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God Save the Queen

Era 1952 quando Elizabeth II assumiu o trono britânico.

Isso a Globo não mostrou. A emissora ainda não existia e até mesmo a Glória Maria tinha apenas 3 anos. Chaves também não passava na TV (ainda levaria quase 20 anos para o primeiro episódio ir ao ar). Só tinha a Hebe cantando na TV Tupi. Também nunca tínhamos saído do planeta: ainda seriam necessários 5 anos para a União Soviética lançar o Sputnik, o primeiro satélite espacial. Três dos últimos quatro primeiro ministros britânicos ainda não haviam nascido. Sérgio Mallandro também não havia nascido. Nem Vladimir Putin tinha nascido ainda. Desde que Elizabeth se tornou rainha, o Brasil teve 20 presidentes (sem contar Tancredo Neves ou a junta militar)[1]http://nrt.paulovelho.com.br/play/queen/, o mundo teve 7 papas, o SBT teve 4 Bozos. Ela inaugurou o MASP e as obras da ponte Rio-Niterói (pessoalmente, quando veio ao Brasil, em 1968).

Ela possui o reinado mais longevo do Reino Unido, superando sua tataravó Victoria.

Brexits

Pode-se dizer também que o reinado de Elizabeth II é o último do Império Britânico. Apesar de ser bem difícil definir o exato ponto que marcou o fim do Império, é difícil se opôr à afirmação de que ele não existe mais. Pode ter sido com a independência da Índia em 1947, com a retirada das tropas do canal de Suez em 1956, com a perda final de suas colônias na África, na década de 80 ou até mesmo no recente 1997, quando a bandeira do Reino Unido foi baixada em Hong Kong, em frente às câmeras.

A dissolução do império inevitavelmente faz com que a rainha detenha um outro recorde consideravelmente mais desagradável: ela é a monarca bretã que mais perdeu territórios. O Império Britânico era em 1953 cerca de 30 vezes maior do que é hoje[2]As considerações de tamanho do território não levam em consideração a porção britânica da Antartica. O continente gelado é um tema delicado e algumas leis internacionais não reconhecem a existência do território britânico antártico – que, é meio que dividido/disputado com Argetina e Chile:
O tema da divisão Antártica é complexo e delicado e, tal qual uma operação anti-corrupção brasileira, quanto mais se aprofunda nele, mais fascinante ele se torna. Honestamente ele merece um texto próprio, antes que eu acabe criando notas de rodapé dentro de notas de rodapé aqui.
[3]http://www.bbc.com/news/magazine-27910375. O Reino Unido perdeu uma área equivalente ao Brasil em territórios:

No século XIX, era dito que o sol nunca se punha no Império Britânico, como forma de exaltar o seu tamanho: sempre tinha o sol brilhando em algum lugar do império (com exceção da Irlanda, aonde o sol não brilha nunca).

Império Britânico, 1953

Hoje, tudo o que resta ao Reino Unido é uma popular ilha européia do tamanho do estado de São Paulo e um punhado de ilhotas espalhadas pelo pacífico que, juntas, são menores do que a Escócia e com uma população de menos de meio milhão de pessoas.

Império Britânico Hoje

Mas, incrivelmente, como Randall Munroe apurou em seu espetacular livro “what if?”[4]o livro foi originado de um blog cujo conceito é cópia descarada deste humilde blog (ou vice-versa, já não sei ao certo), o Sol ainda está sempre brilhando em algum lugar do império, graças às Ilhas Pitcairn – um arquipélago de 47km² (menor que Walt Disney World) e 50 habitantes (menos do que algumas ceias de natal) que fica no Pacífico Sul[5]https://what-if.xkcd.com/48/.

No total, somando-se as áreas de suas ilhotas, o Império Britânico subiria 10 posições no ranking de países por área, com 315,809 km2, ligeiramente maior que a Polônia. Já em relação à população, não haveria grandes diferenças – as ilhas britânicas de South Georgia e South Sandwich, por exemplo, têm uma população de 30 habitantes (segundo o Google, então é verdade) – sempre imaginei que haveriam mais pessoas querendo morar em um lugar chamado “sanduíche do sul”.

Mas a maioria dos países que abandonaram o império ainda fazem parte de um grupo chamado Commonwealth, formado basicamente por ex-colônias britânicas e que busca fortalecer e ajudar na construção de progresso de todos os seus membros. Para fazer parte da Commonwealth o país deve ter por base a igualdade, o respeito, a busca pela paz, e, além dessa demagogia toda, deve reconhecer Elizabeth II como Head of the Commonwealth, um tipo de CEO de uma empresa que não faz nada, mas que tem vários sócios[6]eu realmente não entendi completamente como o commonwealth funciona ou pra que serve. Honestamente, não me interessou e eu não me aprofundei; mas, uma vez que mais de dois bilhões de pessoas fazem parte do grupo, é interessante saber que ele existe:
https://www.worldatlas.com/articles/what-is-the-commonwealth.html
.

Muito além do Commonwealth, Elizabeth ainda reina como entidade máxima monárquica em diversos países.

Windsorland
Além do Reino Unido, há outros 15 países que têm Elizabeth como Rainha: Antigua e Barbuda, Australia, Bahamas[7]
não esse Bahamas…
, Barbados, Belize, Canadá, Grenada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Saint Kitts and Nevis, Santa Lucia, São Vicente e Granadinas, Ilhas Salomão e Tuvalu.

Windsorland

Apesar de não pertencer ao mesmo império, esses países compartilham o mesmo reinado, todos se submetendo às ordens reais da Rainha. Para fins purametne didáticos, chamaremos esse conjunto de países de “Windsorland”[8]A “casa de Windsor” é relativamente nova, comparada com famílias reais milenares – mais nova até do que os Orleans e Bragança, tida como “a família real brasileira” (que recentemente vieram a público sugerir a volta da monarquia como uma das soluções para o caos político nacional, coitados). Isso porque a família real inglesa tinha como sobrenome Saxe-Coburg and Gotha, uma dinastia originalmente germânica. Em 1917, por conta de um pequeno desentendimento com os alemães (popularmente conhecido como Primeira Guerra Mundial), não pegava muito bem utilizar um sobrenome germânico, então a família real inglesa trocou o seu sobrenome para algo que soasse mais britânico. Elizabeth é somente a quarta monarca da casa de Windsor, depois de seu pai, George VI; seu tio, Edward VIII e seu avô, George V..

Se considerarmos Windsorland como um único país, resultado da soma de todas as suas terras, ele seria o maior país do mundo, com 18.805.114 km² (acima da Rússia, que tem atualmente pouco mais de 17 milhões de km², mas anda trabalhando para aumentar esse número) e o décimo colocado em número de habitantes, com mais de 145,8 milhões de súditos, se posicionando entre Japão (126,5 milhões) e Rússia (146,8 milhões). Nada mal para um império que não existe mais.

