este texto. Então, para quem deseja ir comer de graça no Palácio de Buckingham, sobram poucas opções:

1. Seja um chefe de estado: E mesmo assim, não é tão fácil ser convidado. A dica dentro da dica é virar presidente da França: 5 já foram jantar com a Rainha[1]https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_state_visits_received_by_Elizabeth_II. Depois vêm Alemanha, México, Itália e Arábia Saudita, com 4 convites cada. Três líderes brasileiros já foram: Ernesto Geisel, Fernando Henrique Cardoso e Lula. Geralmente há somente um ou dois jantares oficiais por ano. A única visita de 2019 foi de Donald Trump[2]Bush e Obama também já foram convidados..

2. Entrando na família: Enquanto o Príncipe Harry e sua esposa Meghan fazem ações para deixar a família real[3]os únicos membros da família real que não podem abdicar de suas tarefas monárquicas são, além da Rainha, os sucessores diretos ao trono Charles, William e George ainda há espaço para qualquer pessoa esforçada dar um jeito de se meter nessa baguncinha gostosa que é a monarquia inglesa. A árvore genealógica da família real britânica é um grande tumulto de títulos nobiliárquicos e sobrenomes pomposos[4]eu amo isso: https://www.geni.com/family-tree/index/6000000003075071669. Então pra dar uma limitada nas opções: pras meninas tem os irmãos Arthur (20 anos) e Samuel (23 anos), netos da princesa Margaret, que são novinhos e bonitinhos, vale a pena investir. Do lado mais distante, tem a família Windsor, restando solteiros alguns primos removidos da rainha por parte de pai[5]eu preciso fazer um texto completo sobre ancestralidade, mas chama-se “removido” um parente que não é da mesma geração. Edward, Marina e Amelia são primos de primeiro grau da rainha duas vezes removidos, o que significa que eles estão a duas gerações de distância (ou seja: o avô deles é primo de primeiro grau da rainha). Para quem realmente se interessar no assunto, o autor A.J. Jacobs escreveu um livro fascinante sobre o tema, chamado “It’s All Relative: Adventures Up and Down the World’s Family Tree. Edward Windsor tem 31 anos e cara de quem frequenta os barzinhos do Itaim. Suas irmãs Lady Marina e Lady Amelia têm respectivamente 27 e 24 anos e são dois pitelzinhos, lindas que só – eu poderia recomendar vocês tentarem, mas não vou: eu também quero namorar elas e certamente vou fracassar na primeira concorrência que aparecer[6]A princesa Beatrice de York, neta da rainha, foi cortada da última versão deste texto porque recentemente ficou noiva de um magnata do setor imobiliário. Mas noiva não é casada, então até ela dizer sim, dá pra tentar trocar stickers de WhatsApp com ela, se você for do tipo cachorrão..

A dica mesmo fica em estudar essa árvore genealógica com atenção. Só de ser amigo da família já dá pra ser convidado. Ser dono de cavalos de corrida também aumentará consideravelmente suas chances.

3. Ações Beneficentes: Se você não faz questão de se sentar e passar um tempo discutindo o último episódio de The Crown com a Kate Middleton, você pode ser chamado para uma das Garden Parties promovidas pela família real[7]https://www.royal.uk/garden-parties. Para esses eventos são convidadas pessoas que tiveram um grande impacto positivo na comunidade, seja por trabalhos sociais prestados, grandes feitos esportivos ou gordas doações beneficentes. Vinte anos trabalhando no exército britânico também vão te render uma medalha que será entregue em um chá[8]em um “evento” chá; a medalha não vem dentro da xícara dentro do palácio – se você der sorte, pela própria rainha.

4. Sorteio: Essa só vale se você nasceu na Nova Zelândia (ou Austrália, na regra estendida), mas é basicamente isso: você se inscreve neste site aqui e torce. A Nova Zelândia é realmente um país formidável.

5. Pule o muro: Em 9 de julho de 1982, o irlandês Michael Fagan estava bêbado[9]mas é claro que estava. Ele é irlandês…. Então ele decidiu ir dar um oi pra rainha: escalou o muro do Palácio de Buckingham e entrou. O alarme tocou, mas a segurança achou que tinha sido um defeito e simplesmente o desligou de novo. Seguindo os instintos que só os bêbados e as crianças têm, ele foi pelos corredores até o quarto da Elizabeth, entrou e sentou na cama dela. O príncipe Philip não foi um problema: é notório que eles dormem em quartos separados.

Dizem os guias de free tour londrinos que Michael e a Rainha tiveram alguns minutos de conversa e ele até pediu um cigarro para ela; mas em uma entrevista recente ao Independent[10]esta daqui: https://www.independent.co.uk/news/people/profiles/michael-fagan-her-nightie-was-one-of-those-liberty-prints-down-to-her-knees-7179547.html Fagan conta que a Rainha levantou-se imediatamente e foi atrás de ajuda, que veio na forma de um funcionário prestativo que, percebendo que o bêbado não representava ameaça, conseguiu dissuadi-lo a deixar o recinto oferecendo-o mais bebida.

Michael Fagan nem foi preso pela invasão, mas provavelmente quem quiser tentar uma aventura dessas vai encontrar não só mais dificuldade, mas uma punição mais grave em caso de sucesso: desde 2007, invadir o Palácio de Buckingham é uma ofensa grave.

Indo pro fervo

Legal, a realeza caiu nessa e você vai de alguma forma filar rango na casa da velha. A vantagem é que a parte mais difícil já passou; mas o problema é que ainda tem um monte de coisa pra você memorizar e não passar vergonha. Eu tenho uma amiga que foi num jantar na casa do Fernando Henrique Cardoso e tomou um pito porque apoiou o copo em uma obra de arte que ela achava que era uma cômoda[11]oi, Van!.

Pra começar, você tem que se vestir como um lorde. Tal qual lá na empresa onde eu trabalho, pega mal ir de chinelo. Se você for só ao chá da tarde, dá pra pegar mais leve na formalidade, o que ainda significa que você provavelmente vai se vestir melhor do que jamais se vestiu na vida[12]Foi bem difícil achar referências de como se vestir na presença da rainha porque o Google achava que eu queria dicas de como me vestir no navio Queen Elizabeth, então eu prevejo que vou receber propagandas de cruzeiros por algumas semanas ainda.

Para os homens, as coisas são bem mais fáceis[13]Quem diria que a vida seria mais fácil para esse monte de afortunados portadores de um gene Y, não? Quem diria?: Um morning dress, com um coletinho, gravata pra dentro e uma cartola é perfeito, mas na pior das hipóteses, um terno mais escuro também é aceitável. Pêlos faciais já são permitidos, porém convém mantê-los aparados com um esmero digno de um participante do Queer Eye.

Para as mulheres, as regras são um pouco mais exigentes[14]Finalmente um evento no qual as regras de comportamento e vestimenta para as mulheres são mais complicadas e exigentes do que para os homens!: O ideal é que as unhas tenham no máximo esmaltes em tons naturais, evitar cores fortes também para os batons. Na roupa, nada de mini-saias e o vestido deve seguir uma tonalidade mais discreta, já que a rainha normalmente escolhe para si as cores mais chamativas e ia pegar bem mal você ir no rolê com a mesma roupa que ela. As luvas são opcionais[15]Graças à Princesa Diana, que odiava usá-las e devem ser encaradas como um item de higiene: usá-las sempre ao cumprimentar pessoas e dançar, mas tirá-las sempre que for comer, mesmo que seja um canapézinho. O jeito certo de tirar as luvas é puxar levemente cada dedo e depois puxar a luva como um todo ao invés de segurar com os dentes a ponta do dedo médio e puxar a mão pra baixo num movimento sexy, como eu sempre faço ao tirar luvas de frio. Um chapéu espalhafatoso sempre cai bem, mas é bom evitar uma tiara se você não for efetivamente uma princesa.

Se você for pra tomar o chá e ficar pra janta, uma troca de roupa é indispensável, então leve sua malinha.

Modos à mesa

Mesmo que você só seja convidado para o chá (que, sim, é servido às 17h, o nome “chá das 5” não é à toa), há ainda uma porção de boas maneiras a serem lembradas: os sanduíches são sempre comidos com a mão (eles também não se chamam “finger foods” por acaso), os scones devem ser cortados com faca, não com as mãos, e jamais serem colados de volta como se fosse um sanduíche. Há uma forma correta para segurar a xícara que varia dependendo se você estiver bebendo café ou chá, e para misturar o líquido, os movimentos com a colher devem ser para frente e para trás e sem tocar as bordas da xícara, nunca mexendo a colher em círculos loucamente, como crianças tomando Nescau em frente à TV.

Café ou chá?

E, se esse monte de regrinhas estúpidas já soa um pesadelo para tomar chá, o jantar pode tomar proporções inimagináveis. Não, sério, você não compreendeu ainda o sentido desse “inimaginável” aí. No caso de um banquete completo para chefes de estado, daqueles que podem receber até 170 convidados, os planejamentos podem levar literalmente meses e é por isso que nunca há mais de dois por ano. A mesa começa a ser posta cinco dias antes do jantar[16]https://www.royal.uk/setting-state-banquet-buckingham-palace. Isso sem contar as três semanas de trabalho só para polir a prataria. São (literalmente) milhares de talheres em uma única refeição, seis copos diferentes por pessoa (um para brindar com champagne, um para vinho tinto, um para vinho branco, um para água, um para tomar champagne com a sobremesa e um para virar um shot de vinho do porto depois de comer) e os guardanapos devem ser dobrados no mesmo estilo de origami, com o monograma da rainha à mostra no mesmo lugar em todos eles[17]olha isso, bicho, que raiva: https://www.youtube.com/watch?v=WiRKJHnOvBw.