Elizabeth II ainda possui uma certa dose de poder nos territórios de Windsorland. Certamente não são os poderes que os monarcas tinham no auge do absolutismo – e alguns deles soam um tanto quanto inúteis -, mas ainda assim eles seguem um pouco além da figura meramente decorativa que se espera da monarquia.

Ela tem poder suficiente, por exemplo, para formar ou destruir governos. Em junho de 2017, Theresa May foi pedir autorização à Elizabeth II para formar um novo governo na Inglaterra, uma vez que a atual primeira-ministra britânica assumiu graças à renúncia de David Cameron, em conseqüência do Brexit. A rainha jamais negaria tal pedido, pois isso seria interferir na democracia. Em 1975, porém, ela autorizou a demissão total de todo o governo australiano. Um mês depois, a Austrália teve novas eleições para substituir o governo que foi despedido pela rainha. Mesmo envolta em uma cortina de burocracia parlamentar inglesa, a rainha ainda é um pouco mais do que uma simples peça decorativa pra inglês ver. Um poder político bem maior é o de aprovar ou vetar leis; mais precisamente toda lei que envolva a monarquia precisa ser aprovada pela rainha. Em 1999, Elizabeth vetou uma lei que transferia o poder de autorizar o lançamento de mísseis contra o Iraque da monarquia para o parlamento[9]tá aqui uma lista de leis que tiveram que ser autorizadas pela família real: https://www.theguardian.com/uk/2013/jan/14/secret-papers-royals-veto-bills.

Apesar de todas suas ações políticas serem movidas por ministros, ainda assim há brechas: ela pode ignorar ou ir contrário às recomendações ministeriais se considerar que o país está em uma “grave crise constitucional”, o que é um estado altamente relativo (certamente os Orleans e Bragança já teriam agido no Brasil se tivessem essa brecha).

Mas os poderes de Elizabeth II não se limitam à política:
Ela tem o poder de criar lordes, que ganham a liberdade de tomar um assento no andar superior do parlamento inglês. Por conta dessa importância, esse poder é só usado sob o aconselhamento de seus ministros. Mais flexível é a habilidade de criar cavaleiros, que, como recompensa, ganham o divertido título de “sir”[10]Jerry Seinfeld têm um texto de stand-up incrível numa apresentação que ele fez em algum evento com Barack Obama e Paul McCartney na platéia. Em certo momento, ele falou sobre o ex-beatle:
“He’s a sir. And not as ‘I’m sorry, sir, there’s no more compact cars available…’, he’s a real sir. When Paul McCartney steps up to the enterprise counter and they go ‘yes, sir, can I help you?’, they mean it!”
https://www.youtube.com/watch?v=SzpVE5ixAG8
[11]ainda assim, “sir” não é um título monárquico tão legal quanto aquele eu particularmente ocupo: barão do principado de Sealand.. Também a criação de cavaleiros é feita sob recomendação de ministros, mas com a aprovação final da rainha – o que iria contra a minha idéia de sair na rua criando lordes aleatoriamente (“Aqui seu troco”, “obrigado, senhor. Agora você é um lorde”). Ela também ainda tem o poder do perdão, salvando condenados da forca, se eles ainda fossem enforcados.

A mais desejada vantagem de ser uma rainha talvez seja a isenção de impostos: É difícil imaginar Elizabeth fazendo seu imposto de renda – e ela realmente não precisa fazer. Mesmo assim, como um gesto de bom grado, desde 1992 ela paga seus impostos – um recolhimento de quase £10 milhões por ano [12] é imposto pra caceta:
http://metro.co.uk/2017/11/06/does-the-queen-pay-taxes-and-how-much-does-it-cost-her-7056752/
.

Também de extrema utilidade é a incapacidade de receber processos: em teoria, a realeza seria “incapaz de pensar em fazer algo errado” – uma imunidade altamente questionável. Assim, apesar do ditado que ninguém está acima da lei, a rainha está: ela não pode ser julgada ou ser chamada para depôr em tribunais – e por isso mesmo, de acordo com a própria realeza britânica, os monarcas redobram seus cuidados para não fazerem nenhuma ação que vá contra as leis.

A rainha também não precisa de passaporte[13]o que me faz lembrar que os presidentes precisam, o que me diverte imaginar o Lula tendo que ir na PF pra renovar o dele e nem de carteira de motorista – é notório, aliás, que Elizabeth II é uma exímia motorista: ela atuou como motorista de ambulância durante a Segunda Guerra Mundial e, se preciso, é capaz até de fazer pequenos consertos e chupetas reais.

Elizabeth II têm dois aniversários: O “real” (no sentido de verdadeiro) e o “real” (no sentido de monárquico). Sua data de nascimento é 21 de abril, mas o aniversário é geralmente comemorado em algum sábado de junho. Como o pessoal de sangue azul nem sempre segue o saudável hábito de nascer no verão, culturalmente criou-se o costume de celebrar os aniversários monárquicos em algum outro dia que não o do nascimento. Ainda assim, Elizabeth celebra ambos.

E não deve ser fácil pensar num presente bom: entre as notórias posses da rainha, são dela todos os cisnes do Tâmisa (o que, por algum motivo, é um fato notório para todo mundo que já morou em Londres) e também tem sob seu domínio todos os golfinhos e baleias das águas costeiras britânicas. Até escrever um cartão de aniversário seria um problema, já que ela deve estar acostumada com termos rebuscados e prolixos – conseqüência provável de ter seu poeta particular: o cargo é geralmente ocupado por algum escritor cujo trabalho seja de importância nacional e o escolhido recebe como pagamento um barril de Sherry[14]Carol Ann Duffy é a atual poetisa particular da rainha e ficará no cargo até 2019..

Lógico que sempre há a chance de dar um envelope de dinheiro – apesar de não ser realmente preciso: além de ter uma fortuna estimada em cerca de £425 milhões de libras[15]dados de 2016: http://fortune.com/2016/04/21/tqueen-elizabeth-birthday-net-worth/, ela possui no porão do palácio de Buckingham seu ATM particular. Isso sem contar que a fuça real está presente em todas as notas de libra em circulação, portanto, no fundo, ela paga o mercadinho com fotos de si mesma[16]Há uma piada recorrente em clubes de stand-up ingleses de que deve ser terrível ser o príncipe William e, toda vez que vai em um strip-club, colocar fotos da própria avó nas calcinhas das dançarinas..

Se eu cair, portanto na difícil missão de dar um presente de aniversário para a rainha, provavelmente escolheria algo como sandálias de pneu. O que, curiosamente, não seria a coisa mais estranha que a rainha recebe.

O Duque de Atholl[17]Atualmente: Bruce Murray
https://en.wikipedia.org/wiki/Bruce_Murray,_12th_Duke_of_Atholl
deve dar uma rosa à rainha toda vez que ela pedir (a última que pediu foi a Rainha Victoria). Já o Marquês de Ailesbury[18]Atualmente: Michael Brudenell
https://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Brudenell-Bruce,_8th_Marquess_of_Ailesbury
detém controle sobre os territórios da floresta de Savernake e deve soprar uma corneta de caça toda vez que a rainha passar por seus territórios (a última vez que isso aconteceu foi em 1943). A cidade de Gloucester deve pagar à rainha todo ano uma torta de enguia[19]eles mandam a cada jubileu da rainha, mas recentemente, devido à escassez do peixe em águas inglesas, eles importam as enguias do Canadá.
http://www.bbc.com/news/uk-england-gloucestershire-34187086
. Em 13 de agosto, o Duque de Marlborough[20]Atualmente: James Spencer-Churchill
https://en.wikipedia.org/wiki/James_Spencer-Churchill,_12th_Duke_of_Marlborough
deve presentear a rainha com uma bandeira contendo uma flor de lis, em memória à batalha de Blenheim e o Duque de Wellington[21]Atualmente: Charles Wellesley
https://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Wellesley,_9th_Duke_of_Wellington
deve apresentar uma bandeira francesa antes do meio-dia de cada 19 de junho, aniversário da Batalha de Waterloo. E quem quer que seja o proprietário do Foulis Castle[22] Atualmente: Clan Munro
https://en.wikipedia.org/wiki/Clan_Munro
deve ser capaz de providenciar à rainha uma bola de neve em pleno verão, se ela assim solicitar (ela nunca solicitou, infelizmente).

London Bridge is down

Em algum momento no futuro, até mesmo a rainha morrerá. Provavelmente depois de mim, mas essa hora chegará a todos (menos ao Silvio Santos). As 88 listas do Bolão Pé na Cova[23]o Bolão Pé na Cova é o maior bolão de apostas em mortes de celebridades do mundo, mesmo que o Guinness Book não queira aceitar meu recorde. http://bolaopenacova.com/ que contém seu nome este ano deixam a impressão que esse momento não tardará a chegar.

O secretário particular da rainha, Sir Christopher Geidt, telefonará para a primeira-ministra (ou o primeiro ministro – quem quer que esteja no cargo, já que é possível que Theresa May deixe o mandato antes da rainha bater as botas; aliás, temos que também pensar na possibilidade do secretário, hoje com 56 anos, morrer antes da rainha) e passará o código “London Bridge is Down”[24]..que já deve ter mudado depois que o The Guardian publicou seu extenso e excelente artigo sobre o assunto. Não faz sentido usar um código se todo mundo sabe dele.. O governo britânico passará a notícia inicialmente para todos os 36 territórios que fazem parte da nossa fictícia Windsorland. A notícia chegará rápido para a população – pelo menos, mais rápido do que da última vez: quando George VI empacotou, o plano “Hyde Park” foi colocado em prática e a notícia só chegou a público quatro horas após o obituário. Não só será mais rápido, mas também será em um mundo novo: todas as rádios que atuam na Inglaterra ficam sabendo do falecimento com um tempo de preparação para que possam definir o clima do povo para o recebimento das notícias – elas possuem, por exemplo, uma playlist para ir lentamente alterando as músicas para uma pegada mais triste. O spotify, entretanto continuará o mesmo.

Os nove dias seguintes serão de luto, funerais e rituais milenares de transição. Por todo o país, bandeiras cairão e sinos badalarão[25]taí um verbo legal. O sino de Sebastopol será novamente tocado: ele só é batido na ocasião da morte de um rei, tendo soado 56 vezes em 1952, das 13h27 às 14h22, uma badalada para cada ano de vida de George VI. Taí um sino que vai ser bem gasto em breve. No quarto dia após sua morte, seu caixão será colocado em Westminster e uma fila para visitação pública se formará para inundar a internet com o maior número de selfies com um cadáver que a história já viu.
Acredita-se que a organização do funeral real[26]não sei por que eles não chamam oficialmente de Funeroyal se reuniu pela primeira vez antes de 1960 e, mais recentemente, fazem duas ou três reuniões anuais para atualizar os planos. Mas a rainha insiste em continuar viva.

Na primeira noite após ela empacotar, os sucessores reais serão apresentados. Antes de começar os trabalhos de pesquisa para este artigo, eu acreditava que Charles poderia renunciar para que seu filho William assumisse o trono. A lógica é que Charles é feio, entediante e impopular, principalmente depois do divórcio da eterna-princesa Diana. Já William é carismático, galã[27]ao lado de Ed Sheeran e Johnny Depp, príncipe William encabeça a deliciosa categoria dos galãs feios e mais querido pelo povo inglês. Além de Kate Middleton ser também mais querida e carismática do que Camilla. Mas seria extremamente difícil que Charles abdique: ele está há 66 anos como próximo da fila para ser rei – mais do que qualquer outra pessoa já ficou e, atualmente com 69 anos, ele seria o mais velho monarca britânico a assumir o trono.

Charles fará um discurso e os trompetistas reais sairão no balcão do Palácio de Buckingham e soarão suas trombetas. O Garter King of Arms[28]eu não sei como traduzir este termo[29]O atual Garter King of Arms é um genealogista chamado Thomas Woodcock. O salário dele é de £49,07 e não é aumentado desde a década de 1830. Não deixa seu chefe saber disso, vai tirar qualquer pretexto que você tenha para pedir um aumento. dará a primeira trombetada, iniciando a cerimônia de proclamação do novo Rei Charles[30]não confundir com Ray Charles. A pedra do destino será trazida novamente de Edinburgo, colocada debaixo do trono da Abadia de Westminster e o novo monarca britânico será coroado.

Apesar de ser próximo rei, o cargo Head of the Commonwealth não é hereditário e ninguém sabe exatamente como eleger o próximo chefão. A figura emblemática da rainha pode ser o que tenha segurado o Commonwealth e mantido Windsorland tão grande até o momento. Assim, o novo rei já pode começar o reinado perdendo mais e mais terras: a Austrália já expressou publicamente um desejo imenso de se tornar uma república. É bem provável que a morte da rainha seja o empurrão definitivo para uma troca de governo. Se o Brexit realmente for pra frente, é também extremamente provável que Escócia e Irlanda do Norte abandonem o Reino Unido em um futuro próximo. E, como se não fosse o bastante, a ilha de Tuvalu deverá afundar no meio do Pacífico nos próximos 30 a 50 anos[31]pobre Tuvalu: https://uk.reuters.com/article/environment-tuvalu-dc/tuvalu-about-to-disappear-into-the-ocean-idUKSEO11194920070913. A tendência de Windsorland é somente diminuir cada vez mais.