é tudo seu

Todos os preparativos são cuidadosamente inspecionados pela própria rainha, que acompanha o processo, desde a posição dos talheres e das cadeiras, que são milimetricamente medida (as cadeiras estarão a uma distância exata de 68 cm da mesa[18]68,58 centímetros ou 27 inches, por exemplo), até dando pitacos sobre onde cada pessoa vai se sentar.

Aliás, seu lugar já vai estar reservado. Na verdade, a realeza britânica possui uma equipe de especialistas entendidos do assunto para posicionar cada convidado no seu devido lugar. Durante um jantar, a família real só vai ter tempo para conversar com um punhado seleto de convidados, então eles precisam alocar todo mundo para que todos fiquem em sua panelinha de interesses comuns. Se você for fã de The Last Jedi, provavelmente não vão te colocar perto dos fãs de The Rise of Skywalkers, por exemplo.

Na hora do banquete, quando os convidados começarem a entrar na sala, eles sempre seguem a ordem do menos importante para o mais importante. Os convidados, aliás, nunca são treze: de acordo com a assessoria real britânica, a Rainha não é supersticiosa, mas ela quer evitar embaraços caso algum dos convidados o seja. É bem provável que você seja o primeiro a entrar, já que a entrada segue a ordem de ascensão ao trono – com os príncipes William e Charles por último. E sempre com a notável pontualidade britânica: a Rainha Mãe, quando era viva, era conhecida por sempre se atrasar para as refeições, então passaram a simplesmente mentir o horário para que ela chegasse 15 minutos mais cedo (ela não se atrasava tanto assim para os padrões brasileiros, pelo jeito).

Depois que você tomar seu lugar e se sentar (sempre depois da Rainha), é dobrar o guardanapo enquanto aguarda ser servido. Lembrando que até mesmo para dobrar os guardanapos é preciso de um bocado de esmero e asseio: eles devem ser dobrados no meio (quantas vezes for conveniente) e somente a parte interna ser usada para limpar discretamente seus lábios. Nada de assoar o nariz neles ou amarrar as pontas e fazer aqueles “chapéuzinhos portugueses” ridículos. É um jantar com a Rainha, não o casamento do seu padrinho[19]Desculpa, padrinho..

Mesmo depois de servido, não é conveniente roubar uma batatinha do prato sequer antes de atender uma das mais populares regras de etiqueta nesse tipo de evento: Você não começa a comer antes da Rainha. Assim que a Rainha terminar de comer, você também termina de comer. Acredito que esse seja, na verdade, o maior poder da realeza britânica: matar seus convidados de fome em frente a um prato de comida provavelmente deliciosa. Se eu fosse Rainha, eu ficaria meia hora ameaçando colocar o primeiro pedaço na boca e, depois da primeira garfada, simplesmente repousaria os talheres no prato e gritaria um “FINISHED!” alto o suficiente para desagradar a todo mundo.

Evidentemente, Elizabeth é muito mais careta (ou seria “educada” a palavra a se encaixar aqui?) do que eu e é também dito que ela sempre reserva o final do prato para dar tempo de seus convidados comerem também. Apesar de não ser isso o que Barbara Bush escreveu em suas memórias[20]“Barbara Bush: A Memoir”, página 428, que em sua experiência jantando com outros 63 convidados, ela ficou sentada ao lado do primeiro ministro James Callaghan, no que é conhecido como “starvation corner”, ou “o cantinho da fome”, que é o último lugar a ser servido. Quando percebeu que o Príncipe Philip já havia terminado de comer, Barbara alertou a Callaghan: “não largue seu talher, senão você não vai comer nada”. Callaghan, burro que só, largou o garfo para rir da afirmação e seu prato foi retirado sem que ele tivesse comido quase nada.

Da mesma forma, é quase um crime você se retirar da mesa antes da rainha. É de uma falta de educação equivalente a cagar na mão e atirar no papa. É preferível morrer do que sair da mesa antes do anfitrião – e foi exatamente o que aconteceu com uma das minhas figuras históricas favoritas: o astrônomo dinamarquês Tycho Brahe. Em 24 de outubro de 1601, em um jantar com o Rei da Dinamarca Christian IV, Brahe bebeu vinho demais, porém se recusou a se levantar da mesa antes do rei e sua bexiga simplesmente explodiu[21]…e isso nem é o mais curioso da vida de Tycho Brahe: ele foi sequestrado pelo tio, perdeu o nariz em um duelo, tinha um alce que vivia bêbado e todo seu trabalho de astronomia foi postumamente herdado por Kepler, que terminou a história com todos os méritos das pesquisas. É, eu estou escrevendo um livro sobre Tycho Brahe, pra quê esconder isso?.

Todos esses hábitos e tradições servem pra deixar claro quem é que manda na casa: É a Rainha e somente ela. Até mesmo dirigir a palavra à Rainha pode ser uma ofensa: a regra de bons modos diz que você não deve falar com a Rainha, mas é a Rainha que vem falar contigo – só se ela quiser, ao contrário dos Ubers que puxam assunto assim que você entra no carro. E isso vale pra qualquer coisa, desde perguntar se a Rainha gostou do último filme do Adam Sandler até pra pedir pra ela passar o sal – o que NUNCA ocorre, já que ela tem seu próprio saleiro, enquanto todos os outros convidados são forçados a dividir um entre quatro pessoas [22]https://www.telegraph.co.uk/news/uknews/queen-elizabeth-II/11757987/The-secrets-of-Buckingham-Palaces-Royal-receptions.html.

E, por fim, uma das regras mais legais de todo o rolê gastronômico real, que é: se uma pessoa acima de você na ordem de ascensão ao trono quiser trocar de prato com você, é obrigatório que você aceite. Se o Príncipe William achar que suas batatas fritas estão mais crocantes e sequinhas, e ele apontar para o seu prato e dizer “gostei mais das suas, me manda aí”, seria de uma falta de educação quase criminosa responder com “se vira aí, nego, não toca nas minhas fritas!”. Como se virar rei da Inglaterra no futuro já não fosse privilégio o suficiente.

É lógico que aquele monte de regrinhas que sua mãe sempre falou continuam valendo com a Rainha: mastiga de boca fechada, sem fazer barulho, não use as mãos para comer, não engole o bolo alimentar como se fosse uma vaca pastando, e não enche a boca tudo de uma vez. Não é porque tem um monte de regras novas que as antigas deixam de valer.

Menu

O maior erro que você pode cometer jantando no Palácio de Buckingham é levantar a mão acima da cabeça, estalar os dedos para chamar a atenção de um dos criados e gritar “Ô meu consagrado! Desce uma porção de pão de alho aqui pra mim e pra velhota!”. Primeiro porque o Palácio não é uma churrascaria; o jantar não funciona num sistema de rodízio, mas é uma coisa mais à la carte, planejada especialmente dependendo do convidado. O menu com os pratos da noite vai estar na mesa, sempre escrito em francês (uma tradição vitoriana). Mas esse seria um erro crasso também porque a Rainha DETESTA alho. Nada sendo servido levará o tempero. É dito que alho sequer entra no Palácio de Buckingham, como se aquela fosse a mansão de um vampiro.

Além do alho, dificilmente você vai comer macarrão ou molho de tomate entre os pratos servidos. A Rainha não é muito fã de pasta e jamais come algo tão pesado à noite – o cardápio real, na verdade, é extremamente saudável e balanceado, cheio de legumes e vegetais. As porções são pequenas; pela etiqueta, é melhor você se servir de um pouco mais de comida do que deixar coisa no prato (não vai ganhar sobremesa). Porém são quatro ou cinco refeições por dia, englobando café da manhã, almoço, chá das cinco e janta.

Quando fora de eventos, as refeições costumam ser bem ordinárias: o desjejum é feito de cereais, frutas e chá; o Príncipe Charles é mais fresco: mesmo em viagens internacionais, ele tem sempre à disposição seis tipos diferentes de mel. Já o jantar pode até mesmo ser servido em uma bandeja em frente à televisão[23]https://www.thesun.co.uk/fabulous/10006164/the-queen-eats-dinner-tray-tv-lady-colin-campbell/, como se a rainha fosse um pai de família americano que perdeu na vida.