E, mesmo terminando seu reinado com um pentelhésimo do território com a qual começou e sem poder realmente continuar chamando de império, não há dúvidas que Elizabeth será lembrada na história como uma grande rainha.

God save the queen.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 http://nrt.paulovelho.com.br/play/queen/
2 As considerações de tamanho do território não levam em consideração a porção britânica da Antartica. O continente gelado é um tema delicado e algumas leis internacionais não reconhecem a existência do território britânico antártico – que, é meio que dividido/disputado com Argetina e Chile:
O tema da divisão Antártica é complexo e delicado e, tal qual uma operação anti-corrupção brasileira, quanto mais se aprofunda nele, mais fascinante ele se torna. Honestamente ele merece um texto próprio, antes que eu acabe criando notas de rodapé dentro de notas de rodapé aqui.
3 http://www.bbc.com/news/magazine-27910375
4 o livro foi originado de um blog cujo conceito é cópia descarada deste humilde blog (ou vice-versa, já não sei ao certo)
5 https://what-if.xkcd.com/48/
6 eu realmente não entendi completamente como o commonwealth funciona ou pra que serve. Honestamente, não me interessou e eu não me aprofundei; mas, uma vez que mais de dois bilhões de pessoas fazem parte do grupo, é interessante saber que ele existe:
https://www.worldatlas.com/articles/what-is-the-commonwealth.html
7
não esse Bahamas…
8 A “casa de Windsor” é relativamente nova, comparada com famílias reais milenares – mais nova até do que os Orleans e Bragança, tida como “a família real brasileira” (que recentemente vieram a público sugerir a volta da monarquia como uma das soluções para o caos político nacional, coitados). Isso porque a família real inglesa tinha como sobrenome Saxe-Coburg and Gotha, uma dinastia originalmente germânica. Em 1917, por conta de um pequeno desentendimento com os alemães (popularmente conhecido como Primeira Guerra Mundial), não pegava muito bem utilizar um sobrenome germânico, então a família real inglesa trocou o seu sobrenome para algo que soasse mais britânico. Elizabeth é somente a quarta monarca da casa de Windsor, depois de seu pai, George VI; seu tio, Edward VIII e seu avô, George V.
9 tá aqui uma lista de leis que tiveram que ser autorizadas pela família real: https://www.theguardian.com/uk/2013/jan/14/secret-papers-royals-veto-bills
10 Jerry Seinfeld têm um texto de stand-up incrível numa apresentação que ele fez em algum evento com Barack Obama e Paul McCartney na platéia. Em certo momento, ele falou sobre o ex-beatle:
“He’s a sir. And not as ‘I’m sorry, sir, there’s no more compact cars available…’, he’s a real sir. When Paul McCartney steps up to the enterprise counter and they go ‘yes, sir, can I help you?’, they mean it!”
https://www.youtube.com/watch?v=SzpVE5ixAG8
11 ainda assim, “sir” não é um título monárquico tão legal quanto aquele eu particularmente ocupo: barão do principado de Sealand.
12 é imposto pra caceta:
http://metro.co.uk/2017/11/06/does-the-queen-pay-taxes-and-how-much-does-it-cost-her-7056752/
13 o que me faz lembrar que os presidentes precisam, o que me diverte imaginar o Lula tendo que ir na PF pra renovar o dele
14 Carol Ann Duffy é a atual poetisa particular da rainha e ficará no cargo até 2019.
15 dados de 2016: http://fortune.com/2016/04/21/tqueen-elizabeth-birthday-net-worth/
16 Há uma piada recorrente em clubes de stand-up ingleses de que deve ser terrível ser o príncipe William e, toda vez que vai em um strip-club, colocar fotos da própria avó nas calcinhas das dançarinas.
17 Atualmente: Bruce Murray
https://en.wikipedia.org/wiki/Bruce_Murray,_12th_Duke_of_Atholl
18 Atualmente: Michael Brudenell
https://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Brudenell-Bruce,_8th_Marquess_of_Ailesbury
19 eles mandam a cada jubileu da rainha, mas recentemente, devido à escassez do peixe em águas inglesas, eles importam as enguias do Canadá.
http://www.bbc.com/news/uk-england-gloucestershire-34187086
20 Atualmente: James Spencer-Churchill
https://en.wikipedia.org/wiki/James_Spencer-Churchill,_12th_Duke_of_Marlborough
21 Atualmente: Charles Wellesley
https://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Wellesley,_9th_Duke_of_Wellington
22 Atualmente: Clan Munro
https://en.wikipedia.org/wiki/Clan_Munro
23 o Bolão Pé na Cova é o maior bolão de apostas em mortes de celebridades do mundo, mesmo que o Guinness Book não queira aceitar meu recorde. http://bolaopenacova.com/
24 ..que já deve ter mudado depois que o The Guardian publicou seu extenso e excelente artigo sobre o assunto. Não faz sentido usar um código se todo mundo sabe dele.
25 taí um verbo legal
26 não sei por que eles não chamam oficialmente de Funeroyal
27 ao lado de Ed Sheeran e Johnny Depp, príncipe William encabeça a deliciosa categoria dos galãs feios
28 eu não sei como traduzir este termo
29 O atual Garter King of Arms é um genealogista chamado Thomas Woodcock. O salário dele é de £49,07 e não é aumentado desde a década de 1830. Não deixa seu chefe saber disso, vai tirar qualquer pretexto que você tenha para pedir um aumento.
30 não confundir com Ray Charles
31 pobre Tuvalu: https://uk.reuters.com/article/environment-tuvalu-dc/tuvalu-about-to-disappear-into-the-ocean-idUKSEO11194920070913
32 https://www.townandcountrymag.com/society/tradition/a10021776/prince-charles-name-change-king/
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Entre Reaças e Petralhas

Em novembro, os Estados Unidos da América terão sua 58ª eleição presidencial. A nação estadounidense, conhecida por seu fast food de qualidade duvidosa, paixão por armas de fogo e amor à democracia e aos direitos de seus cidadãos tem um sistema de votação complexo e intrincado, funcionando por meio de votos indiretos baseados em colégios eleitorais.

Para entender o negócio todo, talvez a forma mais simples seja transportá-lo à nossa realidade. Como funcionaria se tentássemos adotar o sistema de votação americano no Brasil?

Democratas e Republicanos

O artigo 2 da constituição americana define que os candidatos à presidência devem ter nascido no país, devem ter pelo menos 35 anos e serem residentes estadounidenses por um período não menor do que 14 anos. Os requisitos presidenciais são basicamente os mesmos do que são exigidos por aqui, então não haveriam grandes mudanças nessa área. Mas pode-se dizer que as semelhanças param por aí.

Para adaptar as eleições brasileiras ao formato estadounidense teríamos que jogar fora tudo o que imaginamos sobre partidos políticos. Esqueça essa confusão de 35 partidos, com mais traições do que uma temporada de Game of Thrones, siglas que não representam nada, legendas aleatórias, coligações estapafúrdias, mudanças de lado, partidos corinthianos e posicionamentos inconstantes. A política americana é baseada em dois partidos fortes e uma porção de partidos nanicos que não conseguem grande representatividade e dificilmente irão conseguir.

Da mesma forma como praticamente toda a representação politica em Obamaland pode ser associada com democratas ou republicanos, o similar pode ser aplicado no Brasil, dividindo a grande massa de políticos e eleitores atualmente ativos em dois grandes partidos opostos. Para facilitar a imaginação do leitor, podemos chamar esses dois partidos opostos de reaça e petralha. Isso não quer dizer que esses partidos seriam compostos somente por políticos atualmente afiliados ao PSDB e PT, mas sim às polaridades que esses partidos atualmente representam. Assim, partidos com convicções mais socialistas e progressistas, como PSOL, PCdoB e REDE se alinhariam nas trincheiras petralhas, enquanto partidos de orientação mais liberal e conservadora como PMDB, DEM e PR seriam agregados aos quadros dos reaças (percebam que, por aqui, democratas – DEM – e republicanos – PR – ficam do mesmo lado).

Primárias

Mas como essa enorme divergência de partidos de pensamentos tão distintos podem entrar em um acordo sobre quais candidatos eleger? Se mesmo com o atual sistema, certos partidos têm dificuldades em definir seus presidenciáveis (ou até mesmo os seus prefeituráveis[1]Fiquei imensamente supreso em saber que essa palavra realmente existe: http://www.folhadaregiao.com.br/Materia.php?id=97167), como esse problema se solucionaria em um sistema tão polarizado?

Essa é a idéia das eleições primárias. Nela, petralhas disputariam com outros petralhas e reaças com outros reaças, com o intuito de serem os representantes do partido nas eleições presidenciais finais, aonde apenas dois candidatos participam.

No atual contexto da política brasileira, poderíamos encontrar a seguinte disputa entre petralhas e reaças para as eleições de 2018:

partidos

Há um pequeno detalhe, porém: Em 1947, o Presidente Truman aprovou a vigésima segunda emenda, limitando o número de mandatos que qualquer presidente poderia exercer para apenas dois. Uma das razões seria a idéia de que permitir indefinidos mandatos poderia levar a uma espécie de monarquia. Hillary e Bill poderiam se revezar indefinidamente no poder e a família Clinton nunca deixaria a Casa Branca, por exemplo.

Assim, dois mandatos (podem ser consecutivos ou não) são o limite para qualquer presidente. Isso não só significa que nunca mais teremos os stand-ups do Excelentíssimo Presidente Obama mas também seria o fim da linha para FHC, Lula e Dilma disputarem novas eleições.

Sem a força política de Dilma e Lula, um outro candidato de ideologia parecida deveria entrar na disputa. Talvez, no atual contexto político, as opções mais viáveis seriam Jaques Wagner ou Aloísio Mercadante, ambos já tendo ocupado a cadeira de ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma. Para a chapa Petralha aqui exposta, escolhi Mercadante, pelo simples motivo que seria mais fácil desenhá-lo.

partidos2

Lacra Confirma (Top!)

A votação americana possui regras bem distintas das quais estamos acostumados no Brasil. Pra começar, evidentemente, ninguém é obrigado a ir votar, exatamente como uma democracia deveria ser. Assim, o índice de votações nas primárias é baixíssimo, com apenas cerca de 20% da população despendendo seu tempo de Netflix para escolher um candidato para disputar pelo seu partido.

As regras das eleições primárias variam de estado para estado. Nos Estados Unidos há estados que requerem que seus eleitores estejam vinculados ao partido para votar, e outros em que qualquer pessoa pode votar, mas em todos os casos, só é permitido votar em um dos partidos. O processo das primárias não ocorre simultaneamente em todos os estados, se estendendo (no caso deste ano) desde o começo de janeiro até o meio de junho, fazendo as discussões internas dentro dos partidos se prolongarem[2]Eleições primárias americanas por estado: http://www.uspresidentialelectionnews.com/2016-presidential-primary-schedule-calendar/. É um processo longo e chato, que deixaria por mais tempo a timeline do Facebook do cidadão brasileiro mais insuportável do que já é.

Os dois candidatos mais votados de cada partido são os escolhidos para, finalmente, disputar a corrida presidencial. Como é de se esperar, os candidatos derrotados nas primárias declaram apoio ao vencedor de seu partido e a campanha de cada um se estreita. Ao invés do segundo turno das eleições brasileiras atuais, onde há apenas um mês para as idéias dos dois candidatos serem confrontadas, esse processo duraria cerca de quatro meses, com diversos debates, confronto de idéias e, por ser Brasil, envolveria escândalos, troca de acusações, crimes federais e fim de amizades em redes sociais.

As eleições finais ocorrem na primeira terça-feira seguinte à primeira segunda-feira do mês de novembro, um conceito fácil de ser calculado mas que requer ler esta frase ao menos duas vezes para ser entendido.

A votação é feita usando o bom e velho método de papel e caneta, seguido de contagem manual. Os Estados Unidos foi um dos países que recusou o sistema de urnas eletrônicas por considerá-lo inseguro. Ironicamente, são aceitos votos por carta ou por e-mail de cidadãos que moram no exterior. Por conta desse sistema arcaico, a contagem dos votos pode levar dias (vide: Flórida, 2000).

Na segunda etapa do processo o número de eleitores costuma ser bem maior, mas, ainda sem a obrigatoriedade, geralmente ainda fica abaixo dos 50% da população.

eleicoes

Tudo ou nada

Uma característica comum às duas fases das eleições, que é certamente a maior diferença em relação ao atual sistema de votação no Brasil é o uso de um voto indireto. Os votos dos eleitores não são diretamente atribuídos aos seus candidatos, mas passam por uma segunda camada de eleição que é conhecida como “delegados eleitorais”. Assim, cada estado possui um determinado número de delegados. E o candidato que possuir mais votos por estado leva os votos de todos os delegados daquele estado – em um sistema chamado “The winner takes it all”; traduzindo: “fode ou sai de cima”.

O estado do Arizona, por exemplo, possui 11 delegados. Se um candidato receber os votos de 51% da população, ele recebe os votos dos onze, não proporcional. O número de delegados por estado também varia. O estado mais influente é a Califórnia, com 55 delegados, uma influência enorme em comparação a diversos estados com apenas 3. Essa divisão de peso é feita através do cálculo:

calculo-peso-eua

No caso americano, o primeiro número é fixo (dois senadores por estado) e o segundo número é proporcional à população. Assim, numa adaptação à República das Bananas, teríamos:

calculo-peso-br

Seguindo essa lógica, o peso de cada estado seria:

mapa-peso

São Paulo, com sua imensa população tem direito a 70 cadeiras na câmara dos deputados. Somando-se aos 3 Senadores, ele teria 73 delegados e, considerando que, independente da margem de diferença, o candidato que vencesse no estado levaria todos os 73 votos, a disputa das eleições teria uma grande plataforma voltada ao povo paulista. Os estados mais fracos possuem oito cadeiras na câmara e três senadores, portanto o mínimo de cada estado é de 11 delegados.