As refeições incluem muitas frutas da época, principalmente manga, que é a fruta favorita de Elizabeth. E, se houver caça, o animal caçado também deve ser consumido. Porém, um outro item que quase nunca está presente no cardápio real são os frutos do mar. Mas não porque a realeza não goste, o motivo aqui é para evitar uma possível intoxicação alimentar. A monarquia é composta de pessoas supostamente muito ocupadas, com uma agenda cheia, que não têm tempo pra perder com frivolidades como ficar doente ou ter um piriri sentado no trono (trono metafórico dessa vez, assim espero). Por isso também que eles nunca tomam água da torneira – apenas engarrafada mineral -, consomem leite e iogurte provenientes da leitaria real – sim, a monarquia britânica possui sua própria royal dairy[24]https://www.royal.uk/bbc-countryfile-visits-royal-dairy-windsor-castle -, e quase todo o abastecimento é proveniente de fornecedores cadastrados como de confiança. A exceção vem novamente dela, a Princesa Diana, que costumeiramente levava William e Harry para comer McDonald’s num sábado à noite[25]https://www.dailymail.co.uk/news/article-7467249/Diana-watch-trash-TV-eat-McDonalds-William-Harry.html. Mais recentemente também isso começou a mudar por conta de um corte de custos: a monarquia acabou trocando o champagne mais consumido por um que é comprado diretamente do Tesco[26]Tesco é um grande mercado do Reino Unido, o equivalente britânico ao Sonda..

Esse cuidado todo com a procedência alimentar extinguiu o cargo de provadores de comida muitas décadas atrás. A família real é proibida até mesmo de consumir comida dada como presente por estranhos – apesar de que eles são obrigados a aceitar recebê-la, assim como flores, livros que não envolvam temas polêmicos e lembrancinhas de, no máximo, 150£. Com isso, praticamente toda a alimentação fica centralizada no Palácio, sob a vista exigente da Rainha – porém, quando ela entra na cozinha, os funcionários são obrigados a interromper tudo o que estão fazendo e não podem trabalhar enquanto ela estiver lá.

Por isso que ela deve até evitar essas vistorias, já que tudo tem que funcionar no tempo exato. Os jantares normalmente levam cerca de uma hora e 20 minutos. Eles terminam assim que a Rainha coloca sua bolsa em cima da mesa, seguido de tocadores de gaita de foles passando pela sala (tradição iniciada pela Rainha Vitória) e levando todo mundo para outra sala onde será servido café e petit fours.

Depois do jantar os pratos, talheres e copos podem levar mais de uma hora para serem recolhidos. E eles são preciosos demais pra meter na máquina de lavar. Então uma equipe de oito pessoas pode levar até três semanas para lavar, secar e polir à mão os 8000 itens do conjunto de prataria real[27]Eu ainda acho que não é possível… mas tá aqui: https://www.tripsavvy.com/windsor-castle-state-banquet-details-1662154 – sério? OITO PESSOAS POR TRÊS SEMANAS? Não é possível..

É o suficiente para eu nunca mais reclamar de lavar a louça da ceia de natal.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_state_visits_received_by_Elizabeth_II
2 Bush e Obama também já foram convidados.
3 os únicos membros da família real que não podem abdicar de suas tarefas monárquicas são, além da Rainha, os sucessores diretos ao trono Charles, William e George
4 eu amo isso: https://www.geni.com/family-tree/index/6000000003075071669
5 eu preciso fazer um texto completo sobre ancestralidade, mas chama-se “removido” um parente que não é da mesma geração. Edward, Marina e Amelia são primos de primeiro grau da rainha duas vezes removidos, o que significa que eles estão a duas gerações de distância (ou seja: o avô deles é primo de primeiro grau da rainha). Para quem realmente se interessar no assunto, o autor A.J. Jacobs escreveu um livro fascinante sobre o tema, chamado “It’s All Relative: Adventures Up and Down the World’s Family Tree
6 A princesa Beatrice de York, neta da rainha, foi cortada da última versão deste texto porque recentemente ficou noiva de um magnata do setor imobiliário. Mas noiva não é casada, então até ela dizer sim, dá pra tentar trocar stickers de WhatsApp com ela, se você for do tipo cachorrão.
7 https://www.royal.uk/garden-parties
8 em um “evento” chá; a medalha não vem dentro da xícara
9 mas é claro que estava. Ele é irlandês…
10 esta daqui: https://www.independent.co.uk/news/people/profiles/michael-fagan-her-nightie-was-one-of-those-liberty-prints-down-to-her-knees-7179547.html
11 oi, Van!
12 Foi bem difícil achar referências de como se vestir na presença da rainha porque o Google achava que eu queria dicas de como me vestir no navio Queen Elizabeth, então eu prevejo que vou receber propagandas de cruzeiros por algumas semanas ainda
13 Quem diria que a vida seria mais fácil para esse monte de afortunados portadores de um gene Y, não? Quem diria?
14 Finalmente um evento no qual as regras de comportamento e vestimenta para as mulheres são mais complicadas e exigentes do que para os homens!
15 Graças à Princesa Diana, que odiava usá-las
16 https://www.royal.uk/setting-state-banquet-buckingham-palace
17 olha isso, bicho, que raiva: https://www.youtube.com/watch?v=WiRKJHnOvBw
18 68,58 centímetros ou 27 inches
19 Desculpa, padrinho.
20 “Barbara Bush: A Memoir”, página 428
21 …e isso nem é o mais curioso da vida de Tycho Brahe: ele foi sequestrado pelo tio, perdeu o nariz em um duelo, tinha um alce que vivia bêbado e todo seu trabalho de astronomia foi postumamente herdado por Kepler, que terminou a história com todos os méritos das pesquisas. É, eu estou escrevendo um livro sobre Tycho Brahe, pra quê esconder isso?
22 https://www.telegraph.co.uk/news/uknews/queen-elizabeth-II/11757987/The-secrets-of-Buckingham-Palaces-Royal-receptions.html
23 https://www.thesun.co.uk/fabulous/10006164/the-queen-eats-dinner-tray-tv-lady-colin-campbell/
24 https://www.royal.uk/bbc-countryfile-visits-royal-dairy-windsor-castle
25 https://www.dailymail.co.uk/news/article-7467249/Diana-watch-trash-TV-eat-McDonalds-William-Harry.html
26 Tesco é um grande mercado do Reino Unido, o equivalente britânico ao Sonda.
27 Eu ainda acho que não é possível… mas tá aqui: https://www.tripsavvy.com/windsor-castle-state-banquet-details-1662154 – sério? OITO PESSOAS POR TRÊS SEMANAS? Não é possível.
nRT

Viagem ao centro da Terra

Recentemente aqui no nRT, simulamos uma longa e extenuante viagem à Marte, destacando alguns pontos turísticos marcantes no caminho. Mas ir para o espaço parece uma tarefa extremamente simples em comparação a viajar no sentido contrário.

Parece que nunca faltará trabalho para a paleontologia e arqueologia. Restos de civilizações antigas e respostas para questões evolucionistas e históricas só foram preservados porque não foram encontrados e revendidos no mercado livre. Há infinitos tesouros debaixo de nós, como o dito trem de ouro nazista, uma suposta comitiva alemã que estaria repleta de ouro, diamantes e peças de arte valiosas como tapeçarias e quadros que teriam sido tomadas de seus antigos donos, vítimas do genocídio da Segunda Guerra e que estaria enterrado em algum lugar da Polônia. [1]eu mencionei a respeito disso neste artigo da SuperInteressante. Na ocasião eu tinha visitado cidades subterrâneas que os nazistas estavam construindo na Polônia, afinal eles também sabiam que debaixo da terra é mais difícil ser pego.

Se mudarmos do ambiente terrestre para o aquático, o nosso conhecimento não melhora muito não… Dados (meio sensacionalistas) do NOAA [2]http://www.noaa.gov/oceans-coasts apontam que 95% de tudo que está abaixo d’água continua inexplorado[3]vamos lá: essa estatística soa meio absurda e exagerada. Todo o espaço dos oceanos já foi mapeado, mas numa resolução média de 5km. É como se tivéssemos um Google Maps, aonde cada pixel abrangesse 5km: ele não seria muito útil..
E tudo isso sem sair da crosta terrestre, que é definitivamente a parte mais interessante desta bolota azul que fica flutuando no Sistema Solar. Abaixo da crosta, as coisas ficam bem mais enfadonhas e tediosas, mas suas dimensões são tão absurdas que fica meio difícil de imaginar.

É um problema da percepção humana: não somos bons em dimensionar coisas que são extremamente gigantescas ou ridiculamente minúsculas. Por isso o problema em imaginarmos o tamanho de um átomo ou a distância até Júpiter.

Para ajudar a dar uma melhor percepção, o nRT criou um novo experimento informático-artístico-científico. Uma viagem da estratosfera ao centro terrestre usando somente a barra de rolagem do seu navegador. Cada pixel corresponde a um metro e nesse caminho, há algumas paradas para curiosidades e baboseiras – o conteúdo típico que você encontraria por aqui. São mais de 6.388.000 pixels, equivalente a um metro cada, partindo da estratosfera até o ponto mais profundo do núcleo terrestre.

O experimento é resultado de diversos meses de trabalho, incessantes pesquisas, gambiarras absurdas de CSS, desenhos preguiçosos no cu da madrugada. Assim como todo o resto deste blog, imagino que diversos erros podem vir a ser encontrados – e eles vão dar um pouco mais de trabalho para serem corrigidos, dada a natureza da obra realizada. Mas é possível alterá-la e expandi-la, quem sabe eu volte a colocar coisa conforme a humanidade for fazendo descobertas ou afundando submarinos.

O projeto também está com o código fonte aberto aqui no meu github e aceitando contribuições. O projeto é melhor visualizado no computador ou tablet (fora do celular), já que ele precisou ser apertado pra caber numa telinha.