A maioria simples garante a vitória. Assim, com um total de 594 delegados, o primeiro candidato a obter pelo menos 298 votos é o feliz novo presidente do Brasil.

Teoricamente, os delegados não são obrigados a votar no candidato que se espera deles. Há estados que possuem leis para evitar essa traição e no geral isso não ocorre, então é uma hipótese que não será levada em conta. A eleição do vice-presidente é feita pelos mesmos delegados em dezembro do ano das eleições e novamente eles podem mudar o voto para vice independente do presidente eleito, mas isso também não ocorre, para o alívio do PMDB americano.

Ey-ey-ey-mael

E se os ideais de um político não se encaixam nem com os Reaças e nem com os Petralhas? Apesar da alta cobertura da imprensa ser dedicada quase exclusivamente aos dois gigantescos partidos principais, há uma infinidade de partidos minúsculos nos Estados Unidos que podem entrar na disputa final das eleições. No Brasil, o mesmo ocorreria com determinados partidos, seja por defenderem bandeiras muito extremistas que não teriam representatividade nos partidos maiores, seja em nome de uma maior indepêndencia. Sem contar que qualquer indivíduo pode se candidatar como um candidato independente sem estar filiado a nenhum partido.

Nas eleições brasileiras, esse seria o destino, por exemplo, do PSTU, que provavelmente se recusaria a ser um Petralha. O único partido nanico com alguma representatividade no cenário nacional seria realmente o PV – e essa característica é refletida na política americana, aonde o “green party” é um dos poucos a ser levado a sério fora do eixo Republicano-Democrata.

Sim, porque dentre os outros concorrentes independentes das eleições americanas estão partidos como o “Prohibition Party”[3]Prohibition Party: http://www.prohibitionparty.org/, fundado em 1869 e altamente baseado em ideais cristãos pregando o fim do consumo de álcool ou o Partido “Rent is too damn high”. Essa liberdade toda para qualquer cidadão se candidatar torna as primárias independentes americanas um circo cômico. Em 2016, o criador do Creative Commons se candidatou prometendo que renunciaria após aprovar uma lei para mudar o financiamento de campanha[4]Canidatura de Lawrence Lessig: http://gizmodo.com/meet-the-first-digital-liberties-presidential-candidate-1723497880. Entre outros candidatos bizarros, há John McAfee (sim, do anti-vírus)[5]John McAfee: http://gizmodo.uol.com.br/john-mcafee-jeff-wise/ e Vermin Supreme, que usa uma bota como chapéu e possui uma plataforma de governo que quer tornar obrigatório a todos os cidadãos americanos escovar os dentes, além de financiamento tecnológico para a construção de uma máquina do tempo e promessa de um pônei para cada americano[6]Vermin Supreme: http://www.verminsupreme.com/.

Para conseguir chegar ao ballot final[7]Ballot é o papel de votação onde cada cidadão preencherá o seu voto. Figuram nos ballots apenas os candidatos aprovados de cada partido., os candidatos independentes precisam ter uma votação considerável nas primárias e serem qualificados nos estados. Republicanos e Democratas são automaticamente qualificados (os Reaças e Petralhas também seriam em nosso cenário), porém para os independentes e partidos nanicos, cada estado possui uma regra de qualificação diferente[8]As regras de qualificação variam conforme o estado e podem ser coisas simples como um número mínimo de votos, uma determinada arrecadação de campanha ou fórmulas complexas que levam em conta até eleições passadas dos partidos. As regras são realmente muito complexas e estudá-las pode lhe garantir horas de diversão sanando as próprias confusões aonde você enfiará seu cérebro. Se te interessar saber mais sobre isso, tem esses dois links aqui: https://ballotpedia.org/Ballot_access_for_presidential_candidates e https://en.wikipedia.org/wiki/Ballot_access e nem todos os partidos terminam as primárias com um representante.

Os eleitores sempre têm a última opção que é o “write-in”, aonde eles ignoram todos os candidatos acima e simplesmente escrevem o nome de quem eles desejam votar. Aí residiria a chance de termos Macaco Tião como presidente do Brasil.

Retroatividade

E se as regras americanas fossem válidas já nas eleições de 2014? Considerando que nas primárias a candidata Petralha tenha sido a Dilma Roussef e o candidato Reaça tenha sido Aécio Neves, o método de pontuação de delegados por estado influenciaria no resultado final?

Analisando o resultado obtido por cada candidato por estado:

EstadoDelegadosVencedor
Acre11Aécio Neves
Alagoas12Dilma Rousseff
Amapá11Dilma Rousseff
Amazonas11Dilma Rousseff
Bahia42Dilma Rousseff
Ceará25Dilma Rousseff
Distrito Federal11Aécio Neves
Espírito Santo13Aécio Neves
Goiás20Aécio Neves
Maranhão21Dilma Rousseff
Mato Grosso11Aécio Neves
Mato Grosso do Sul11Aécio Neves
Minas Gerais56Dilma Rousseff
Pará20Dilma Rousseff
Paraíba15Dilma Rousseff
Paraná33Aécio Neves
Pernambuco28Dilma Rousseff
Piauí13Dilma Rousseff
Rio de Janeiro49Dilma Rousseff
Rio Grande do Norte11Dilma Rousseff
Rio Grande do Sul34Aécio Neves
Rondônia11Aécio Neves
Roraima11Aécio Neves
Santa Catarina19Aécio Neves
São Paulo73Aécio Neves
Sergipe11Dilma Rousseff
Tocantins11Dilma Rousseff

Nas eleições de 2014, Dilma venceu em 15 estados, Aécio Neves em 12. Aécio venceu em São Paulo, o que teria lhe garantido o voto dos 73 delegados do estado. Mas mesmo assim, o resultado final ainda seria favorável à candidata petista:

Dilma Rousseff33656.57%
Aécio Neves25843.43%

Dilma teria a soma de todos os delegados de 15 estados, o que lhe garantiria 336 votos de delegados, o equivalente a 56,57% dos votos gerais. Assim, esse seria um dos casos nos quais o candidato vencedor teve também a maioria dos votos da população. Mas no sistema atualmente adotado nos Estados Unidos, nem sempre isso ocorre.

Por quatro vezes na história o sistema americano já elegeu um candidato que não teve a maioria dos votos do povo, mas que teve uma combinação de votos de delegados suficiente para lhe garantir a vitória. A última vez que isso ocorreu foi em 2000, entre George W. Bush e Al Gore. O candidato democrata teve 50.999.897 votos, contra 50.456.002 do republicano. Porém, os votos de Bush foram suficientes para que ele vencesse em 30 estados, contra 20 de Al Gore, lhe garantindo o voto total de 271 delegados, contra 266 do adversário.

Não é difícil imaginar o mesmo acontecendo no Brasil cedo ou tarde se esse estilo de eleição fosse adotado. Apenas os delegados da região sudeste já seriam o suficiente para garantir a um candidato 191 votos dos 298 necessários. Um candidato que tivesse pouco menos de 50% dos votos absolutos em cada um dos estados da região sudeste teria, no final, zero votos desses delegados. Mesmo com ele obtendo 100% dos votos em outros estados, os votos indiretos poderiam não ser suficientes para compensar essa perda.

O atual sistema eleitoral brasileiro parece não ser o culpado pelos péssimos políticos que estamos elegendo. Apesar de idéias que aparentam ser boas, como eleições primárias e, definitivamente, a não-obrigatoriedade do voto, a eleição indireta americana parece menos democrática do que a bagunça gostosa (eu sei, eu sei) que o TSE organiza por aqui.

Se dependesse de mim, porém, as eleições presidenciais não seriam decididas nem por um sistema nem por outro. Eu provavelmente usaria o método do SBT na Casa dos Artistas: colocaria o Silvio Santos numa tarde de domingo telefonando para dez cidadãos brasileiros aleatórios, anotando e influenciando no voto deles. O que eles escolherem, eu aceitaria.

No Abravanel eu confio.

Fontes e referências

Fontes e referências
1 Fiquei imensamente supreso em saber que essa palavra realmente existe: http://www.folhadaregiao.com.br/Materia.php?id=97167
2 Eleições primárias americanas por estado: http://www.uspresidentialelectionnews.com/2016-presidential-primary-schedule-calendar/
3 Prohibition Party: http://www.prohibitionparty.org/
4 Canidatura de Lawrence Lessig: http://gizmodo.com/meet-the-first-digital-liberties-presidential-candidate-1723497880
5 John McAfee: http://gizmodo.uol.com.br/john-mcafee-jeff-wise/
6 Vermin Supreme: http://www.verminsupreme.com/
7 Ballot é o papel de votação onde cada cidadão preencherá o seu voto. Figuram nos ballots apenas os candidatos aprovados de cada partido.
8 As regras de qualificação variam conforme o estado e podem ser coisas simples como um número mínimo de votos, uma determinada arrecadação de campanha ou fórmulas complexas que levam em conta até eleições passadas dos partidos. As regras são realmente muito complexas e estudá-las pode lhe garantir horas de diversão sanando as próprias confusões aonde você enfiará seu cérebro. Se te interessar saber mais sobre isso, tem esses dois links aqui: https://ballotpedia.org/Ballot_access_for_presidential_candidates e https://en.wikipedia.org/wiki/Ballot_access
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Velocidade Máxima Mínima

Uma recente decisão da prefeitura de São Paulo desencadeou uma discussão mais política do que científica. A diminuição da velocidade das marginais fez muitos defensores políticos do prefeito tranqüilão irem em busca de justificativas para comprovar a eficácia da medida, em uma atitude extremamente contra-científica, aonde se tem um resultado final e busca-se os experimentos para chegar até ele.

Alguns anos atrás, Doug McDonald, secretário de transporte da cidade de Washington, saiu em uma empreitada parecida, usando arroz e um funil para demonstrar que a diminuição de velocidade faz sentido, num experimento que foi bastante compartilhado. Nele, Doug usa um funil para representar a rodovia e um punhado de arroz como os carros.

Doug McDonald, porém, é formado em direito. É evidente para engenheiros e a turma de exatas que arroz só serve para comer, secar aparelhos eletrônicos e para os formandos em ciências sociais escreverem nomes em grãos nas praias. Doug não está diminuindo a velocidade da via – todos os grãos são movidos pela mesma força de aceleração – mas sim diminuindo o fluxo de entrada. Evidentemente, um fluxo controlado e constante apresenta melhores resultados em situação de gargalo, como qualquer pessoa que já tentou virar uma garrafa de cerveja pode concluir.

Diminuir a velocidade dos carros aumenta a densidade da via. Isso porque um carro a 90km/h precisa de 37m para frear a zero. Levando em conta o tempo de reação do motorista – um ser humano médio que não está acessando nudes no Snapchat – a distância média necessária para o carro da frente passa a ser, no mínimo, 62m. Caso a velocidade seja de 60km/h, essa distância diminui para 42m. Com menor distância entre os carros, maior a quantidade deles na via. Mais carros na via, porém, não significa necessariamente uma melhor fluidez.

Para tirar a prova, decidi construir meu próprio simulador de trânsito, com prostitutas e blackjack:
http://nrt.paulovelho.com.br/play/transito/

Cada pixel na tela representa 1,25m. De forma a facilitar o desenvolvimento, apenas três velocidades são calculadas: 30km/h, 60km/h e 90km/h. A distância entre os carros também foi calculada de acordo com a velocidade, sendo de 25m, 50m e 75m respectivamente

O primeiro teste foi feito em condições ideais de trânsito: todos os carros circulando na velocidade máxima permitida da via, respeitando as distâncias, cada um em sua respectiva faixa, com o respectivo amor da vida de cada motorista ocupando o banco do passageiro, em uma quinta-feira, véspera de feriado, saindo do trabalho. Com um fluxo de 80% e a 90km/h, passaram pela via 139 carros. A 60km/h, foram 142 carros. Repetindo o teste, os resultados foram muito parecidos. Primeira surpresa.

A explicação é a forma como o fluxo foi calculado: 100% seriam todos os carros na pista, respeitando a distância ideal entre eles, de acordo com a velocidade. Assim o mesmo fluxo representa uma quantidade maior de carros em menor velocidade. Mesmo com uma mesma quantidade de carros passando na via, cada carro, individualmente, demora mais para fazer o percurso com uma velocidade mais baixa (evidentemente). Apesar de aguentar uma densidade maior, a diminuição da velocidade máxima não representa um ganho global considerável, pelo menos em um mundo ideal.

simulador

Mas não vivemos em um mundo ideal: ganhamos menos do que gostaríamos, pesamos mais do que devíamos, nunca estaremos próximos o suficiente da Scarlett Johansson e há trânsito em nossas ruas. Misterioso e incompreensível trânsito por excesso de carros.