Tal qual a obra de Jules Verne publicada em 1864, esta também lhe convida a uma viagem ao centro da terra, bem mais curta e menos emocionante, mas ainda assim, é o texto mais profundo que você vai encontrar neste blog.

CLIQUE AQUI e boa viagem. =)

Fontes e referências

Fontes e referências
1 eu mencionei a respeito disso neste artigo da SuperInteressante. Na ocasião eu tinha visitado cidades subterrâneas que os nazistas estavam construindo na Polônia, afinal eles também sabiam que debaixo da terra é mais difícil ser pego.
2 http://www.noaa.gov/oceans-coasts
3 vamos lá: essa estatística soa meio absurda e exagerada. Todo o espaço dos oceanos já foi mapeado, mas numa resolução média de 5km. É como se tivéssemos um Google Maps, aonde cada pixel abrangesse 5km: ele não seria muito útil.
nRT

Ciclo sem fim

Eu estava revoltado. Era a primeira vez que eu tinha assistido Hamlet e, enquanto saía do Shakespeare Globe, o teatro de arena no centro de Londres, eu estava indignado com a ousadia daquela peça de copiar descaradamente o enredo de “O Rei Leão”.

É a história do príncipe que volta à sua terra para destituir o atual rei e assassino de seu pai. Com diversos outros elementos em comum, como a aparição do fantasma do pai e até o par de amigos atrapalhados que ajuda o protagonista. É verdade que a Disney não chegou a ser tão ousada a ponto de matar todo mundo no final, mas no fundo, nossa geração mimizenta de nascidos na década de 80 ainda nem se recuperou direito da morte do Mufasa.

Mufasa morreu assassinado pelo seu irmão Scar, em um comportamento não absurdo para leões ou ditadores norte-coreanos. Efetivamente, leões podem matar outros leões com o objetivo de conquistar territórios[1]se você acha a morte do Mufasa forte, nem acesse este link (conteúdo pesado: felino morto), contrariando aquela idéia do meu professor do primário de que o ser humano era o único animal que matava alguém da mesma espécie. Mais do que isso: o plano de Scar envolvia também o assassinato do pequeno Simba, o príncipe herdeiro. Matar os filhotes do rival também é uma característica típica de um leão que acaba de conquistar um novo território[2]“When male lions take over a new territory, they almost always kill the prides’ cubs, since they are not biologically related and do not want to spend energy ensuring that other lions’ genes will be passed on”, daqui: https://www.livescience.com/41572-male-lion-survival.html.

A hereditariedade de território, aliás, é outro acerto comportamental do roteiro do filme: leões podem ocupar o mesmo território por diversas gerações[3]“Lions are highly territorial and occupy the same area for generations. Females actively defend their territories against other females, while resident males protect prides from rival coalitions. Territory size depends on prey abundance, as well as access to water and denning sites.”, daqui: https://cbs.umn.edu/research/labs/lionresearch/social-behavior, inclusive com a idéia de dominância hierárquica.

Não são só as disputas estilo Game of Thrones que dão a fama de rei das selvas para os leões. A soberania deles sobre outras espécies é explícita: eles são o topo da cadeia alimentar, tendo praticamente todos os outros animais como presas: zebras, antílopes, vacas, turistas italianos[4]cuidado, conteúdo pesado: https://www.youtube.com/watch?v=wA31WXyNVfQ – a morte de Pit Derniz por leões em 1975 até hoje cai no limbo da dúvida “fato ou fake”, mesmo entre as maiores entidades de fact checking da internet. Mesmo assim, há diversos casos de pessoas mortas por leões espalhados por aí., elefantes, girafas e até mesmo hienas, tal qual o filme mostra. Quando Simba entra no território das hienas, elas o atacam, com o objetivo claro de matá-lo. Os desentendimentos entre ambos é comum: hienas também são territorialistas e ambas as espécies usam o infanticídio como ferramenta de batalha: matar o inimigo enquanto jovem é mais fácil e pode evitar problemas no futuro. Não é comum leões e hienas se enfrentarem, como ficou claro na guerra entre leões e hienas de abril de 1999, na Etiópia, que durou duas semanas e terminou com 6 leões e 35 hienas mortas[5]é verdade, cara: https://animals.mom.me/relationship-between-lions-hyenas-3692.html. Hienas também são territorialistas, na medida que os leões permitem…

O tamanho do território que cada grupo de leões ocupa depende muito da quantidade de comida oferecida na área, mas pode incluir até 260 km² de florestas, savanas, estepes e fontes de água[6]https://www.nationalgeographic.com/animals/mammals/a/african-lion. Dá pra imaginar isso como quase três Walt Disney Worlds Resorts completos, mas recheados só com Animal Kingdom.

Tudo o que o Sol toca

Mas seria muito fácil assumirmos o número 260km² para o território de Mufasa. O nRT preza pela complexidade de nossos aprofundadíssimos estudos e cálculos inúteis levando a resultados duvidosos. E não há ninguém melhor para saber o tamanho do território do que o próprio rei Mufasa.

Logo no começo do filme, Mufasa apresenta suas terras para o filhote – e conseqüentemente para o público.

Olhe, Simba: tudo isso que o sol toca é o nosso reino.[7]do original “Look, Simba, everything the light touches is our kingdom.”, que não traz nada de novo.

É um puta reino.

Se levarmos a explicação de Mufasa para o sentido o mais literal possível, seria impossível obter uma resposta. É só o que o sol toca? Então as sombras não fazem parte do reino? E quando anoitece? Ele perde todas as terras?

Outra forma de considerar a frase é sem a interferência de sombras ou da noite: absolutamente todas as áreas do mundo que são tocadas em algum momento pelo sol. Sob essa perspectiva, o reino de Mufasa teria 509.987.579 km²[8]510.072.000km² do mundo menos 84.421km² da Irlanda, região do mundo aonde o sol nunca toca.

Olhe, Simba

Assumir esses valores, porém, é ignorar a introdução da frase. Mufasa está mostrando ao Simba o reino que ele está vendo. O reino seria então tudo o que o sol toca e está ao alcance da vista deles. Já “aquele lugar escuro lá”, se está escuro, é porque não é seu, Simba, seu filhotinho estúpido. O Reino de Mufasa então se limitaria àquilo que os leões estivessem vendo. Até onde a vista felina alcançasse seria os limites territoriais de Simbaland.

Em um nRT passado eu calculei a distância que o olho humano é capaz de enxergar[9]neste nRT aqui. Considerando a terra como redonda[10]toma essa, Flat Earth Society, a visão humana é limitada somente pela curvatura do horizonte. Uma pessoa de 1,80m, em uma superfície completamente reta enxergaria no máximo um raio de 5km. No alto de uma árvore, porém, seria possível enxergar mais longe (evidentemente). No topo da pedra do reino, mais longe ainda.

O cateto oposto seria a distância da visão dos leões. O outro cateto equivale à distância da linha do horizonte ao centro da Terra. Essa distância pode ser deduzida a partir de algumas informações: pra começar com a distância do centro da Terra até o nível do mar, que é de aproximadamente 6371km. Somado a esse valor, teríamos a altitude das fronteiras do reino onde a história se passa, algo que só podemos estimar de acordo com diversas pistas obtidas pelo filme. O ponto geográfico mais provável é o Serengeti, parque nacional localizado na Tanzânia. A conclusão é obtida, primeiramente por conta da vegetação típica da região, mas principalmente porque os personagens falam swahili, uma língua de sonoridade agradável falada pelos nativos de diversos países do leste africano, como Kênia, Tanzânia, Congo, Uganda, entre outros. É dessa região que saíram palavras como Rafiki (amigo), Mufasa (rei), Simba (leão) ou a mundialmente conhecida Hakuna Matata (sem problemas). A altitude média do Serengeti é de aproximadamente 1500 metros. O cateto adjacente teria então uma medida de 6.372.500 metros.

A hipotenusa requer um estudo um pouco mais aprofundado. Somado aos 6.372.500 metros da base do planalto, precisaríamos calcular a altura dos leões em relação ao solo naquele determinado momento. A altura média de um leão adulto é de 1,20m – um pouco mais baixo do que o Peter Dinklage mas um pouco mais alto do que o Gigante Léo. Tendo essa altura como base, é possível tirar alguns frames do filme da Disney e, a partir de uma regra de três simples e uma conversão de metros para pixels, obter os seguintes dados:

O topo da pedra do reino, que é aonde Simba e Mufasa estão no momento do diálogo, fica a aproximadamente 33,8 metros de altura, o equivalente a um prédio de 11 andares. Colocando esses valores todos na regra da hipotenusa demonstrada no diagrama acima, pode-se concluir que os animais estão a 20,755 km do horizonte.

O olho humano não teria problema nenhum em enxergar a quase 21 km de distância[11]em uma noite escura, é possível perceber a chama de uma vela tremulando a até 48km de distância. Pelo menos é o que este site diz, então só pode ser verdade.. A visão de um leão difere em alguns aspectos da visão humana. Os leões não enxergam somente em preto e branco, mas tem uma visão de cor muito mais limitada do que a nossa. Em compensação, eles enxergam muito melhor no escuro. No quesito distância, levamos vantagens na nitidez: enxergamos itens distantes com melhor nitidez do que os demais felinos, mas é algo que não faria grande diferença no cálculo de quão longe o Simba pode enxergar. É plausível assumir o reino de Simba como um círculo de 20,755km de raio, o que resultaria em um território de 1353km², uma área quase do tamanho da cidade de São Paulo[12]ou quase duas vezes o território de Singapura (716km²); ou quase metade do território de Luxemburgo (2586km²). Comparado com o tamanho médio dos territórios dos leões comuns (aqueles que não são celebridades da Disney como o Simba) de 260km², é compreensível a importância histórica de Mufasa no reino animal.

Ainda assim, é apenas um pequeno território da vastidão de 30.000km² do Serengeti. Que é apenas um dos parques naturais por aquela região. Sinal que, caso não estejam gostando do atual regente, os animais podem facilmente migrar para reinos vizinhos – e eles efetivamente migram todos os anos. Não esperava menos de um rei cujo lema de vida é “esqueça seus problemas”.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 se você acha a morte do Mufasa forte, nem acesse este link (conteúdo pesado: felino morto)
2 “When male lions take over a new territory, they almost always kill the prides’ cubs, since they are not biologically related and do not want to spend energy ensuring that other lions’ genes will be passed on”, daqui: https://www.livescience.com/41572-male-lion-survival.html
3 “Lions are highly territorial and occupy the same area for generations. Females actively defend their territories against other females, while resident males protect prides from rival coalitions. Territory size depends on prey abundance, as well as access to water and denning sites.”, daqui: https://cbs.umn.edu/research/labs/lionresearch/social-behavior
4 cuidado, conteúdo pesado: https://www.youtube.com/watch?v=wA31WXyNVfQ – a morte de Pit Derniz por leões em 1975 até hoje cai no limbo da dúvida “fato ou fake”, mesmo entre as maiores entidades de fact checking da internet. Mesmo assim, há diversos casos de pessoas mortas por leões espalhados por aí.
5 é verdade, cara: https://animals.mom.me/relationship-between-lions-hyenas-3692.html
6 https://www.nationalgeographic.com/animals/mammals/a/african-lion
7 do original “Look, Simba, everything the light touches is our kingdom.”, que não traz nada de novo.
8 510.072.000km² do mundo menos 84.421km² da Irlanda, região do mundo aonde o sol nunca toca
9 neste nRT aqui
10 toma essa, Flat Earth Society
11 em uma noite escura, é possível perceber a chama de uma vela tremulando a até 48km de distância. Pelo menos é o que este site diz, então só pode ser verdade.
12 ou quase duas vezes o território de Singapura (716km²); ou quase metade do território de Luxemburgo (2586km²)
nRT

O busão voador

Fortnite é o novo jogo do momento que conquistou a moçada. Para quem não conhece essa obra de tiro alternativa da empresa tecnológica Epic®, a premissa é simples: 100 jogadores caem numa ilha na qual uma misteriosa tempestade circular vai se formando, limitando mais e mais a área de jogo. Toda a galera da ilha, ao invés de se unir, formar uma sociedade sustentável e arrumar um jeito de sobreviver à tempestade, vai se matando uns aos outros até que só sobre um jogador, que viverá sozinho para sempre.

A verdade é que toda essa palhaçadinha sem sentido é apenas uma introdução boboca ao verdadeiro propósito deste texto: a verdadeira física por trás do ônibus voador do Fortnite.

Não me incomoda os mistérios da ilha deserta, como os meteoros que os desenvolvedores adicionam a cada temporada ou por que alguém guardaria uma fantasia de arbusto em um baú no sótão de casa. Mas é intrigante a física por trás de um ônibus capaz de voar com um balão de ar quente.

O funcionamento de um balão de ar quente é uma das coisas mais simples da física: o ar de dentro do balão é aquecido e, com isso, suas moléculas se agitam loucamente como suricatos em uma rave. No ar mais frio, as moléculas permanecem mais unidas (provavelmente para se aquecerem). Logo, o ar de dentro do balão se torna menos denso do que ar de fora dele e o balão sobe rápido e alto como a inflação.

Quanto mais quente, menos denso e quanto maior o balão, mais peso ele consegue levantar. Como tudo no Universo, há também uma fórmula matemática para calcular o tamanho que seria necessário para um balão carregar um ônibus. A fórmula mágica é:
$$! L = \frac{P_{alt} * V}{R_{s}} (\frac{1}{T_{amb}} – \frac{1}{T_{env}}) $$

, onde:

$$L$$ = peso a ser levantado (kg)
$$P_{alt}$$ = Pressão atmosférica na altitude (pascal)
$$V$$ = volume (m³)
$$R_{s}$$ = constante específica do gás (para ar seco: 287.058) ($$J*kg^{-1}*K^{-1}$$)
$$T_{amb}$$ = Temperatura do ambiente (Kelvin)
$$T_{env}$$ = Tempertura do balão (Kelvin)

Peso do ônibus

O ônibus voador usado para transportar os jogadores até o mapa de jogo aparenta ser um ônibus escolar. De acordo com o Google, é possível espremer até 72 crianças dentro de um desses. Conforto claramente não é a prioridade, já que a idéia é tornar o ambiente dentro do veículo tão insustentável que os passageiros aceitem saltar para fora dele munidos apenas de um guarda-chuva e uma picareta. É possível que, sem os bancos, seja possível caber todo mundo.

O peso aproximado de um ônibus escolar é de 12.000kg.

Dentro do ônibus há 100 pessoas (não acho que, dado o propósito do veículo, seja necessário um motorista) que são esbeltas, fortes e caricatas. É justo assumir um peso médio de 75kg por pessoa.

Temos, então 20.000 kg a serem levantados.

Altura de vôo

Para o cálculo da pressão atmosférica e temperatura, é preciso saber a altura de vôo do busão. Como a equipe do Fortnite ignorou meus tweets cheios de perguntas relevantes, tive que calcular essa variável por conta própria.

Após saltar, sem mexer nos controles, o personagem segue em queda livre por 60 segundos. Apesar da aceleração da gravidade, o corpo pára de acelerar quando atinge certa velocidade – é a chamada velocidade terminal. A resistência do ar exerce uma força contrária à da gravidade em qualquer objeto em queda livre. Em determinado ponto, essa força (chamada força de arrasto) se iguala à força da gravidade, cessando a aceleração. A velocidade de queda de um corpo humano em posição deitada (que foi a usada nos testes) é de aproximadamente 55m/s. Sendo assim, o personagem percorre a distância de 3,6km durante essa queda inicial.

Mas não é só isso: depois de uma determinada altura [1]Variável de acordo com a área do mapa aonde o jogador pousa. Nos testes executados, o pouso foi em Loot Lake, no meio do mapa., o personagem abre um pára-quedas (guarda-chuva, no meu caso, já que eu sou um vitorioso) e, cai por mais 21 segundos. Aí o negócio complica: é necessário calcular a nova velocidade de queda. Não há dados consistentes sobre pessoas pulando por aí com guarda-chuvas [2]como tudo nessa vida, é óbvio que alguém já tentou: https://gizmodo.com/5987580/what-happens-when-you-try-to-skydive-with-an-umbrella, com menção honrosa a este chinês estúpido., mas é mais ou menos seguro assumir uma velocidade de queda de aproximadamente 30km/h, levemente mais rápido que os pára-quedas convencionais. São mais 200 metros de queda. Somando tudo, colocando a gordura de erros de cálculo, dá pra imaginar que o ônibus voe a 3,8 km de altitude.

O valor encontrado vai de encontro com o que se é esperado na vida real: A altura padrão de salto de pára-quedas é de 12.000 pés, ou 3,65 km. É uma altitude facilmente atingível pela maioria dos aviões e o saltador não precisa de equipamento especial para oxigênio[3]de acordo com especialistas https://aviation.stackexchange.com/questions/12493/what-is-the-maximum-altitude-a-skydiving-plane-can-fly.

Temperatura e pressão

Não é difícil obter a temperatura e pressão atmosférica em qualquer altitude. Todo piloto e estudante aeronáutico é apresentado a uma tabelinha bem marota chamada “U.S. Standard Atmosphere 1976”[4]esta aqui, ó: http://www.pdas.com/atmos.html, que apresenta os devidos dados de temperatura, pressão e densidade a qualquer altura. A 3,8km de altitude, a tabela nos retorna[5]e eu vou deixar o link para essa calculadora aqui, porque eu tenho certeza que eu vou precisar dela para algum nRT no futuro: http://www.aerospaceweb.org/design/scripts/atmosphere/ o valor de 63,2kPa de pressão e -9,7°C. São dados que mudam dependendo do local do mundo e da época do ano que se está, mas se os pilotos conseguem usar essa base pra pilotar aviões, por deus, eu também posso adotar esses valores para determinar o tamanho fictício de um balão de ar quente gigantesco levando um ônibus computadorizado em um jogo-modinha que nem tem isso como ponto principal do negócio.

A temperatura de dentro do balão, para os nossos propósitos, deve ser a mais quente possível. Os balões de ar quente podem alcançar internamente uma temperatura de 120°C.