O primeiro ponto a ser considerado é: nem todo mundo anda na velocidade máxima da via. Um carro mais lento pode ser o suficiente para causar um gargalo na pista para um motorista impaciente que se esforça para andar o mais rápido possível. No simulador desenvolvido, isso foi facilmente implementado adicionando uma probabilidade do novo carro na pista ser mais lento, variando de acordo com a faixa que ele é adicionado: faixas mais à direita têm mais probabilidade de veículos lentos, tal qual devia ocorrer na vida real.

Mesmo se não houvessem esses veículos mais lentos, o trânsito por fluxo excessivo ainda pode ocorrer graças às chamadas “Shockwave Jams”, que seria um nome muito legal de uma banda de rock. Quando diversos motoristas tentam seguir uma determinada velocidade, mantendo uma determinada distância entre eles, fatalmente, em algum momento uma distração causará uma pequena desnecessária freada em algum deles. Pode ser um espirro, uma chamada no celular ou um pavão que pula em frente ao carro (aconteceu com meu professor de geografia). Essa pequena diminuição causa uma diminuição levemente maior no carro de trás que, por sua vez, propaga para os carros vindouros, espalhando a onda no sentido contrário da via até que, se houver fluxo constante o suficiente, ocasionará em uma parada completa. [1]Shockwave Jams: http://math.mit.edu/projects/traffic/
https://www.newscientist.com/article/dn13402-shockwave-traffic-jam-recreated-for-first-time/

O trânsito causa veículos mais lentos, mas veículos mais lentos não necessariamente causam menos trânsito. Os experimentos de criação de trânsito foram provados a meros 30km/h, seja por universidades japonesas, seja pelos Mythbusters. Em um estudo pela universidade de Stuttgart, na Alemanha [2]Experimental Features of Self-Organization in Traffic Flow: http://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.81.3797
, foi feita uma análise da quantidade de trânsito em uma rodovia. Os dados apontam que a faixa da esquerda foi a que apresentou a menor quantidade de trânsito – na Alemanha (e também aqui, teoricamente), as faixas mais à esquerda são destinadas aos carros mais rápidos.

as faixas da esquerda, de velocidades maiores foram as que apresentaram menos trânsito

as faixas da esquerda, de velocidades maiores foram as que apresentaram menos trânsito

O congestionamento é mais dependente do fluxo da via do que da velocidade dos carros; e vias com menor velocidade suportam uma maior quantidade de carros para o mesmo fluxo percentual, dando a idéia de que a diminuição é algo vantajoso. Porém, um alto fluxo resulta naturalmente em uma diminuição da velocidade, sem a necessidade de uma imposição de limites.

Se todos os 8 milhões de automóveis da cidade de São Paulo saíssem ao mesmo de casa e tentassem “entrar” nos 17 mil quilômetros de ruas da cidade (considerando uma média de quatro faixas de rolagem por rua), teríamos pouco mais de 117 automóveis por quilômetro de faixa de rolagem, o que impediria de termos uma velocidade média superior a 8km/h – comprovado pelos filmes de catástrofe e vésperas de carnaval, onde todo mundo tenta fugir da cidade ao mesmo tempo e acaba parado na estrada sem conseguir se mover. Mesmo se apenas 30% dos veículos de São Paulo saíssem na rua durante o horário de pico, a velocidade média não seria superior a 50km/h.

Antes de sair postando textão no facebook “toma essa petralhas”, há duas vantagens em uma diminuição de velocidade nas vias. A primeira – e um tanto óbvia – é a diminuição de acidentes. Obviamente, carros mais lentos respondem mais rápido e causam menos acidentes. [3]Departamento de planejamento da cidade de Helsink: http://www.trafikdage.dk/td/papers/papers04/Trafikdage-2004-339.pdf (cuidado: PDF) O maior ganho é na diminuição de atropelamentos, porém uma via como a marginal não deveria esperar o tráfego de pedestres, apesar de estar constantemente apinhada de vendedores de pipoca e trombadinhas bem-treinados.

A outra situação aonde a redução da velocidade máxima da pista influencia na diminuição do trânsito são em casos de gargalos.

Na tese defendida em 2005 pelo professor José Roberto de Godoy [4]Professor José Roberto de Godoy: https://uspdigital.usp.br/tycho/curriculoLattesMostrar?codpes=954679, usando teoria das filas e o software de simulação ARENA (muito melhor e mais acurado do que o meu, obviamente), foi comprovado que uma menor velocidade é capaz de gerar menos congestionamento [5]Controle de Congestionamento Veicular: http://www.ewh.ieee.org/reg/9/etrans/ieee/issues/vol04/vol4issue1March2006/04Castrucci.htm.

O motivo é simples: os carros demoram mais para chegar ao gargalo, causando uma diminuição no fluxo. Alto fluxo é o principal problema dos gargalos, como ficou evidente em outubro, na China, em um congestionamento causado por um gargalo em uma rodovia que diminuía suas 50 faixas (porra, China!) para apenas 20, deixando motoristas presos no trânsito por até 5 dias. [6]Congestionamentos na China:
http://www.dailymail.co.uk/news/peoplesdaily/article-3263440/Thousands-motorists-stranded-Beijing-motorway-incredible-50-lane-traffic-jam-week-long-national-holiday-wraps-up.html
http://gizmodo.com/heres-the-physics-behind-that-insane-chinese-traffic-ja-1735638335

Porra, Haddad!

Porra, Haddad!

Tomando por base um percurso comum na cidade de São Paulo: As marginais entre a ponte Nova do Morumbi e a ponte das Bandeiras, no sentido sul-norte/oeste-leste – trecho cuidadosamente escolhido simplesmente por ser o caminho que eu costumava percorrer quando saía do trabalho. Na via expressa, há 4 gargalos causados por redução de faixas. O trânsito nas marginais se beneficia com a redução de velocidade especialmente nesses pontos, uma vez que os carros demoram mais para chegar nos trechos problemáticos (e o fluxo é, conseqüentemente, menor).

Mapa de Gargalos da Marginal

Mapa de Gargalos da Marginal

Um outro motivo que a diminuição da velocidade causa menor trânsito é que ela torna as marginais uma opção menos atrativa para se transitar entre dois pontos. Se antes, valia a pena para o motorista perder um pouco de tempo para ir de uma região central às pistas expressas da marginal para poder andar numa velocidade maior – que compensaria o tempo gasto nesse percurso, agora essa via se torna menos atraente, uma vez que o ganho de velocidade nela é pouco vantajoso. Assim, pode ser que a diminuição da velocidade nas marginais cause realmente uma diminuição do congestionamento naquela via, porém pode acabar acarretando também em um aumento no trânsito de vias paralelas ou alternativas.

A solução talvez fosse uma velocidade máxima variável: uma velocidade menor em um horário comercial extendido e velocidade maior nos horários que a via estivesse menos cheia. Ou então, aproveitar que a marginal possui mais de uma via e separar o trânsito: quem for a favor da diminuição de velocidade, que use a via local.