Um puta dum balão

Colocando todas as variáveis na fórmula, o volume final do balão seria de 43376m³. Isso dá uma esfera voadora com um raio de 21 metros; um balão da categoria AX-15[6]categorias de balão de ar quente: http://www.hotairballoonrides.com/Hot-Air-Balloon-Sizes.html que teria o dobro do tamanho do atual maior balão do mundo[7]este aqui.

Com esse tamanho e com a absurda potência necessária para aquecer o ar dentro do balão, o ideal mesmo seria adotar um zepelin. O Hindenburg, por exemplo, conseguia transportar até 232 toneladas, também conhecidos como 232000 kg ou 19 ônibus do Fortnite.

E, dado o destino final do Hindenburg, se eu estivesse voando nele, eu não hesitaria em pular de lá levando só uma picareta e um guarda-chuva. Mas eu tentaria formar uma sociedade na ilha ao invés de sair matando todo mundo. Eu tentei algumas vezes no jogo. Não deu certo.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 Variável de acordo com a área do mapa aonde o jogador pousa. Nos testes executados, o pouso foi em Loot Lake, no meio do mapa.
2 como tudo nessa vida, é óbvio que alguém já tentou: https://gizmodo.com/5987580/what-happens-when-you-try-to-skydive-with-an-umbrella, com menção honrosa a este chinês estúpido.
3 de acordo com especialistas https://aviation.stackexchange.com/questions/12493/what-is-the-maximum-altitude-a-skydiving-plane-can-fly
4 esta aqui, ó: http://www.pdas.com/atmos.html
5 e eu vou deixar o link para essa calculadora aqui, porque eu tenho certeza que eu vou precisar dela para algum nRT no futuro: http://www.aerospaceweb.org/design/scripts/atmosphere/
6 categorias de balão de ar quente: http://www.hotairballoonrides.com/Hot-Air-Balloon-Sizes.html
7 este aqui
nRT

God Save the Queen

Era 1952 quando Elizabeth II assumiu o trono britânico.

Isso a Globo não mostrou. A emissora ainda não existia e até mesmo a Glória Maria tinha apenas 3 anos. Chaves também não passava na TV (ainda levaria quase 20 anos para o primeiro episódio ir ao ar). Só tinha a Hebe cantando na TV Tupi. Também nunca tínhamos saído do planeta: ainda seriam necessários 5 anos para a União Soviética lançar o Sputnik, o primeiro satélite espacial. Três dos últimos quatro primeiro ministros britânicos ainda não haviam nascido. Sérgio Mallandro também não havia nascido. Nem Vladimir Putin tinha nascido ainda. Desde que Elizabeth se tornou rainha, o Brasil teve 20 presidentes (sem contar Tancredo Neves ou a junta militar)[1]http://nrt.paulovelho.com.br/play/queen/, o mundo teve 7 papas, o SBT teve 4 Bozos. Ela inaugurou o MASP e as obras da ponte Rio-Niterói (pessoalmente, quando veio ao Brasil, em 1968).

Ela possui o reinado mais longevo do Reino Unido, superando sua tataravó Victoria.

Brexits

Pode-se dizer também que o reinado de Elizabeth II é o último do Império Britânico. Apesar de ser bem difícil definir o exato ponto que marcou o fim do Império, é difícil se opôr à afirmação de que ele não existe mais. Pode ter sido com a independência da Índia em 1947, com a retirada das tropas do canal de Suez em 1956, com a perda final de suas colônias na África, na década de 80 ou até mesmo no recente 1997, quando a bandeira do Reino Unido foi baixada em Hong Kong, em frente às câmeras.

A dissolução do império inevitavelmente faz com que a rainha detenha um outro recorde consideravelmente mais desagradável: ela é a monarca bretã que mais perdeu territórios. O Império Britânico era em 1953 cerca de 30 vezes maior do que é hoje[2]As considerações de tamanho do território não levam em consideração a porção britânica da Antartica. O continente gelado é um tema delicado e algumas leis internacionais não reconhecem a existência do território britânico antártico – que, é meio que dividido/disputado com Argetina e Chile:
O tema da divisão Antártica é complexo e delicado e, tal qual uma operação anti-corrupção brasileira, quanto mais se aprofunda nele, mais fascinante ele se torna. Honestamente ele merece um texto próprio, antes que eu acabe criando notas de rodapé dentro de notas de rodapé aqui.
[3]http://www.bbc.com/news/magazine-27910375. O Reino Unido perdeu uma área equivalente ao Brasil em territórios:

No século XIX, era dito que o sol nunca se punha no Império Britânico, como forma de exaltar o seu tamanho: sempre tinha o sol brilhando em algum lugar do império (com exceção da Irlanda, aonde o sol não brilha nunca).

Império Britânico, 1953

Hoje, tudo o que resta ao Reino Unido é uma popular ilha européia do tamanho do estado de São Paulo e um punhado de ilhotas espalhadas pelo pacífico que, juntas, são menores do que a Escócia e com uma população de menos de meio milhão de pessoas.

Império Britânico Hoje

Mas, incrivelmente, como Randall Munroe apurou em seu espetacular livro “what if?”[4]o livro foi originado de um blog cujo conceito é cópia descarada deste humilde blog (ou vice-versa, já não sei ao certo), o Sol ainda está sempre brilhando em algum lugar do império, graças às Ilhas Pitcairn – um arquipélago de 47km² (menor que Walt Disney World) e 50 habitantes (menos do que algumas ceias de natal) que fica no Pacífico Sul[5]https://what-if.xkcd.com/48/.

No total, somando-se as áreas de suas ilhotas, o Império Britânico subiria 10 posições no ranking de países por área, com 315,809 km2, ligeiramente maior que a Polônia. Já em relação à população, não haveria grandes diferenças – as ilhas britânicas de South Georgia e South Sandwich, por exemplo, têm uma população de 30 habitantes (segundo o Google, então é verdade) – sempre imaginei que haveriam mais pessoas querendo morar em um lugar chamado “sanduíche do sul”.

Mas a maioria dos países que abandonaram o império ainda fazem parte de um grupo chamado Commonwealth, formado basicamente por ex-colônias britânicas e que busca fortalecer e ajudar na construção de progresso de todos os seus membros. Para fazer parte da Commonwealth o país deve ter por base a igualdade, o respeito, a busca pela paz, e, além dessa demagogia toda, deve reconhecer Elizabeth II como Head of the Commonwealth, um tipo de CEO de uma empresa que não faz nada, mas que tem vários sócios[6]eu realmente não entendi completamente como o commonwealth funciona ou pra que serve. Honestamente, não me interessou e eu não me aprofundei; mas, uma vez que mais de dois bilhões de pessoas fazem parte do grupo, é interessante saber que ele existe:
https://www.worldatlas.com/articles/what-is-the-commonwealth.html
.

Muito além do Commonwealth, Elizabeth ainda reina como entidade máxima monárquica em diversos países.

Windsorland
Além do Reino Unido, há outros 15 países que têm Elizabeth como Rainha: Antigua e Barbuda, Australia, Bahamas[7]
não esse Bahamas…
, Barbados, Belize, Canadá, Grenada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Saint Kitts and Nevis, Santa Lucia, São Vicente e Granadinas, Ilhas Salomão e Tuvalu.

Windsorland

Apesar de não pertencer ao mesmo império, esses países compartilham o mesmo reinado, todos se submetendo às ordens reais da Rainha. Para fins purametne didáticos, chamaremos esse conjunto de países de “Windsorland”[8]A “casa de Windsor” é relativamente nova, comparada com famílias reais milenares – mais nova até do que os Orleans e Bragança, tida como “a família real brasileira” (que recentemente vieram a público sugerir a volta da monarquia como uma das soluções para o caos político nacional, coitados). Isso porque a família real inglesa tinha como sobrenome Saxe-Coburg and Gotha, uma dinastia originalmente germânica. Em 1917, por conta de um pequeno desentendimento com os alemães (popularmente conhecido como Primeira Guerra Mundial), não pegava muito bem utilizar um sobrenome germânico, então a família real inglesa trocou o seu sobrenome para algo que soasse mais britânico. Elizabeth é somente a quarta monarca da casa de Windsor, depois de seu pai, George VI; seu tio, Edward VIII e seu avô, George V..

Se considerarmos Windsorland como um único país, resultado da soma de todas as suas terras, ele seria o maior país do mundo, com 18.805.114 km² (acima da Rússia, que tem atualmente pouco mais de 17 milhões de km², mas anda trabalhando para aumentar esse número) e o décimo colocado em número de habitantes, com mais de 145,8 milhões de súditos, se posicionando entre Japão (126,5 milhões) e Rússia (146,8 milhões). Nada mal para um império que não existe mais.

Elizabeth II ainda possui uma certa dose de poder nos territórios de Windsorland. Certamente não são os poderes que os monarcas tinham no auge do absolutismo – e alguns deles soam um tanto quanto inúteis -, mas ainda assim eles seguem um pouco além da figura meramente decorativa que se espera da monarquia.

Ela tem poder suficiente, por exemplo, para formar ou destruir governos. Em junho de 2017, Theresa May foi pedir autorização à Elizabeth II para formar um novo governo na Inglaterra, uma vez que a atual primeira-ministra britânica assumiu graças à renúncia de David Cameron, em conseqüência do Brexit. A rainha jamais negaria tal pedido, pois isso seria interferir na democracia. Em 1975, porém, ela autorizou a demissão total de todo o governo australiano. Um mês depois, a Austrália teve novas eleições para substituir o governo que foi despedido pela rainha. Mesmo envolta em uma cortina de burocracia parlamentar inglesa, a rainha ainda é um pouco mais do que uma simples peça decorativa pra inglês ver. Um poder político bem maior é o de aprovar ou vetar leis; mais precisamente toda lei que envolva a monarquia precisa ser aprovada pela rainha. Em 1999, Elizabeth vetou uma lei que transferia o poder de autorizar o lançamento de mísseis contra o Iraque da monarquia para o parlamento[9]tá aqui uma lista de leis que tiveram que ser autorizadas pela família real: https://www.theguardian.com/uk/2013/jan/14/secret-papers-royals-veto-bills.

Apesar de todas suas ações políticas serem movidas por ministros, ainda assim há brechas: ela pode ignorar ou ir contrário às recomendações ministeriais se considerar que o país está em uma “grave crise constitucional”, o que é um estado altamente relativo (certamente os Orleans e Bragança já teriam agido no Brasil se tivessem essa brecha).

Mas os poderes de Elizabeth II não se limitam à política:
Ela tem o poder de criar lordes, que ganham a liberdade de tomar um assento no andar superior do parlamento inglês. Por conta dessa importância, esse poder é só usado sob o aconselhamento de seus ministros. Mais flexível é a habilidade de criar cavaleiros, que, como recompensa, ganham o divertido título de “sir”[10]Jerry Seinfeld têm um texto de stand-up incrível numa apresentação que ele fez em algum evento com Barack Obama e Paul McCartney na platéia. Em certo momento, ele falou sobre o ex-beatle:
“He’s a sir. And not as ‘I’m sorry, sir, there’s no more compact cars available…’, he’s a real sir. When Paul McCartney steps up to the enterprise counter and they go ‘yes, sir, can I help you?’, they mean it!”
https://www.youtube.com/watch?v=SzpVE5ixAG8
[11]ainda assim, “sir” não é um título monárquico tão legal quanto aquele eu particularmente ocupo: barão do principado de Sealand.. Também a criação de cavaleiros é feita sob recomendação de ministros, mas com a aprovação final da rainha – o que iria contra a minha idéia de sair na rua criando lordes aleatoriamente (“Aqui seu troco”, “obrigado, senhor. Agora você é um lorde”). Ela também ainda tem o poder do perdão, salvando condenados da forca, se eles ainda fossem enforcados.

A mais desejada vantagem de ser uma rainha talvez seja a isenção de impostos: É difícil imaginar Elizabeth fazendo seu imposto de renda – e ela realmente não precisa fazer. Mesmo assim, como um gesto de bom grado, desde 1992 ela paga seus impostos – um recolhimento de quase £10 milhões por ano [12] é imposto pra caceta:
http://metro.co.uk/2017/11/06/does-the-queen-pay-taxes-and-how-much-does-it-cost-her-7056752/
.

Também de extrema utilidade é a incapacidade de receber processos: em teoria, a realeza seria “incapaz de pensar em fazer algo errado” – uma imunidade altamente questionável. Assim, apesar do ditado que ninguém está acima da lei, a rainha está: ela não pode ser julgada ou ser chamada para depôr em tribunais – e por isso mesmo, de acordo com a própria realeza britânica, os monarcas redobram seus cuidados para não fazerem nenhuma ação que vá contra as leis.

A rainha também não precisa de passaporte[13]o que me faz lembrar que os presidentes precisam, o que me diverte imaginar o Lula tendo que ir na PF pra renovar o dele e nem de carteira de motorista – é notório, aliás, que Elizabeth II é uma exímia motorista: ela atuou como motorista de ambulância durante a Segunda Guerra Mundial e, se preciso, é capaz até de fazer pequenos consertos e chupetas reais.

Elizabeth II têm dois aniversários: O “real” (no sentido de verdadeiro) e o “real” (no sentido de monárquico). Sua data de nascimento é 21 de abril, mas o aniversário é geralmente comemorado em algum sábado de junho. Como o pessoal de sangue azul nem sempre segue o saudável hábito de nascer no verão, culturalmente criou-se o costume de celebrar os aniversários monárquicos em algum outro dia que não o do nascimento. Ainda assim, Elizabeth celebra ambos.

E não deve ser fácil pensar num presente bom: entre as notórias posses da rainha, são dela todos os cisnes do Tâmisa (o que, por algum motivo, é um fato notório para todo mundo que já morou em Londres) e também tem sob seu domínio todos os golfinhos e baleias das águas costeiras britânicas. Até escrever um cartão de aniversário seria um problema, já que ela deve estar acostumada com termos rebuscados e prolixos – conseqüência provável de ter seu poeta particular: o cargo é geralmente ocupado por algum escritor cujo trabalho seja de importância nacional e o escolhido recebe como pagamento um barril de Sherry[14]Carol Ann Duffy é a atual poetisa particular da rainha e ficará no cargo até 2019..

Lógico que sempre há a chance de dar um envelope de dinheiro – apesar de não ser realmente preciso: além de ter uma fortuna estimada em cerca de £425 milhões de libras[15]dados de 2016: http://fortune.com/2016/04/21/tqueen-elizabeth-birthday-net-worth/, ela possui no porão do palácio de Buckingham seu ATM particular. Isso sem contar que a fuça real está presente em todas as notas de libra em circulação, portanto, no fundo, ela paga o mercadinho com fotos de si mesma[16]Há uma piada recorrente em clubes de stand-up ingleses de que deve ser terrível ser o príncipe William e, toda vez que vai em um strip-club, colocar fotos da própria avó nas calcinhas das dançarinas..

Se eu cair, portanto na difícil missão de dar um presente de aniversário para a rainha, provavelmente escolheria algo como sandálias de pneu. O que, curiosamente, não seria a coisa mais estranha que a rainha recebe.

O Duque de Atholl[17]Atualmente: Bruce Murray
https://en.wikipedia.org/wiki/Bruce_Murray,_12th_Duke_of_Atholl
deve dar uma rosa à rainha toda vez que ela pedir (a última que pediu foi a Rainha Victoria). Já o Marquês de Ailesbury[18]Atualmente: Michael Brudenell
https://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Brudenell-Bruce,_8th_Marquess_of_Ailesbury
detém controle sobre os territórios da floresta de Savernake e deve soprar uma corneta de caça toda vez que a rainha passar por seus territórios (a última vez que isso aconteceu foi em 1943). A cidade de Gloucester deve pagar à rainha todo ano uma torta de enguia[19]eles mandam a cada jubileu da rainha, mas recentemente, devido à escassez do peixe em águas inglesas, eles importam as enguias do Canadá.
http://www.bbc.com/news/uk-england-gloucestershire-34187086
. Em 13 de agosto, o Duque de Marlborough[20]Atualmente: James Spencer-Churchill
https://en.wikipedia.org/wiki/James_Spencer-Churchill,_12th_Duke_of_Marlborough
deve presentear a rainha com uma bandeira contendo uma flor de lis, em memória à batalha de Blenheim e o Duque de Wellington[21]Atualmente: Charles Wellesley
https://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Wellesley,_9th_Duke_of_Wellington
deve apresentar uma bandeira francesa antes do meio-dia de cada 19 de junho, aniversário da Batalha de Waterloo. E quem quer que seja o proprietário do Foulis Castle[22] Atualmente: Clan Munro
https://en.wikipedia.org/wiki/Clan_Munro
deve ser capaz de providenciar à rainha uma bola de neve em pleno verão, se ela assim solicitar (ela nunca solicitou, infelizmente).

London Bridge is down

Em algum momento no futuro, até mesmo a rainha morrerá. Provavelmente depois de mim, mas essa hora chegará a todos (menos ao Silvio Santos). As 88 listas do Bolão Pé na Cova[23]o Bolão Pé na Cova é o maior bolão de apostas em mortes de celebridades do mundo, mesmo que o Guinness Book não queira aceitar meu recorde. http://bolaopenacova.com/ que contém seu nome este ano deixam a impressão que esse momento não tardará a chegar.

O secretário particular da rainha, Sir Christopher Geidt, telefonará para a primeira-ministra (ou o primeiro ministro – quem quer que esteja no cargo, já que é possível que Theresa May deixe o mandato antes da rainha bater as botas; aliás, temos que também pensar na possibilidade do secretário, hoje com 56 anos, morrer antes da rainha) e passará o código “London Bridge is Down”[24]..que já deve ter mudado depois que o The Guardian publicou seu extenso e excelente artigo sobre o assunto. Não faz sentido usar um código se todo mundo sabe dele.. O governo britânico passará a notícia inicialmente para todos os 36 territórios que fazem parte da nossa fictícia Windsorland. A notícia chegará rápido para a população – pelo menos, mais rápido do que da última vez: quando George VI empacotou, o plano “Hyde Park” foi colocado em prática e a notícia só chegou a público quatro horas após o obituário. Não só será mais rápido, mas também será em um mundo novo: todas as rádios que atuam na Inglaterra ficam sabendo do falecimento com um tempo de preparação para que possam definir o clima do povo para o recebimento das notícias – elas possuem, por exemplo, uma playlist para ir lentamente alterando as músicas para uma pegada mais triste. O spotify, entretanto continuará o mesmo.

Os nove dias seguintes serão de luto, funerais e rituais milenares de transição. Por todo o país, bandeiras cairão e sinos badalarão[25]taí um verbo legal. O sino de Sebastopol será novamente tocado: ele só é batido na ocasião da morte de um rei, tendo soado 56 vezes em 1952, das 13h27 às 14h22, uma badalada para cada ano de vida de George VI. Taí um sino que vai ser bem gasto em breve. No quarto dia após sua morte, seu caixão será colocado em Westminster e uma fila para visitação pública se formará para inundar a internet com o maior número de selfies com um cadáver que a história já viu.
Acredita-se que a organização do funeral real[26]não sei por que eles não chamam oficialmente de Funeroyal se reuniu pela primeira vez antes de 1960 e, mais recentemente, fazem duas ou três reuniões anuais para atualizar os planos. Mas a rainha insiste em continuar viva.

Na primeira noite após ela empacotar, os sucessores reais serão apresentados. Antes de começar os trabalhos de pesquisa para este artigo, eu acreditava que Charles poderia renunciar para que seu filho William assumisse o trono. A lógica é que Charles é feio, entediante e impopular, principalmente depois do divórcio da eterna-princesa Diana. Já William é carismático, galã[27]ao lado de Ed Sheeran e Johnny Depp, príncipe William encabeça a deliciosa categoria dos galãs feios e mais querido pelo povo inglês. Além de Kate Middleton ser também mais querida e carismática do que Camilla. Mas seria extremamente difícil que Charles abdique: ele está há 66 anos como próximo da fila para ser rei – mais do que qualquer outra pessoa já ficou e, atualmente com 69 anos, ele seria o mais velho monarca britânico a assumir o trono.

Charles fará um discurso e os trompetistas reais sairão no balcão do Palácio de Buckingham e soarão suas trombetas. O Garter King of Arms[28]eu não sei como traduzir este termo[29]O atual Garter King of Arms é um genealogista chamado Thomas Woodcock. O salário dele é de £49,07 e não é aumentado desde a década de 1830. Não deixa seu chefe saber disso, vai tirar qualquer pretexto que você tenha para pedir um aumento. dará a primeira trombetada, iniciando a cerimônia de proclamação do novo Rei Charles[30]não confundir com Ray Charles. A pedra do destino será trazida novamente de Edinburgo, colocada debaixo do trono da Abadia de Westminster e o novo monarca britânico será coroado.

Apesar de ser próximo rei, o cargo Head of the Commonwealth não é hereditário e ninguém sabe exatamente como eleger o próximo chefão. A figura emblemática da rainha pode ser o que tenha segurado o Commonwealth e mantido Windsorland tão grande até o momento. Assim, o novo rei já pode começar o reinado perdendo mais e mais terras: a Austrália já expressou publicamente um desejo imenso de se tornar uma república. É bem provável que a morte da rainha seja o empurrão definitivo para uma troca de governo. Se o Brexit realmente for pra frente, é também extremamente provável que Escócia e Irlanda do Norte abandonem o Reino Unido em um futuro próximo. E, como se não fosse o bastante, a ilha de Tuvalu deverá afundar no meio do Pacífico nos próximos 30 a 50 anos[31]pobre Tuvalu: https://uk.reuters.com/article/environment-tuvalu-dc/tuvalu-about-to-disappear-into-the-ocean-idUKSEO11194920070913. A tendência de Windsorland é somente diminuir cada vez mais.

E, mesmo terminando seu reinado com um pentelhésimo do território com a qual começou e sem poder realmente continuar chamando de império, não há dúvidas que Elizabeth será lembrada na história como uma grande rainha.

God save the queen.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 http://nrt.paulovelho.com.br/play/queen/
2 As considerações de tamanho do território não levam em consideração a porção britânica da Antartica. O continente gelado é um tema delicado e algumas leis internacionais não reconhecem a existência do território britânico antártico – que, é meio que dividido/disputado com Argetina e Chile:
O tema da divisão Antártica é complexo e delicado e, tal qual uma operação anti-corrupção brasileira, quanto mais se aprofunda nele, mais fascinante ele se torna. Honestamente ele merece um texto próprio, antes que eu acabe criando notas de rodapé dentro de notas de rodapé aqui.
3 http://www.bbc.com/news/magazine-27910375
4 o livro foi originado de um blog cujo conceito é cópia descarada deste humilde blog (ou vice-versa, já não sei ao certo)
5 https://what-if.xkcd.com/48/
6 eu realmente não entendi completamente como o commonwealth funciona ou pra que serve. Honestamente, não me interessou e eu não me aprofundei; mas, uma vez que mais de dois bilhões de pessoas fazem parte do grupo, é interessante saber que ele existe:
https://www.worldatlas.com/articles/what-is-the-commonwealth.html
7
não esse Bahamas…
8 A “casa de Windsor” é relativamente nova, comparada com famílias reais milenares – mais nova até do que os Orleans e Bragança, tida como “a família real brasileira” (que recentemente vieram a público sugerir a volta da monarquia como uma das soluções para o caos político nacional, coitados). Isso porque a família real inglesa tinha como sobrenome Saxe-Coburg and Gotha, uma dinastia originalmente germânica. Em 1917, por conta de um pequeno desentendimento com os alemães (popularmente conhecido como Primeira Guerra Mundial), não pegava muito bem utilizar um sobrenome germânico, então a família real inglesa trocou o seu sobrenome para algo que soasse mais britânico. Elizabeth é somente a quarta monarca da casa de Windsor, depois de seu pai, George VI; seu tio, Edward VIII e seu avô, George V.
9 tá aqui uma lista de leis que tiveram que ser autorizadas pela família real: https://www.theguardian.com/uk/2013/jan/14/secret-papers-royals-veto-bills
10 Jerry Seinfeld têm um texto de stand-up incrível numa apresentação que ele fez em algum evento com Barack Obama e Paul McCartney na platéia. Em certo momento, ele falou sobre o ex-beatle:
“He’s a sir. And not as ‘I’m sorry, sir, there’s no more compact cars available…’, he’s a real sir. When Paul McCartney steps up to the enterprise counter and they go ‘yes, sir, can I help you?’, they mean it!”
https://www.youtube.com/watch?v=SzpVE5ixAG8
11 ainda assim, “sir” não é um título monárquico tão legal quanto aquele eu particularmente ocupo: barão do principado de Sealand.
12 é imposto pra caceta:
http://metro.co.uk/2017/11/06/does-the-queen-pay-taxes-and-how-much-does-it-cost-her-7056752/
13 o que me faz lembrar que os presidentes precisam, o que me diverte imaginar o Lula tendo que ir na PF pra renovar o dele
14 Carol Ann Duffy é a atual poetisa particular da rainha e ficará no cargo até 2019.
15 dados de 2016: http://fortune.com/2016/04/21/tqueen-elizabeth-birthday-net-worth/
16 Há uma piada recorrente em clubes de stand-up ingleses de que deve ser terrível ser o príncipe William e, toda vez que vai em um strip-club, colocar fotos da própria avó nas calcinhas das dançarinas.
17 Atualmente: Bruce Murray
https://en.wikipedia.org/wiki/Bruce_Murray,_12th_Duke_of_Atholl
18 Atualmente: Michael Brudenell
https://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Brudenell-Bruce,_8th_Marquess_of_Ailesbury
19 eles mandam a cada jubileu da rainha, mas recentemente, devido à escassez do peixe em águas inglesas, eles importam as enguias do Canadá.
http://www.bbc.com/news/uk-england-gloucestershire-34187086
20 Atualmente: James Spencer-Churchill
https://en.wikipedia.org/wiki/James_Spencer-Churchill,_12th_Duke_of_Marlborough
21 Atualmente: Charles Wellesley
https://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Wellesley,_9th_Duke_of_Wellington
22 Atualmente: Clan Munro
https://en.wikipedia.org/wiki/Clan_Munro
23 o Bolão Pé na Cova é o maior bolão de apostas em mortes de celebridades do mundo, mesmo que o Guinness Book não queira aceitar meu recorde. http://bolaopenacova.com/
24 ..que já deve ter mudado depois que o The Guardian publicou seu extenso e excelente artigo sobre o assunto. Não faz sentido usar um código se todo mundo sabe dele.
25 taí um verbo legal
26 não sei por que eles não chamam oficialmente de Funeroyal
27 ao lado de Ed Sheeran e Johnny Depp, príncipe William encabeça a deliciosa categoria dos galãs feios
28 eu não sei como traduzir este termo
29 O atual Garter King of Arms é um genealogista chamado Thomas Woodcock. O salário dele é de £49,07 e não é aumentado desde a década de 1830. Não deixa seu chefe saber disso, vai tirar qualquer pretexto que você tenha para pedir um aumento.
30 não confundir com Ray Charles
31 pobre Tuvalu: https://uk.reuters.com/article/environment-tuvalu-dc/tuvalu-about-to-disappear-into-the-ocean-idUKSEO11194920070913
32 https://www.townandcountrymag.com/society/tradition/a10021776/prince-charles-name-change-king/